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Anotações sobre o Direito do Idoso no Brasil

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Agenda 19/12/2011 às 09:04

2.O Estatuto do Idoso

A preocupação com o crescimento do contingente idoso passou a ser tema debatido em todo mundo, uma vez que cada vez mais se pôde perceber um aumento significativo desse extrato da população. Por isso, em 1999, a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), por intermédio de sua Assembléia Geral, decidiu observar o ano de 1999 como o Ano Internacional do Idoso. A resolução nº 47/5 previu que o Ano Internacional dos Idosos seria celebrado por todos os setores da sociedade, nas atividades dos Estados Membros da comunidade internacional, pelo próprio sistema das Nações Unidas, Organizações Intergovernamentais, tão bem quanto as do setor privado [54].

Para tanto, em 1º de outubro de 1998, foi instituído, no Brasil, um Decreto, com a finalidade de criar um Comitê Organizador do Ano Internacional do Idoso, vinculado ao Ministério da Previdência Social, para coordenar as comemorações que ocorreriam no ano de 1999, conforme a Resolução 47/5, de 1999, da Organização das Nações Unidas – ONU. Mediante este Comitê, foram organizados eventos e programas direcionados aos idosos.

A necessidade da criação de uma lei que conduzisse os direitos dos idosos tinha sido verificada a partir do momento que a população idosa começou a crescer significativamente. Nessa direção, o Deputado Paulo Paim elaborou o Projeto de Lei nº 3.561/1997, na tentativa de criar um Estatuto em prol do Idoso. Destinado a regular sobre os direitos essenciais das pessoas maiores de 60 anos, dispunha sobre os direitos fundamentais e de cidadania do idoso, relativos à vida, saúde, habitação, trabalho, educação, convivência familiar, comunitária, profissionalização, alimentação, convivência familiar, comunitária, previdência e assistência social e assistência judiciária. Por intermédio do projeto, seria instituído o Conselho Nacional do Idoso [55] e seus congêneres nos Estados, Distrito Federal e municípios, atribuindo-lhes competência para formulação, coordenação, supervisão e avaliação da política do idoso; e à União a coordenação da Política Nacional do Idoso, bem como da proposta orçamentária da área, ouvido o Conselho Nacional respectivo.

Apensado a este projeto estava o da autoria do Deputado Fernando Coruja, de nº. 183/1999, que também tratava da possibilidade da criação de um Estatuto para idosos, com ênfase nas medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse estabelecia-se a proteção integral do idoso, princípio característico do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de especificar também os direitos fundamentais e sociais dos idosos [56].

Também apensados ao projeto do Deputado Paim, os Projetos de Lei nºs 2.420, 2.421, 2.426 e 2.427, todos de 2000, do Deputado Lamartine Posella, para alterar a Lei 8.842/1994 e dispor sobre o monitoramento e a supervisão das entidades que cuidam de idosos carentes, assistência médico-odontológica gratuita, programa de vacinação anti-pneumocócica, serviços alternativos de saúde e atendimento domiciliar nas áreas urbanas e rurais; o Projeto do Deputado Luiz Bittencourt, nº. 2.638/2000, que previa 5% das vagas nos estacionamentos públicos e privados para idosos; e o Projeto nº. 942/1999, do Deputado Gustavo Fruet, que previa a reserva de 3% dos imóveis para o idoso nos programas habitacionais. Todos os apensos supracitados dispõem sobre medidas complementares à Política Nacional do Idoso [57].

Ao se analisar os Projetos de Lei, notou-se uma grande quantidade de equívocos, como por exemplo, a revogação total da Lei 8.842/1994, ainda em vigor, que regia a Política Nacional do Idoso, principalmente por parte do Projeto nº. 183, de autoria do Deputado Fernando Coruja, o que ocasionaria sérios problemas ao sistema de proteção ao idoso já existente. Para evitar que surgissem outros novos Projetos de Lei, atrasando os procedimentos de aprovação de leis pelo Congresso Nacional, uma vez que já comprovada a necessidade da criação de uma lei específica para idosos, foi formada, em 2001, uma Comissão Especial para apreciar o conjunto de Projetos de Lei já existentes, composta por deputados de diversos partidos, representantes dos Fóruns Regionais (Fóruns de Política Nacional do Idoso), entidades governamentais e não-governamentais, nacionais, estaduais e municipais de todo Brasil, com o objetivo de formar um único Projeto, denominado Estatuto do Idoso.

O projeto único, elaborado através da Comissão Especial, foi enviado ao Congresso Nacional para aprovação simbólica, uma vez que já havia consenso de todos os partidos. Entretanto, o Estatuto não entrou imediatamente na pauta de votação, em razão de contrariar diversos interesses do governo, tais como: o valor das aposentadorias e pensões e condições para seu aumento, diminuição da idade inicial para 60 anos para recebimento do Benefício da Prestação Continuada (BPC), o que, posteriormente, se definiu para 65 anos [58].

