Resumo: O presente estudo teve início ao se observar, em pesquisas jurisprudenciais corriqueiras, que o Supremo Tribunal Federal havia aprovado a Súmula Vinculante nº 24, estabelecendo a necessidade do término do procedimento fiscal para o início do regular exercício da ação penal por crimes contra a ordem tributária. Ocorre que, ainda mais recentemente, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça mitigaram, casuisticamente, o entendimento consagrado no enunciado citado, o que fez com que surgisse o interesse deste estudo. Buscou-se, então, analisar a evolução da maneira como o exercício da ação penal teria se dado no passado e como isso estaria ocorrendo na atualidade. Inicialmente, foram esclarecidos alguns conceitos penais reputados necessários para o bom entendimento da matéria, como, por exemplo, o que seriam os crimes materiais e a justa causa como condição da ação penal. Após, analisou-se o tema tanto perante a lei nº 4.729/65, quanto junto à lei nº 8.137/90. De igual modo, uma pesquisa sobre a evolução da jurisprudência e da doutrina também foi feita. Tal estudo foi produzido basicamente mediante a análise da jurisprudência, da legislação e da doutrina, todos veiculados tanto pela internet quanto através de livros. Concluiu-se que a jurisprudência, de fato, está sedimentada no sentido da exigência do esgotamento do procedimento fiscal para o regular exercício da ação penal nos crimes contra a ordem tributária, o que não impedirá, em respeito às particularidades do caso concreto e em situações específicas, que alguns procedimentos penais sejam iniciados antes da fase prévia ser finalizada.
Palavras-chave: Crimes contra a ordem tributária. Exercício da ação penal. Necessidade de exaurimento da fase administrativa. Evolução do tema.
Sumário: 1. Introdução. 1.1. Referencial teórico. 1.2. Metodologia. 2. A classificação dos crimes quanto ao resultado e a natureza jurídica específica dos tipos estabelecidos no art. 1º da Lei Federal nº 8.137/90 – dos crimes contra a ordem tributária. 2.1. Das diferentes espécies de tipos penais quanto à necessidade ou não de resultado naturalístico para a sua consumação. 2.2. O art. 1º da Lei 8.137/90 – uma visão geral deste dispositivo segundo a classificação dos delitos quanto ao resultado. 3. Da caracterização do procedimento administrativo fiscal prévio como justa causa e não como condição de procedibilidade ou causa extintiva da punibilidade. 3.1. Do conceito da justa causa. 3.2. Do prévio esgotamento da via administrativa fiscal como a própria justa causa (materialidade do crime) para a persecução penal dos delitos contra a ordem tributária. 4. Da necessidade do prévio exaurimento do procedimento administrativo fiscal como condição para a persecução penal pelos crimes material destacados na Lei nº 8.137/90 – uma visão do tema à luz de algumas recentes decisões dos tribunais superiores. 4.1. Uma breve evolução teórica do tema. 4.2. O surgimento do artigo 83 da Lei Federal nº 9.430/96 e o questionamento acerca da mitigação da independência das instâncias administrativa e penal – da consolidação da jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da exigência da constituição definitiva do crédito tributário para o início da ação penal. 4.3. Da exigência da finalização do processo administrativo tributário para a consumação dos crimes materiais contra a ordem tributária e a sua mitigação por alguns julgados dos tribunais superiores. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade estabelecer uma análise doutrinária e jurisprudencial sobre a necessidade do prévio exaurimento da via administrativa fiscal para a persecução penal dos principais tipos detalhados na lei federal nº 8.137/90 – dos crimes materiais contra a ordem tributária.
Antes de ser abordada a discussão principal, alguns conceitos de direito penal necessários ao bom entendimento do tema serão tratados, como, por exemplo: a conceituação das infrações penais quanto ao resultado, a classificação específica do art. 1º da lei federal nº 8.137/90 como um crime material e o entendimento que se tem da condição da ação justa causa.
Posteriormente, o tema do esgotamento da via administrativa será tratado, onde se estabelecerá uma breve observação do posicionamento inicialmente adotado pela doutrina no sentido da desnecessidade do prévio processo de lançamento tributário para o início da ação penal pública prevista no art. 15 da legislação acima citada.
