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Prescrição em matéria de benefício previdenciário

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Agenda 07/12/2011 às 15:03

Existe muita confusão no trato da prescrição e da decadência em direito previdenciário. Aqui se estuda o prazo de controle judicial dos atos exarados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

RESUMO: É opinião corrente, tanto na doutrina como na jurisprudência, que não existe prescrição em matéria de benefício previdenciário. Todavia, isso não se coaduna com a lógica jurídica nem com o ordenamento jurídico vigente. Esse pensamento decorre da dificuldade em distinguir prescrição de decadência. Porém, a prescrição sempre vem depois de uma violação a direito e só tem sentido quando relacionada ao exercício de uma ação judicial. Em direito administrativo, a dificuldade é mitigada, porquanto a violação é veiculada mediante ato administrativo. Idêntico raciocínio é utilizado para matéria de benefícios previdenciários, pois os atos do servidor da autarquia previdenciária submetem-se ao regime jurídico dos atos administrativos em geral. Assim, a finalidade deste trabalho é demonstrar, com argumentos lógico-jurídicos, que atos decisórios do INSS, na atribuição de gerir e administrar o Regime Geral de Previdência, estão sujeitos ao controle judicial por prazo determinado. E esse prazo é a prescrição, que impede seja levada ao Judiciário eventual lesão contida nesse ato, que, pelo transcurso do tempo, adquiriu rigidez jurídica, tornando-se imutável.

Palavras-chaves: Prescrição. Transcurso de Prazo. Segurança Jurídica. Controle de Ato administrativo. Benefícios Previdenciários.


1 INTRODUÇÃO

Há muita confusão, em direito previdenciário, entre decadência e prescrição, e quanto à última, existem muitas dúvidas sobre seus limites e sua aplicação. A ausência de obras específicas tratando do tema impossibilitou que se tivessem discussões mais profundas sobre o assunto. Geralmente, os autores tendem a repetir acriticamente teses que não têm justificativa plausível. Evidentemente que não se tem a pretensão de, neste artigo, modificar a tendência da jurisprudência majoritária, mas apenas tentar expor um ponto de vista distinto e provocar o debate sobre a matéria de modo mais consistente.

Destaca-se a diferenciação entre prescrição de “fundo de direito” e prescrição “de trato sucessivo”, expressões sempre presentes quando se cuida da matéria prescricional em direito administrativo, cuja significação não faz muito sentido para o posicionamento defendido ao longo desta exposição, pois sem embasamento técnico-jurídico, sendo apenas fruto de interpretações apressadas de texto legal. O cerne da questão, como se verá, reside no prazo de controle judicial dos atos exarados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Este trabalho também pretende marcar posição contrária à defesa do INSS, que tem aceitado de modo muito passivo tais alegações de imprescritibilidade. Impende destacar que a Procuradoria da autarquia tem inserido em vários instrumentos normativos infralegais dispositivos que referendam a imprescritibilidade. É notório que isso pode levar a sérias injustiças, comprometendo o fim último de toda a construção jurídica, que é dar o direito a quem realmente merece, além de vulnerar consideravelmente o princípio da segurança jurídica.

Nesse sentido, esta obra pretende iniciar virtuosa discussão sobre este assunto tão negligenciado pela doutrina, o que ocorre, em grande medida, por influência da jurisprudência, a qual, calcada na inclinação de sempre conferir decisão mais favorável ao segurado de previdência social, tem dado interpretação dissonante com o real sentido das Súmulas 85 e 443, respectivamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, bem como de toda legislação correlata. E, em face disso, a jurisprudência dominante instituiu imprescritibilidade longe dos preceitos traçados pelo ordenamento jurídico positivo, ou melhor, em contrariedade aos mais elementares postulados que regem o assunto.


2 ORIGEM, NECESSIDADE, CONCEITO E ACEPÇÕES DO VOCÁBULO PRESCRIÇÃO NA CIÊNCIA DO DIREITO

A literatura jurídica é rica em apontar a origem do fenômeno jurídico, ora em estudo, relacionando causas que o fizeram surgir. A doutrina inclina-se, em rara unanimidade, em dizer que o fundamento da prescrição reside na tranquilidade e na paz social. Com efeito, Cahali (2008, p. 18) faz as seguintes ponderações:

Hoje esta colocação está definitivamente superada, sendo a prescrição um instituto tranqüila e universalmente aceito pro bono publico. Na expressão de Teixeira de Freitas, “esta filha do tempo e da paz – patrona do gênero humano – de que todas as legislações não têm podido prescindir”. (Grifo do autor).