O desfecho de toda essa evolução legislativa e organizacional fez com que, em 1º de outubro de 2003, fosse sancionada e publicada no Diário Oficial da União do dia 03 de outubro de 2003, a Lei 10.741 que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Vale ressaltar que esta lei resultou de vários projetos unificados, analisados minuciosamente, conforme os interesses e necessidades da sociedade e a Constituição Federal, para que os direitos dos idosos fossem acobertados. O Estatuto do Idoso é um dos documentos legais mais importantes para a defesa dos direitos da pessoa idosa, pois é através dele que são orientadas e norteadas todas as políticas sociais, ações e direitos referentes à pessoa idosa.

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O Estatuto do Idoso revogou alguns dispositivos das leis que previam, de forma escassa, direitos aos idosos. E em se tratando de legislação específica, seus dispositivos reforçaram alguns dos direitos já previstos em leis anteriores. O Estatuto do Idoso viabilizou o acolhimento e a inclusão social do idoso, para que este goze seus direitos: o idoso, assim como todo e qualquer cidadão brasileiro, tem direitos inerentes à sua pessoa, alguém envelhecido pelo tempo e com representações próprias junto à sociedade.

Os deveres constitucionalmente assegurados a qualquer cidadão foram reforçados pela lei infraconstitucional e uma série de novos institutos surgiu em relação aos direitos e garantias fundamentais do cidadão idoso. As referências aos direitos já previstos constitucionalmente não foram um erro dos legisladores, mas uma forma de assegurar os direitos já instituídos, uma vez que induzem aos leitores do Estatuto ao conhecimento dos direitos previstos em lei anterior, que muitos, por vezes, nunca tiveram acesso [59].

A aprovação do estatuto constituiu um avanço sociojurídico significativo na defesa dos direitos dos idosos, sendo considerado como "a coroação de esforços e do movimento dos idosos e do Estado e se constitui no instrumento jurídico formal mais completo para a cidadania do seguimento idoso" [60].

Ao iniciar a leitura do Estatuto do Idoso, a partir do Artigo 1º, há a descrição jurídica dos idosos: que são as pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos. Esse dispositivo alterou o conceito de idoso nas leis vigentes até então, estabelecendo um critério único de idade. Isso significa que, a partir dos sessenta anos, estes cidadãos passam a ser detentores de direitos especiais [61]. Entretanto, apesar desse artigo ter alterado o conceito de idoso em quase todas as leis brasileiras, na Lei de Previdência Social não surtiu efeito, uma vez que esta determina que o segurado tem o requisito mínimo de idade de sessenta e cinco anos para que o trabalhador se torne aposentado, no caso dos homens [62].

São direitos dos idosos, assim como de qualquer cidadão brasileiro, o direito à vida, traduzido no direito de envelhecer; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, inseridos em um contexto de participação na família e na sociedade em que o idoso encontra-se inserido. A lei ainda assegura aos idosos direito a alimentos e habitação, em razão da aposentadoria insuficiente para uma condição de vida digna, razão pela qual muitas vezes necessita de seus próprios filhos para promovam a sua subsistência; direito à saúde, sendo, por exemplo, dever do Estado o fornecimento gratuito de medicamentos, principalmente os de uso continuado; direito à educação, cultura, esporte e lazer, com a finalidade de promover ao idoso um envelhecimento saudável [63].

Além disso, o Estatuto do Idoso dispõe que, na impossibilidade de a família fazer cumprir a lei de forma justa aos idosos, a sociedade e o Poder Público são legitimados para a efetivação destes, dentro de suas possibilidades. Por meio deste dispositivo, percebe-se uma forma de acolhimento do idoso por parte do Estado, que por intermédio de sua lei, transfere responsabilidades do ente privado (família), para o ente público estatal [64].

O fato de o Estado trazer para si a responsabilidade em relação aos idosos, principalmente a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, foi de suma importância para a criação de políticas públicas. Entretanto, no Estatuto do Idoso ainda se lê sobre a preservação dos vínculos familiares, demonstrando claramente que o Poder Público só está propenso a assumir a responsabilidade pelo idoso após a real quebra do vínculo familiar, já que é obrigação das entidades envidar esforços de qualquer natureza para manter o idoso vinculado direta ou indiretamente aos seus familiares [65].

O idoso não pode ser considerado apenas como o aposentado, uma vez que esses conceitos não se confundem [66]. O idoso tem direito à profissionalização e trabalho, se ainda tiver condições para trabalhar, incumbindo ao Poder Público criar e estimular programas de profissionalização de idosos; mas, se não apresentar mais condições para o trabalho, ou laborou por tempo suficiente, tem direito aos benefícios da previdência social, o que constitui no direito à aposentadoria [67].