Exemplificativamente, podemos enfatizar o que Andreas Eisele (1998, p. 192 e 193) já, há algum tempo, pontuou:
(...) o exercício da ação penal não depende da ocorrência de qualquer situação fática, que não a existência de indícios suficientes de materialidade e autoria do crime (justa causa).
Portanto, o procedimento de apuração do débito fiscal, na esfera administrativa, não constitui condição de procedibilidade da ação penal, ou pressuposto de punibilidade. E, assim, o oferecimento de denúncia dispensa esgotar a via administrativa. Esta não é pressuposto, nem condição jurídica necessária para a imputação do Ministério Público, motivo pelo qual não é possível erigir a inscrição da dívida como condição de procedibilidade do delito de sonegação fiscal, pois não é ela que constitui, eis que é preexistente e continua a existir, ainda que a dívida não seja escrita mesmo que a autoridade fiscal tenha absolvido o sonegador. (o destaque é nosso).
Destacar-se-á, após essa etapa, que a jurisprudência, a despeito da objeção existente por parte de alguns tributaristas, foi se inclinando no sentido da necessidade efetiva da existência da fase prévia evidenciada.
Tal entendimento, que será minudenciado no desenvolvimento deste trabalho, resultou inclusive na edição do enunciado da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, que ficou assim editada: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Essa linha de pensamento, desta forma, acabou por ser cristalizada no âmbito da jurisprudência nacional, sobretudo em sede de Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que, recentemente, tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o Supremo Tribunal Federal, em deferência às peculiaridades dos casos concretos que ora estavam sendo analisados, mitigaram, num pequeno grau, a premissa supra estabelecida, demonstrando que, por mais que o entendimento aqui em tela tenha restado pacificado, nada impediria que, em atenção às situações fáticas analisadas, pudesse haver alguma mitigação, tudo com a finalidade de proporcionar uma boa aplicação do direito à espécie.
1.1. Referencial teórico
O presente trabalho foi elaborado, basicamente, através de consultas a livros de Direito Tributário, Direito Penal e Direito Processual Penal.
Do primeiro ramo da ciência jurídica acima citado, utilizaram-se as obras do professor Ricardo Alexandre e do professor Hugo de Brito Machado. Já do segundo, serviram de base os livros do autor Rogério Greco e Cleber Masson e também as obras específicas de Andreas Eisele, Edmar Oliveira Andrade Filho e Napoleão Nunes Maia Filho.
Quanto ao Direito Processual Penal, o livro de Denilson Feitoza foi o utilizado.
Os artigos científicos veiculados na internet próprios da matéria de Alexandre Prado Lemos e Sérgio Valladão Ferraz, de igual modo, auxiliaram a produção desta monografia.
Por fim, na pesquisa da legislação utilizada e da jurisprudência tratada, os portais eletrônicos do planalto, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Jusbrasil foram fundamentais para o alcance do resultado final.
1.2. Metodologia
Manuais de Direito penal foram instrumentos fundamentais para que os conceitos básicos fossem apresentados, recorrendo-se a uma analise jurisprudência para exemplificar os conceitos inicialmente destacados.
O trabalho seguiu com a abordagem de do Direito Processual Penal, quando se partiu de um livro genérico (Denilson Feitoza) para outro mais específico (Napoleão Nunes Maia Filho). A jurisprudência novamente foi fundamental para demonstrar a aplicação prática da teoria.
Após este momento preliminar, algumas obras mais antigas sobre o assunto foram consultadas para que fosse encontrada a origem do assunto. Novamente as decisões judiciais serviram de ferramenta a melhor compreensão desta fase.
Seguiu-se, basicamente, com uma análise da evolução da legislação e de sua recepção pelo Poder Judiciário, finalizando-se o trabalho com a apresentação de alguns pronunciamentos específicos que mitigaram, ligeiramente, o posicionamento que atualmente se encontra pacificado.
2. A CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES QUANTO AO RESULTADO E A NATUREJA JURÍDICA ESPECÍFICA DOS TIPOS ESTABELECIDOS NO ART. 1º DA LEI FEDERAL Nº 8.137/90 – DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
2.1. Das diferentes espécies de tipos penais quanto à necessidade ou não de resultado naturalístico para a sua consumação
Para um melhor entendimento do tema que adiante será debatido, impositivo se faz que sejam esclarecidos alguns conceitos gerais de direito penal, uma vez que os crimes contra a ordem tributária nada mais são de que um ramo específico da ciência criminal.
