CONCLUSÃO
A partir das noções e dos conceitos expostos e através duma análise da normativa e jurisprudência internacionais, pode-se afirmar que a soberania do Estado é uma expressão jurídica de sua independência. A partir dela, os Estados adquirem direitos fundamentais que têm base no direito primordial do Estado de existir e continuar existindo. Um dos mais essenciais é sem dúvida o direito à liberdade.
O direito à liberdade possui um duplo aspecto: o primeiro corresponde ao poder supremo que tem o Estado de determinar e aplicar, em seu território, o direito, enquanto o segundo relaciona-se com a projeção da personalidade jurídica do Estado na comunidade internacional e corresponde ao livre exercício de suas prerrogativas internacionais.
Analisando a estrutura da Internet e seu funcionamento, e, relacionando estas informações com o conceito de soberania, descobriu-se que um dos direitos decorrentes da soberania é direito do Estado desenvolver, sem qualquer interferência, um sistema de informação nacional, compreendida como o conjunto de todos os equipamentos necessários ao efetivo uso de mídias de informação de modo a promover seus interesse e aspirações políticas, sociais, econômicas e culturais do Estado.
Verificou-se, também, que é do Estado a prerrogativa de gerenciar a sua própria "rede de informação" e decidir como esta se conectará com as demais redes fora de seu território e adequar os elementos de sua rede nacional de informação a sua própria realidade social, cultural, política e econômica de acordo com as normas de seu ordenamento jurídico. A regulação da "rede nacional de informação", e todos os elementos que a compõem, está sob a jurisdição do Estado.
A existência de direitos fundamentais do Estado pressupõe a existência de deveres da sociedade internacional. A soberania, expressão jurídica da independência do Estado, corresponde, portanto, ao dever da comunidade internacional de respeito a esta independência. Este dever é o princípio da não intervenção, um princípio fundamental do direito internacional e uma norma cogente direcionada a todos os membros da sociedade internacional.
Isto posto, pôde-se deduzir que uma intervenção através da Internet é capaz de violar o direto à liberdade de desenvolvimento do sistema de informação de um Estado, como também pode violar a soberania em geral e outros direitos dela decorrentes. Levantaram-se, inclusive, algumas hipóteses de formas de intervenção perpetradas através da Internet.
Revelou-se, também, que o ato da empresa multinacional que atenta contra a soberania estatal, apesar de constituir ilícito internacional, não constitui suporte fático para a incidência da responsabilidade no âmbito internacional, pois esta é um instituto de direito internacional direcionado apenas aos sujeitos de direito internacionais formais. Além disso, expôs-se que a soberania do Estado sob cuja jurisdição uma empresa internacional se encontre pode servir como proteção a uma sanção internacional, considerando o atual estágio do direito internacional.
No entanto, observou-se que a doutrina internacional fala em responsabilidade internacional originada por atos ilícitos de particulares. Nestes casos, a responsabilidade do Estado não resulta diretamente dos atos dos indivíduos, mas da atitude do próprio Estado, ou seja, da inexecução, por este, de obrigações que o direito internacional lhe impõe.
Atentando para o fato que a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 36/103 de 1981 adiciona ao princípio da não intervenção o dever do Estado de assegurar que seu território não seja usado de nenhuma maneira para a violação da soberania de outro Estado, deduziu-se a possibilidade de responsabilizar o Estado de cujo território originaram-se atos internacionalmente danosos perpetrados através da Internet.
Considerando que o ato de uma empresa multinacional violando a soberania de um Estado constitui um ato ilícito, que este ato ilícito por si só causa um dano e que o Estado, sob cuja jurisdição esta empresa se encontra, não tomou as medidas preventivas e punitivas determinadas pelo direito internacional, conclui-se que a este Estado poderia ser imputada a responsabilidade por este ato ilícito.
A segunda hipótese levantada, conforme a qual os Estados sob cuja jurisdição as empresas multinacionais se encontram deveriam ser responsabilizados por danos causados por estas, foi parcialmente confirmada, enquanto restou refutada a primeira hipótese levantada, segundo a qual são as próprias empresas multinacionais que devem ser internacionalmente responsabilizadas por seus atos.
Visto isto, e dada a gravidade dos danos que podem ser causados através de meios digitais, reafirma-se a pertinência do estudo da relação do direito internacional com as novas formas de organização sociais, os novos meios de comunicação e a Internet. A doutrina internacional brasileira é carente no que diz respeito ao estudo específico sobre a relação das tecnologias das comunicações com o direito internacional público.
Da relação entre o direito internacional e a Internet é frutífera de temas e diversas problemáticas interessantes podem surgir desta relação. Pode-se citar, como exemplo de questões que permanecem em aberto, a análise da responsabilidade internacional dos Estados quando o dano à soberania é causado por eles mesmo através da Internet, ou ainda, se da relação de coordenação entre empresa sede e empresa subsidiária poder-se-ia fazer incidir o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar a empresa sede por danos causados por uma empresa subsidiária.
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