Uma série de medidas explicitam a previsão de políticas sociais direcionadas aos idosos, como, por exemplo, a previsão para implantação de equipamentos urbanos comunitários para o idoso, além do direito ao transporte, vagas especiais em estacionamentos, medidas de proteção, políticas de atendimento preferencial ao idoso, havendo inclusive a previsão de criação de entidades específicas para o seu atendimento. Para que possam ser efetivas, estas políticas devem ser severas no sentido de destinar atenção especial aos idosos, uma vez que são medidas de proteção ao idoso que visam a sua segurança física e psíquica, bem como à sua condição sócio-familiar, econômica e à sua condição de saúde física, mental e psicológica [68].

Também seriam políticas públicas determinadas pela lei os tratamentos físicos, psicológicos, programas de lazer, de caráter educativo, que evitam que os idosos não tenham depressão em razão do envelhecimento, que muitos não aceitam. Além disso, a lei prevê a criação de locais próprios para atendimento aos idosos para ampará-los, não só do ponto de vista biológico mas, também, social e jurídico, que viabilizariam a participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações, além de conseguirem seus direitos por intermédio da lei vigente [69].

Entretanto, não obstante a previsão do Estatuto do Idoso para uma série de Políticas Públicas a serem implementadas, há uma grande dificuldade para colocá-las em prática, em razão de interesses conflitivos do Estatuto do Idoso com o próprio Estado, caracterizando uma colisão com outras prioridades de outros segmentos, pois muitas vezes o social fica subordinado aos planos de capital do Estado. Isso mostra que o Estatuto foi criado para atender uma demanda social, mas não tem políticas sempre eficazes, porque os recursos financeiros, humanos e institucionais se revelam insuficientes para atender às enormes demandas do segmento por saúde, previdência, assistência social, educação, cultura, lazer, dentre outros, não somente por parte dos idosos, mas de toda a população brasileira.

A criação de uma nova lei ser benéfica para a sociedade, por se tratar de uma exteriorização do poder público diante das necessidades já vislumbradas, entretanto, sua imposição implica uma série de mudanças no contexto social, histórico e jurídico determinado, havendo a possibilidade do surgimento de conflitos da nova Lei com outras já existentes, como ocorreu inicialmente com os projetos e a Lei que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, além de uma série de problemas que surgem como conseqüência de sua implementação, atingindo a sociedade de modo geral, além dos grupos sociais específicos. É por isso que há primor na criação do Estatuto do Idoso, uma vez que este reúne "num texto único os fundamentos constitucionais e legais dos direitos dos idosos, ali detidamente enunciados. Nesse sentido ele vai além da Política Nacional do Idoso, que substitui com vantagem" [70].

O Estatuto surgiu, também, como forma de alerta sobre várias infrações e penalidades que freqüentemente ocorriam no Brasil, como a discriminação, a falta de assistência e abandono aos idosos, além de atos como a exposição a perigo, obstar acesso do idoso, negar-lhe trabalho em razão de suas condições físicas ou mentais, dificultar-lhe o atendimento, apropriar-se ou desviar seus bens e/ou rendimentos, exibir depreciativamente sua imagem, induzi-lo a outorgar procuração, dentre outros, despertando a atenção da sociedade sobre estes e outros problemas já existentes, impondo sanções diversas para quem comete estes crimes [71].

A existência harmônica e equilibrada de tantas leis representa que o desenvolvimento jurídico acerca do direito do idoso se mostrou adaptativo às mudanças temporais, mesmo que o Estatuto do Idoso tenha prevalecido como referência legislativa sobre idosos, tornando-se uma base legislativa para o assunto. Desta forma, a chamada Política Brasileira do Idoso, que congrega hoje todas leis supracitadas, não tão-somente a Lei 8.842/1994 e o Estatuto do Idoso, estabelece para este o idoso um conjunto de direitos e ou salvaguardas, possibilitadas por meio das próprias leis e das políticas que estas suscitam.

Diante desse desenvolvimento do marco legal, infere-se que os direitos direcionados às pessoas idade avançada evoluíram no sentido de sedimentação e ampliação do chamado Estado de bem-estar social brasileiro, por causa da universalização no âmbito dos direitos securitários e assistenciais, assim como em termos duma legislação focalizada em extratos sociais específicos, como os idosos.

A questão que interessa a esta reflexão, entretanto, não é uma análise da efetividade das políticas públicas que têm sido desenvolvidas para os idosos, mas considerar o espaço onde o Estado, por mais que possa ser efetivo, não é capaz de atuar ou interferir eficazmente. A existência de leis direcionadas a idosos, a efetivação das políticas públicas e a universalização dos direitos assegurados a essas pessoas são insuficientes para suprir uma importante dimensão da vida deles, que pode ser compreendida pela idéia de pertencimento. Ou seja, as suas relações, as trocas, os ambientes sociais, e outros tantos elementos que eram importantes para a manutenção de sua identidade e traduzem a questão do pertencimento, não estão mais presentes em suas vidas.

Sobre a autora
Aline Hack Moreira

Advogada em Brasília (DF). Graduada em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Pós-graduada em direito civil e processo civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Especializada em direito imobiliário pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Aline Hack. Anotações sobre o Direito do Idoso no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20634. Acesso em: 4 dez. 2024.

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