RESUMO: O presente artigo busca analisar a possibilidade da Administração Pública deixar de deflagrar procedimento administrativo disciplinar na hipótese de ser detectada a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo-se ponderar, à luz dos princípios da eficiência e razoabilidade, a utilidade da instauração em cada caso, considerando a ineficácia dos efeitos práticos de apuração cuja penalidade já se encontra fulminada pela prescrição.
Palavras-chave: regime disciplinar; prescrição em perspectiva; discricionariedade administrativa; enunciado CGU; princípio da eficiência.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Do Instituto da Prescrição no Regime Administrativo Disciplinar – 2.1. Do Dever de Apuração da Administração – 2.2. Da Prescrição Disciplinar – 2.3. Prescrição em Perspectiva e Prescrição Intercorrente – 3. Da discricionariedade Administrativa na Prescrição em Perspectiva – 3.1. Da Correta Interpretação do Art. 170 da Lei Nº 8112/90 – 3.2. Da Eficiência na Administração Pública – 3.3. Do Recente Enunciado Nº 4 da CGU – 3.4. Da Responsabilização em caso de Prescrição – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A busca pela eficiência na gestão publica é exigência cada vez mais crescente nos dias atuais. Nesse contexto, inclui-se o dever da Administração de proceder à célere apuração sempre que se deparar com indícios de eventuais infrações disciplinares.
Contudo, dentro da realidade do serviço público, principalmente nas unidades mais descentralizadas e afastadas do poder central, não é raro se observar casos em que há certa dificuldade da autoridade publica promover rápida apuração de infrações disciplinares, seja pela especialidade típica da matéria, seja pela qualificação exigida para a condução do procedimento.
Há situações extremas, inclusive, em que ocorre a prescrição do direito de punir o servidor, antes mesmo de ser instaurado o processo disciplinar, em decorrência da inércia da Administração em promover o devido procedimento. Nesse caso, sem prejuízo da responsabilização a quem deu causa a prescrição, questiona-se a efetividade da abertura de processo disciplinar para eventual aplicação de pena que já se sabe estar prescrita.
Se é dever da gestão eficiente proceder diligentemente a célere apuração de infração disciplinar, também parece ser dever da gestão eficiente, pela mesma decorrencia lógica, não instaurar procedimentos inúteis ou sem qualquer eficácia pratica. A decisão de instaurar ou não um processo cuja penalidade, em tese, já teria sido alcançada pela prescrição é, contudo, controversa.
Para a discussao do presente tema, inicialmente são tecidas breves considerações a respeito da prescrição disciplinar, expondo os principais conceitos envolvidos no instituto. Após, comentaremos a discricionariedade administrativa à luz do principio da eficiência, bem como a possibilidade de aplicação da prescrição em perspectiva na esfera disciplinar. Por fim, concluiremos dispondo sobre o recente posicionamento do órgão central do sistema de correição brasileiro, como importante avanço para a solução da questão.
2. DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO NO REGIME ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
2.1. DO DEVER DE APURAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
Conforme se extrai do estatuto dos servidores públicos federais (Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990), a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar.
Nesses termos, revela o art. 143 da Lei nº 8.112/90:
Lei nº 8.112/90 - Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
Daí se conclui ser compulsória a apuração de eventuais infrações no serviço público, constituindo-se em poder-dever do qual a autoridade administrativa não pode esquivar-se.
“O exercício do poder disciplinar em relação aos servidores públicos federais se insere no âmbito das atividades vinculadas: verificado o cometimento de infração, deve ser instaurado o devido processo disciplinar; comprovado por meio do processo disciplinar o cometimento da infração, deve ser aplicada a sanção; sendo, ademais, indicada a pena a ser aplicada em razão da infração praticada.” (FURTADO, 2009)
Aliás, o dever de apuração da Administração, quando ciente de indício de irregularidade, não se justifica tão somente para fins de eventual responsabilização disciplinar, mais também é o processo disciplinar a instância que visa esclarecer a verdade material, sendo direito do bom servidor a apuração que retire dúvida quanto à sua inocência.
2.2. DA PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR
O dever de apuração da Administração não se encerra na abertura do devido procedimento disciplinar, mas igualmente é seu dever a celeridade para a instauração, pois em caso de morosidade excessiva é possível vir a ocorrer o fenômeno da prescrição.
De fato, o próprio art. 143 da Lei nº 8.112/90 determina que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço publico, é obrigada a promover a sua apuração imediata. O mesmo comando que determina o dever de apuração, também ordena que a apuração seja imediata. Caso assim não se proceda, fatalmente a ação punitiva poderá ser fulminada pela prescrição.