Portanto, a prescrição é uma necessidade de estabilização de relações jurídicas, que atende à pacificação social — um dos fins do direito — e evita a perpetuação de situações precárias, geradoras de insegurança jurídica e de descompasso institucional.

Na verdade, a etiologia da prescrição reside no estado patológico das relações jurídicas. O ordenamento jurídico espera uma ação positiva do sujeito molestado, numa ocasião juridicamente relevante, na qual o sujeito passivo de uma obrigação, de modo injusto, obstina-se em não realizá-la, a fim de que, com essa ação, seja restaurada a normalidade. Logo, do ponto de vista etiológico, a prescrição, como se ressaltará ao longo desta obra, requer um direito anterior, uma violação a esse direito, que marca o início do prazo prescricional, a inércia do interessado e a inexistência de lei ou norma constitucional afastando a fluência do prazo. Com efeito, a prescrição é regra, sua inexistência tem de ser afastada inequivocamente.

Desse modo, em face de o fenômeno prescricional surgir de uma crise do Direito, devido à recalcitrância de um sujeito obrigado ao cumprimento de obrigação, a prescrição é regra geral, visto que impede o prolongamento indefinido de patologias jurídicas. O estado de crise logicamente não pode ser a regra, mas a exceção.

Nesse diapasão, tem-se que prescrição é o fenômeno jurídico, decorrente do fluir do tempo, calcado na segurança jurídica, que impede seja discutida, em sede de ação judicial, violação a direito, depois de transcorrido certo lapso temporal.

O conceito apresentado para o fenômeno jurídico em análise, no parágrafo anterior, é aplicável tão somente em matéria não penal, porquanto o conceito de prescrição penal é, segundo Jesus (1995, p. 20), […] “a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo”. Logo, não tem relação com a prescrição nascida das lucubrações civilistas, a qual vai lançar os alicerces da prescrição em direito administrativo, no que concerne à pretensão do administrado de controlar atos de autoridade pública que lhes foram desfavoráveis.

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Desse modo, para o direito previdenciário, o que interessa é o estudo da prescrição em matéria não penal, cuja ideia central está fundada no fim de uma pretensão à reparação de violação a direito. O artigo 189 do Código Civil bem ilustra isso, ao dizer que “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Logo, quando se mencionar o termo prescrição nesta obra, estar-se-á cogitando de prescrição não penal, onde está inserida a prescrição administrativa, que, por seu turno, contém a prescrição de pretensão à reforma de ato administrativo.

Alerte-se que se alinhará às afirmações de Amorim Filho (1961, p. 49), aceitando-se as seguintes afirmações: “Estão sujeitas a prescrição: todas as ações condenatórias […]” e “[…] não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis)”. Porém, o que mais se repetirá da lição desse doutrinador é o pensamento contido nesta passagem (1961, p. 41):

Já vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional está ligado, necessária e indissoluvelmente, à lesão de um direito, de modo que, se não há lesão do direito, não há como cogitar de prescrição da ação. Já vimos, igualmente, que fato semelhante ocorre com o instituto da decadência: todo prazo decadencial está ligado, também necessária e indissoluvelmente, ao exercício de um direito, de modo que só sofrem os efeitos (indiretos) da decadência aquelas ações que são meio de exercício de alguns direitos pertencentes a uma categoria especial.

Ainda assim, dentro da parte não penal do ordenamento jurídico, são ofertados conceitos diferentes para prescrição, com matizes diferenciados, mas que guardam característica comum, que é obstar a via judicial para reparação a uma lesão ao direito. No entanto, sendo o Direito uma ciência, é necessário que se tenha precisão terminológica, com conceitos mais unívocos possíveis, a fim de evitar, ao máximo, interpretações dúbias. E é isso que se almejará nos pontos subsequentes.


3 PRESCRIÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

Indubitavelmente, o direito previdenciário nasceu dentro do direito administrativo e tem muito pontos de contato com aquele. Por conseguinte, é imprescindível divisar com bastante clareza o instituto da prescrição dentro dessa província jurídica. Também não há negar que o direito administrativo envolve uma mescla de matéria que guardam diferenças significativas, o que reclama acurada análise de seus institutos.