Nessa linha de raciocínio, na primeira etapa deste trabalho será abordada a classificação dos delitos quanto à exigência ou não do resultado naturalístico para a sua consumação, para, posteriormente, serem abordados os tipos penais próprios da lei federal nº 8.137/90, indicando as características pertinentes a cada um.
Deste modo, algumas palavras sobre o significado de resultado naturalístico também se fazem necessárias.
O Decreto lei 2.848/40, oficialmente denominado de Código Penal, estabeleceu em seu artigo 13: "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido" (grifo nosso).
A doutrina, por sua vez, ao interpretar o supracitado dispositivo legal, aduz que o legislador, nesse caso, não quis se referir tão comente ao resultado jurídico, que seria a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, mas sim ao resultado naturalístico, que seria a modificação no mundo exterior produzida pela conduta do agente ou os acontecimentos, ocasionados também por essa, perceptíveis pelos sentidos humanos.
A propósito do assunto, preciosas são as palavras do professor Rogério Greco (2005, p. 239. e 240):
[...] Há crimes que possuem resultados naturalísticos, ou seja, aqueles que causam uma modificação no mundo exterior. Outros, contudo, são incapazes de produzir tal resultado porque nada modificam externamente que seja passível de percepção pelos nossos sentidos. Embora nem todos os crimes produzam um resultado naturalístico, todos, entretanto, produzem um resultado jurídico, que pode ser conceituado como a lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela lei penal.
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[...] relação de causalidade, de acordo com a redação do art. 13. do código Penal, somente se faz necessário nos crimes materiais, vale dizer, aqueles cuja conduta prevista no tipo produz um resultado naturalístico, perceptível através dos nossos sentidos.
Assim, os delitos podem ser diferentemente denominados conforme a exigência ou não da existência dessa modificação na realidade factual.
O Direito Penal agasalha, em síntese, três espécies de crimes, com base nesse critério, quais sejam: crimes materiais ou causais, crimes formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado e os crimes de mera conduta ou de simples atividade.
Os ensinamentos adiante descritos foram baseados nas lições de Cleber Masson (2010, p. 177).
Os delitos materiais ou causais são aqueles em que a lei penal prevê expressamente em suas disposições uma conduta e um resultado naturalístico. Dessa maneira, este crime apenas restará consumado quando ocorrer efetivamente a mudança no mundo exterior.
Exemplo clássico dessa espécie é o homicídio, previsto no art. 121. do Código Penal, que destaca: "Matar alguém: Pena – Reclusão, de seis a vinte anos".
Percebe-se que, para a total finalização do percurso criminoso, o falecimento da vítima é imprescindível. A consumação apenas virá com este fato.
Como adiante restará demonstrado, e inclusive consagrado em sede de jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal, é nessa categoria que se enquadram os tipos previstos no art. 1º I a IV da lei federal nº 8.137/90.
A propósito do tema, a jurisprudência nacional é rica em julgados que abordam esses conceitos. Veja-se:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA. ART. 70 DO CPP. CONSUMAÇÃO. OBTENÇÃO DA VANTAGEM INDEVIDA. CRIME MATERIAL. ORDEM DENEGADA.
1. O crime de estelionato, de natureza material, consuma-se no momento e lugar em que o agente obtém a vantagem indevida.
2. Ordem denegada.
(HC 92616 / SP; HABEAS CORPUS 2007/0243569-9; Relator(a): Ministro Arnaldo Esteves Lima; Órgão Julgador: T5 – Quinta Turma; Data do Julgamento: 15/12/2009; Data da Publicação/Fonte: DJe 01/02;2010).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTO. CRIME MATERIAL. CONSUMAÇÃO. LOCAL ONDE VERIFICADO O EFETIVO PREJUÍZO DECORRENTE DA CONDUTA.
1. Por tratar-se de crime material, o ilícito de supressão ou redução de tributo, previsto no art. 1º da Lei n.º 8.137/90, consuma-se no local onde verificado o prejuízo decorrente da conduta típica.
2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Inquéritos Policiais de Curitiba/PR.
(CC 75170 / MG, CONFLITO DE COMPETENCIA 2006/0254968-0 Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131) S3 - TERCEIRA SEÇÃO; Data do Julgamento: 12/09/2007).