Especificamente no regime de direito disiciplinar, o instituto da prescrição acarreta a extinção da punibilidade do servidor. Daí se conclui que a prescrição disciplinar objetiva punir a inércia da Administração que, embora sabendo de possível infração administrativa, não diligencia na exigida apuração, apesar de já ter elementos para fazê-lo.
Por outro lado, por ser de ordem pública [1], a prescrição, uma vez configurada, deve ser reconhecida pela Administração. Logo, mesmo que o servidor não alegue prescrição em matéria de defesa, deve autoridade julgadora declará-la de oficio, pois ocorrendo a prescrição, vincula-se a Administração, nos termos do art. 112 da Lei nº. 8.112/90, in verbis:
Lei nº 8.112/90 - Art. 112. A prescrição é de ordem pública, não podendo ser relevada pela administração.
Nesse sentido, a despeito da obrigatoriedade de apuração disciplinar da administração, o art. 142 da Lei nº 8.112/90 vem dispor sobre os prazos de prescrição da Administração para fins de aplicação de pena ao servidor infrator, obstando-se que se perpetue o poder punitivo do Estado, nos termos a seguir:
Lei nº 8.112/90 - Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
Vale ressaltar que os prazos acima previsto começam a correr da data do conhecimento do fato pela Administração. Conforme estabelece o art. 142, § 1º, da Lei nº. 8.112/90, o cômputo do prazo prescricional não se inicia da data do cometimento do fato supostamente irregular, mas sim da data em que ele se tornou conhecido [2]:
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 142.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
De fato, a prescrição não penaliza a administração por inércia quando ela não tinha condições de promover a apuração, uma vez que ainda não sabia da ocorrência do fatos, mas somente a partir do conhecimento deste. E ainda, para fins de inicio de contagem do prazo prescricional, deve tal ciência dar-se pela autoridade competente para instaurar o processo disciplinar [3], não considerando qualquer servidor, mas é preciso que o fato se torne conhecido por quem possui competência na via hierárquica para deflagrar o procedimento disciplinar.
Uma vez ultrapassado o prazo e prescrita a aplicação da pena antes da instauração do processo administrativo disciplinar, a administração não mais possui direito de agir para responsabilizar o servidor. Opera-se, então, a prescrição do direito da administração de punir o servidor supostamente infrator. Esta, portanto, é a chamada prescrição do direito de punir, em virtude da inércia do ente público.
Havendo, contudo, abertura tempestiva do processo disciplinar, em obediência aos prazos constantes no supracitado art. 142 da Lei nº. 8.112/90, o prazo prescricional é interrompido pela sua instauração válida [4], assim permanecendo até o prazo legal para a decisão pela autoridade julgadora.
Lei nº 8.112/90 - Art. 142.
§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
Vale notar que, interrompida a prescrição, é zerada a contagem do respectivo prazo, mas não por tempo indefinido, daí porque, mesmo na hipótese de ter sido instaurado validamente o processo disciplinar, ainda pode ocorrer a prescrição no curso do procedimento.
Isto é, nos casos em que apesar da instauração tempestiva do processo administrativo, há demora excessiva na prolação da decisão final pelo ente público, é possível o reconhecimento da prescrição. Nesse caso, agora, ocorre a chamada prescrição da pretensão punitiva, em virtude da morosidade do ente público.
Na verdade, a interrupção zera a contagem da prescrição, mas a mantém assim somente até o prazo definido em lei para julgamento tempestivo [5], independente deste ter sido, de fato, proferido ou não. Sendo o referido prazo ultrapassado, encerra-se a interrupção do prazo prescricional, reiniciando novamente a contagem, nos termos do art. 142, §4º, da Lei nº. 8.112/90.
Lei nº 8.112/90 - Art. 142.
§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
A partir daí, como a interrupção havia “zerado” a contagem ocorrida desde o conhecimento do fato até a instauração, reinicia-se por inteiro a contagem do prazo prescricional, após o prazo legal para o julgamento tempestivo do feito, aplicando-se novamente os prazos do art. 142 da Lei nº. 8112/90. Veja-se renomada lição doutrinária:
“Vê-se, assim, a instituição de uma fórmula anômala de interrupção da prescrição, uma vez que a causa interruptiva (abertura de sindicância ou do processo disciplinar), ao mesmo tempo que corta, suspende até decisão final o prazo prescricional que vinha se projetando. Fosse uma causa interruptiva simples, o mesmo dia da interrupção descortinaria o início de um novo prazo de prescrição. No caso positivo (art. 142, § 3º, da Lei nº 8.112/90), tais circunstâncias, interrompendo e suspendendo ao mesmo tempo, somente admitem a iniciação de um novo prazo prescricional a partir da ‘decisão final proferida por autoridade competente’. Vale destacar que tal decisão deverá ocorrer nos prazos legalmente deferidos pela lei para a conclusão da sindicância, que é de 80 dias. E para processo disciplinar, que é de 140 dias, conforme arts. 145, parágrafo único, 152 e 167 da Lei nº 8.112/90, respectivamente.” (COSTA, 2004)
Caso venham a ocorram prorrogações e designação de novas comissões na instrução processual, a interrupção do prazo não mais volta a ocorrer no curso do processo. De fato, no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública, é comum a instrução processual demandar maior tempo, sendo necessário a efetivação de sucessivas prorrogações para a ultimação dos trabalhos.