Também é imprescindível destacar que, no direito administrativo, a essência da prescrição, teorizada na seara civilista, conservará sua essência. Assim, jamais se poderá perder de vista a procura sobre a lesão ou violação de direito. Sem isso, não se pode falar em prescrição. Raciocínio que se afasta desse parâmetro não é jurídico-científico, mas mero exercício de retórica, ou mesmo da dialética erística, desnudada pelo filósofo Arthur Schopenhauer, isto é, algo desatado da verdade, mas compromissado apenas em convencer.

Desse modo, convém destacar, reiterando o exposto no ponto anterior, que o instituto sob exame não deve ser confundido com a projeção da prescrição penal no direito administrativo, relativamente a penalidades impostas a servidores públicos, que vários autores denominam de prescrição administrativa. Assim, Nassar (2004, p. 35) conceitua esse instituto como “[...] a extinção da iniciativa de punir, resultando da inércia, durante certo lapso de tempo, do Poder Público na perseguição da infração ou na execução da sanção”.

Conforme se mostrará mais à frente, muitos anos atrás, esse conceito de prescrição administrativa já era contestado. De forma que Meirelles (1979, p. 652) dizia, com muita precisão técnico-jurídica: “O certo seria dizer-se decadência administrativa quando o transcurso de prazo impede a prática de um ato pela própria Administração”.

De fato, data maxima venia, essa perda de direito de punir, em consonância com a dogmática do direito civil e do direito administrativo, segundo se tratará com mais profundidade nos pontos ulteriores, é efeito da decadência e não de prescrição. Logo, esse fenômeno jurídico é denominado de prescrição em virtude dos pontos de contato que guarda com o direito penal, mas, repita-se, trata-se de genuína decadência.

A prescrição “administrativa” que interessa a esta obra é a referente à pretensão do administrado em rever decisões administrativas que lhe foram desfavoráveis, com arrimo no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição, o qual diz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Como sabido, o reflexo desse dispositivo constitucional é possibilitar que todas as decisões administrativas sejam revistas pelo Poder Judiciário, pois, como pondera Meirelles (1979, p. 680), “Os atos sujeitos ao controle judicial comum são os administrativos em geral”.

Logo, esse controle dos atos administrativos, exercido pelo interessado ou por algum substituto processual, deve ser exercido dentro de um prazo, sob pena de obstada a discussão judicial em sede de ação, quanto ao acerto ou desacerto do ato administrativo. E a fulminação dessa possibilidade de controle, em virtude de escoamento de prazo, é a prescrição administrativa que ora se cogita nesta exposição.

Forçoso observar, pelo menos do ponto de vista do direito positivo, que somente a autoridade administrativa pode lesionar o direito do administrado, pois em face do postulado da divisão dos poderes, inscrito logo no pórtico da Carta Magna (artigo 2º), cabe-lhe executar (aplicar) as leis; aos outros poderes competem as funções legislativa e judiciária, comportando algumas exceções, quando se tratar de atos relacionados a seus próprios membros, que em nada compromete essa afirmação. Desse modo, o Judiciário nunca pode conceder, por exemplo, aposentadoria, licença, matrícula, anistia e isenção tributárias, etc., mas apenas reformar ato administrativo, o qual, por ilegalidade, negou indevidamente o direito do interessado. O Judiciário só é chamado a atuar para fazer o controle de ato administrativo que, desviando-se da legalidade em sentido amplo, lesionou o direito de alguém.

Portanto, proferida uma decisão administrativa de cunho definitivo no âmbito da Administração, o interessado, entendendo que fora juridicamente prejudicado, tem prazo para levar o caso ao Judiciário, pois, passado determinado lapso temporal, a decisão administrativa adquire rigidez jurídica, tornando-se imutável.

É bem verdade que a conclusão do parágrafo anterior é bastante intuitiva, tendo em vista que tal possibilidade de revisão judicial de decisão administrativa não poderia ser exercida a qualquer tempo, pois as situações jurídicas tendem à estabilização em virtude de transcurso de tempo. Isso é de uma lógica manifesta, que decorre, por assim dizer, de um silogismo automático. Porém, conclusão contrária é sustentada com veemência em matéria de benefício previdenciário, muito embora despida de fundamentação razoável.


4 DIFERENÇA ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Postos esses imprescindíveis esclarecimentos, outro se faz necessário, apesar de ser muito decantado: a distinção entre prescrição e decadência. Com efeito, os caracteres diferenciadores desses dois institutos têm de ser destacados, porquanto isso tem sido fonte de muitos equívocos, sobretudo em matéria de benefício previdenciário, consoante se ressaltará mais à frente. Aliás, de nada adianta discorrer profundamente sobre prescrição, se não for possível traçar, de modo claro, sua diferença com o instituto da decadência.