Peculato na modalidade desvio (crime material). Ausência de prejuízo (caso). Tipicidade (não-ocorrência). Súmula 7 (aplicação).
1. O crime de peculato na modalidade desvio (art. 312, caput, segunda parte, do Cód. Penal) é crime material. Em outras palavras, consuma-se com o prejuízo efetivo para a administração pública.
2. Na hipótese, afirmou o acórdão recorrido inexistir tal prejuízo. Para se chegar a conclusão diversa, necessário seria o reexame vedado pela Súmula 7.
3. Agravo regimental a que se negou provimento.
(AgRg no Ag 905635 / SC, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007/0148705-3; Ministro NILSON NAVES; Órgão Julgador: T6 – Sexta Turma; Data do Julgamento: 16/09/2008).
Por outra banda, nas infrações penais formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado, o tipo prevê, de igual modo, tanto a conduta, quanto o resultado naturalístico.
Ocorre que, para a consumação do delito, apenas a ação ou omissão humana voluntária são necessárias, sendo irrelevante, assim, a modificação no mundo dos fatos. Esta, caso venha a acontecer, será considerada um mero exaurimento.
Pode-se dar o exemplo do crime de extorsão, estabelecido no art. 158, Código Penal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa".
Neste crime, não há dúvidas quanto à sua caracterização como delito formal. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, editou a súmula 96 a respeito: "O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida".
Aqui, caso a vantagem venha a existir, será considerada mero exaurimento do crime, sendo irrelevante para a consideração da completude do iter criminis.
Por fim, as infrações de mera conduta ou de simples atividade se atêm a descrever a conduta do agente criminoso, sequer chegando a prevê o resultado naturalístico. O delito de ato obsceno (CP, art. 233) pode ser citado, ilustrativamente.
Manoel Pedro Pimentel (1975, p. 64), apud Cleber Masson (2010, p. 178), com precisão, assevera: ‘"Crimes de mera conduta é aquele em que a ação ou a omissão bastam para constituir o elemento material (objetivo) da figura típica penal"’.
Interessante, sobre o assunto, destacar ainda algumas decisões dos tribunais superiores:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. ARTIGO 14 DA LEI 10.823/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, sendo que a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Precedente.
2. O objeto jurídico tutelado pelo delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 não é a incolumidade física, porque o tipo tem uma matiz supraindividual, voltado à proteção da segurança pública e da paz social. Precedente.
3. É irrelevante para a tipificação do art. 14 da Lei 10.826/03 o fato de estar a arma de fogo municiada, bastando a comprovação de que esteja em condições de funcionamento. Precedente.
4. Ordem denegada.
(HC 107447 / ES - ESPÍRITO SANTO, HABEAS CORPUS, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 10/05/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma. (grifo nosso).
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. AUSÊNCIA DE CÓPIA DA DECISÃO IMPUGNADA. APLICAÇÃO DO ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO PROCESSO PENAL MILITAR. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. Crime de mera conduta - formal e instantâneo - atribuído ao Paciente, o qual se consuma com a simples ação do agente penetrar de forma clandestina em qualquer lugar, explícita e indubitavelmente sujeito à administração castrense, onde seja defeso ou que não seja passagem regular ou, ainda, quando o agente ilude a vigilância de sentinela ou vigia (art. 302, do Código Penal Militar).
2. O trancamento da ação é medida excepcional, não sendo possível a substituição do rito ordinário da ação penal, no qual todos os elementos de convicção serão apresentados e postos à disposição das partes para eventuais questionamentos, até mesmo garantindo-se a oportunidade processual própria ao Paciente para o exercício de todos os meios de provas admitidos em direito o que não é possível de ser conferido pela via acanhada do habeas corpus, na qual não se tem a dilação própria.
3. Ordem denegada.
(HC 90977 / MG - MINAS GERAIS, HABEAS CORPUS, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 08/05/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma). (o destaque é nosso).
Desse modo, finaliza-se o presente subitem com a oportuna classificação, conceituação e exemplificação dos delitos quanto à exigência ou não do resultado naturalístico, atividades estas de fundamental importância para a perfeita compreensão dos delitos contra a ordem jurídica tributária destacados no art. 1º da lei federal nº 8.137/90.