Necessário ressaltar que, apesar de farta literatura sobre o tema, ainda existem muita dubiedade e falta de clareza no que concerne ao discernimento desses dois institutos. E, em direito previdenciário, essa confusão é estranhamente presente, sendo deveras e lamentavelmente surpreendente como as normas legais e a jurisprudência tomam decadência por prescrição e esta por aquela, transformando essa matéria em algo de difícil ou, por que não dizer, de impossível compreensão. Imperam, sobretudo quando a questão é posta para decisão, juízos baseados em convicções pessoais, longe de critérios objetivos ou científicos.

Tal problema é antigo, segundo Leal (1959, p. 51 apud AMORIM FILHO, 1961): “Todo o estudo relativo à imprescritibilidade se ressente de um certo empirismo. Não se encontra nos autores a fixação de uma doutrina, com princípios juridicamente estabelecidos. Tudo se reduz à casuística”. E esse estado de coisas perdura até hoje, refletindo-se principalmente na legislação previdenciária, o que tem contaminado a doutrina e jurisprudência nacionais.

De forma bastante lúcida, explanando sobre equívocos do legislador, o qual nem sempre segue as regras determinadas pela ciência jurídica, sustenta Kravetz (2007, p. 589):

Incumbe ao operador do direito, portanto, não importa o nome dado pelo legislador, determinar a essência do instituto tratado, para saber se se cuida de decadência ou de prescrição, o que implicará diferentes e graves consequências jurídicas conforme for uma ou outra.

A rigor, não é o legislador, com seu descompromisso com as amarras científicas e com suas recorrentes atecnias, o responsável pela catalogação dos institutos da Ciência Jurídica, mas sim os operadores do direito, que têm o dever ético e profissional de tornar as interpretações jurídicas mais simples, úteis e pragmáticas, suficientes para cumprir sua função social. A técnica dos operadores do direito deve influenciar o legislador para que aprimore as normas legais, tornando-as mais claras, compatíveis entre si, exequíveis e úteis.

Pois bem, a diferença reside no fato de que na prescrição sempre há violação a direito. O direito é exercido pelo interessado, ocorrendo negação total ou parcial de seu pleito, na sede administrativa, começa então a fluir o prazo da prescrição. Já a decadência assinala a perda de um direito pelo não exercício desse direito, em determinado prazo. O direito fenece pela inação do titular, cuja fruição dependia apenas de sua vontade. O prazo decadencial principia-se com o nascimento do próprio direito, contrariamente ao prazo prescricional, cujo começo é sempre posterior ao surgimento do direito, iniciando-se sempre após a ocorrência da lesão ou violação.

Diniz (2005, p. 395) apresenta a seguinte definição de decadência, plenamente aplicável em direito administrativo: “[…] é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para seu exercício”.

Não menos importantes são as ponderações feitas por Theodoro Júnior (2003, p. 132), o qual diz que o cenário jurídico para ocorrência de prescrição deve apresentar as seguintes circunstâncias, sendo mister, portanto, que:

a) exista o direito material da parte a uma prestação a ser cumprida, a seu tempo, por meio de ação ou omissão do devedor;

b) ocorra a violação desse direito material por parte do obrigado, configurando o inadimplemento da prestação devida;

c) surja, então, a pretensão, como conseqüência da violação do direito subjetivo, isto é, nasça o poder de exigir a prestação pelas vias judiciais; e, finalmente;

d) se verifique a inércia do titular da pretensão em fazê-la exercitar durante o prazo extintivo fixado em lei. (Grifo do autor).

Impende ressaltar, mais uma vez, que só há prescrição se houver violação a direito. A chave para a existência de prescrição e sua identificação é a negação de um direito, ao lado da fixação de prazo para o saneamento da lesão. Portanto, a prescrição tem lugar quando se observa uma crise no cumprimento de uma obrigação. A pessoa obrigada a uma prestação deixa de cumpri-la, começando a correr prazo para a reparação da ofensa ao direito. Em tal prazo, o ordenamento jurídico espera a ação do ofendido a fim de que faça valer seu direito violado, afastando os óbices impostos pelo obrigado.