2.2. O art. 1º da lei 8.137/90 – Uma visão geral deste dispositivo segundo a classificação dos delitos quanto ao resultado
Nesse subitem, tratar-se-á da classificação dos delitos tipificados no art. 1º da lei federal nº 8.137/90 quanto ao resultado naturalístico e se estabelecerá uma visão geral dos seus componentes.
Vale ressaltar que as idéias aqui desenvolvidas estão baseadas num artigo científico da autoria do professor Sérgio Valladão Ferraz (2011).
Deste modo, inicia-se a presente análise com a colação integral do dispositivo legal (BRASIL, 1990) ora em destaque:
Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornece?la em desacordo com a legislação.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de dez dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V. (grifo nosso).
Como notoriamente conhecido, o Estado, para a persecução das finalidades para o qual foi criado, necessita de inúmeros instrumentos, todos estes tidos por meios necessários para que o bem comum seja eficazmente alcançado.
Desta forma, dentre as inúmeras prerrogativas asseguradas pela Constituição Federal e pelo o ordenamento infraconstitucional ao Poder Público, encontram-se o poder atribuído aos entes públicos de tributar.
Por intermédio deste poder, os entes públicos conseguem arrecadar dos cidadãos contribuintes os recursos financeiros exigidos para a prestação dos serviços públicos que são inerentes ao moderno conceito de Estado, qual seja, o Estado do Bem Estar Social.
Percebe-se, assim, a importância que possui o Direito Tributário para o regular funcionamento de qualquer agrupamento humano.
Corroborando essas informações, cabe destacar o que assevera o art. 37, XXII da Constituição Federal (BRASIL, 1988):
XXII – as administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (o destaque é nosso).
Nesse sentido, o legislador pátrio aprovou a lei federal nº 8.137/90, criminalizando alguns ilícitos tributários, colocando-os sob a proteção do Direito Penal.
Isto aconteceu, pois, estes comportamentos, atingem de forma tão grave o bem jurídico ordem tributária que o parlamento nacional, atento aos princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, resolveu atribuir-lhes uma reprimenda maior.
Assim, tem-se que os interesses difusos e transindividuais de toda uma comunidade são tutelados por este diploma legal, uma vez que, ao sonegar, deixa o contribuinte de entregar ao Estado os recursos necessários para a prestação dos serviços exigidos pela nação.
É, pois, o povo ou a comunidade, entendendo-se estes no sentido mais amplo e humano possível, o sujeito passivo principal destes crimes, localizando-se o Estado, detentor da capacidade de tributar, e o particular especificamente prejudicado como sujeitos passivos secundários.
Nestes termos, observa-se que o art. 1º da lei em comento possui cinco incisos, significando isto que todas estas partes da norma devem ser interpretadas segundo o caput do dispositivo.
É nesse sentido que foram criminalizadas, através dos incisos, cinco formas de se "suprimir" ou "reduzir" um tributo, contribuição social ou qualquer acessório destes.
Por mais que a súmula vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2009) induza ao entendimento de que apenas as condutas tipificadas nos incisos I a IV do art. 1º da supramencionada lei seriam crimes materiais, o comportamento previsto no V também o é.
Ora, segundo o entendimento aqui mesmo deduzido, não é a mera conduta ou simples atividade de:
Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. (grifo nosso).
Que caracteriza o crime previsto no art. 1º, V da lei nº 8.137/90, mas sim, interpretando-se conjuntamente o art. 1º e o inciso V, suprimir ou reduzir o tributo devido mediante uma das condutas ali delineadas.
Apesar de o enunciado vinculante acima destacado não incluir o inciso V, o precedente que deu origem a esta súmula não da margem a outro entendimento a não ser o de que todos os comportamentos previstos no art. 1º caracterizam crime material. Veja-se a ementa do HC 81.611-8-DF, julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.
1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado –, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo do tipo.
2. Por outro lado, admitida por Lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe proporciona para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.
3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.
(HC 81611 / DF - DISTRITO FEDERAL; Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; Julgamento: 10/12/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno) (grifo nosso).
Deste modo, outro entendimento não pode prevalecer sobre o de que todos os delitos previstos no art. 1º da lei caracterizadora dos crimes contra a ordem tributária são materiais, ou seja, dependem do resultado naturalístico para que estejam consumados.