Em direito administrativo a violação só pode surgir de um ato de agente público, enfeixado dentro das formalidades que permitem a existência de um ato administrativo. Logo, é impossível afirmar o surgimento ou a ocorrência de prescrição sem a existência de ato administrativo formalmente válido, em que se dá a negação de um direito.

Impende destacar que a alegação ou conhecimento da prescrição só tem lugar, no atual estádio de desenvolvimento jurídico brasileiro, em sede judicial, pois a pretensão à reparação de lesão a direito só pode ser exercida pela ação judicial, visto que é vedada a autotutela, a qual é permitida somente em casos excepcionalíssimos. Desse modo, a reparação da ofensa sofrida pelo titular do direito só pode ser feita mediante ação judicial1.

Por outro lado, a decadência pode ocorrer no âmbito não judicial, que é a hipótese mais comum, como na seara judicial, porquanto existem direitos que só podem ser exercidos judicialmente, muito comuns em direito de família, mediante ações constitutivas.

Nas regras que disciplinam benefícios previdenciários, existem poucas hipóteses de ocorrência de decadência, em seu sentido técnico, sendo regra a inexistência de prazos decadenciais, consoante se anotará mais à frente. Aliás, essa ausência de decadência reclama mudança legislativa urgente, haja vista que isso tem causado várias perplexidades, como requerimento de benefícios, cujas condições para sua fruição haviam sido atingidas fazia mais de duas décadas. Os casos mais comuns são de pensão, não sendo raros requerimentos aludindo a óbitos ocorridos há mais de trinta ou de vinte anos.

Desse modo, não há como concordar com a afirmação de Dias e de Macêdo (2010, p. 326/327), quando dizem que o prazo prescricional inicia-se com o surgimento de todos os requisitos para o gozo do benefício, ou em suas próprias palavras:

Nasce com a reunião dos requisitos legais ensejadores de sua concessão, e não com o indeferimento do benefício, significando dizer que o termo a quo de eventual prazo prescricional para fazer valer essa pretensão é justamente o momento da reunião desses requisitos legais.

Pelo exposto, há patente equívoco dos autores mencionados, pois quando alcançados todos os requisitos para fruição do benefício previdenciário, sua obtenção fica dependente exclusivamente da vontade do titular, que, querendo, pode ou não exercer o direito. Isso seria cristalino caso de decadência, o qual não existe, por expressa disposição legal; existindo apenas caducidade das parcelas anteriores ao lustro antecedente ao requerimento administrativo, como se dirá no momento oportuno desta obra.

A título de conclusão, devem-se evitar fórmulas complicadas e cerebrinas para divisar prescrição e decadência em direito administrativo, como muitos autores fazem, invocando o critério de classificação de ações adotado por doutrinadores como Agnelo Amorim Filho. Critério esse que varia muito no seio da doutrina, tornando-se bastante volátil nos dias atuais.

Tributando respeito a tais autores, conforme se disse no início deste artigo, o critério utilizado por Amorim Filho baseia-se na existência ou não de lesão. Somente se pode falar em prescrição quando houver lesão; e, nesse sentido, Amorim Filho (1961, p. 41): “Já vimos, anteriormente, que todo prazo prescricional está ligado, necessária e indissoluvelmente, à lesão de um direito, de modo que, se não há lesão do direito, não há como cogitar de prescrição da ação”.

Assim, à luz dos critérios científicos de distinção entre prescrição e decadência, não há como sustentar que o prazo prescricional inicia-se com a reunião dos “requisitos legais ensejadores de sua concessão, e não com o indeferimento do benefício”. A prescrição, em direito previdenciário, em consonância com o critério científico, pregado por Agnelo de Amorim Filho, sempre se inicia com a decisão final de indeferimento.

Data maxima venia, não existe dificuldade em discriminar os dois institutos em direito administrativo, pois enquanto o direito só depender do arbítrio do titular para exercê-lo em determinado prazo, há decadência. Já quando a Administração viola o direito, manifestando-se formalmente contrária à postulação do interessado, começa a correr o prazo de prescrição.

Dessa maneira, nos casos em que há decadência, o seu fim é determinado pela provocação da Administração. Já a prescrição tem início quando a Administração, analisando o pleito do interessado, nega total ou parcialmente o seu direito.

Sobre o autor
Raimundo Evandro Ximenes Martins

Procurador Federal em Sobral (CE). Especialista em Direito Público com enfoque em Direito Previdenciário pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Prescrição em matéria de benefício previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20572. Acesso em: 22 nov. 2024.

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