Contudo, a interrupção do prazo prescricional dá-se uma única vez, dai porque é igualmente importante que a Administração confira celeridade não apenas na instauração do procedimento disciplinar, mas também na instrução e julgamento, evitando-se, com isso, que ocorra a prescrição, seja antes da instauração, seja no decorer do processo.
2.3. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA E PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
Do que se expôs, vê-se que há, portanto, dois momentos distintos para eventual ocorrência de prescrição no curso do processo disciplinar.
Na primeira hipótese, chamada prescrição do direito de punir, a administração perde o direito de punir o infrator porque, apesar de já saber acerca de suposta irregularidade, não impulsiona em tempo a apuração, nos termos do art. 142 da Lei nº. 8112/90.
Nesse caso, pode-se, inclusive, conseguir verificar antecipadamente, em certas circunstâncias, se a ação punitiva do ente público está ou não fulminada pela prescrição, bastando-se observar, via de regra, se a data em que o fato se tornou conhecido é anterior ao prazo máximo legal para o exercício do poder disciplinar estatal.
Quando já detectada a prescrição antes de ser deflagrado o processo disciplinar, é possível vislumbrar o conceito da prescrição disciplinar em perspectiva, que se trata de trazer para o presente uma projeção futura, identificando, desde logo, eventual extinção de punibilidade em decorrência da instauração intempestiva da ação disciplinar.
Já na segunda hipótese, chamada prescrição da pretensão punitiva, a administração perde o direito de punir em virtude de não proceder de forma célere e eficiente na devida apuração. Aqui, o processo disciplinar chegou a ser instaurado, mas por demora excessiva na sua condução, opera-se a prescrição. Ou seja, o fato de a administração ter instaurado validamente o processo administrativo disciplinar de forma tempestiva afasta apenas a primeira forma de ocorrência de prescrição.
Nesse caso, fala-se em prescrição intercorrente, sendo aquela que ocorre no decorrer do processo, em decorrência da morosidade do ente público, seja para concluir a instrução processual, seja para proceder ao julgamento, ou ainda, seja para aplicar a pena ao servidor.
Enquanto na prescrição do direito de punir o reconhecimento prévio da extinção da punibilidade decorre efetivamente da inércia da administração, na prescrição da pretensão punitiva, por sua vez, a extinção da punibilidade não mais se deve à absoluta negligência do ente público. De fato, a administração até chega a se movimentar no sentido de instaurar o feito disciplinar, contudo, devido à ineficiência na realização do procedimento apuratório, fica prejudicada a sua pretensão punitiva.
Vale ressaltar que, embora a prescrição intercorrente não decorra de previsão literal do texto da Lei nº. 8.112/90, ao contrário do que ocorre com a prescrição decorrente da inércia da administração para a instauração do apuratório, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em reconhecer igualmente a sua existência [6]. Não se pode imaginar que o processo possa ter duração ad eterna após a instauração, o contrário resultaria em afronta direta ao princípio da razoável duração do processo, incluído pela EC nº. 45/2004.
3. DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA NA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA
3.1. DA CORRETA INTERPRETAÇÃO DO ART. 170 DA LEI Nº 8112/90
Conforme se extrai do art. 170 da Lei nº 8112/90, o dever de se concluir a apuração do fato não é atingido pela extinção da punibilidade. Veja-se, nesse sentido, o teor do referido dispositivo:
Lei nº 8.112/90 - Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
Assim, pela análise literal do texto, retira-se que, em caso de se reconhecer a ocorrência da prescrição, com a conseqüente extinção da punibilidade, não por isso deve a administração deixar de concluir a apuração, com a obrigação de registrar seu desfecho nos assentamentos individuais do servidor.
A questão é: esse comando extraído do art. 170 da Lei nº 8112/90, aplica-se nos dois possíveis momentos processuais de ocorrência da prescrição? Isto é, tanto na prescrição do direito de punir como na prescrição da pretensão punitiva, há a necessidade de continuar a apuração para fins de registro do fato nos assentamentos do servidor?
No caso da prescrição intercorrente, não parece haver qualquer dúvida. Nessa hipótese, estando a Administração já no curso do procedimento disciplinar, não cabe nenhuma análise discricionária, pois por expressa determinação legal, há a determinação da necessidade de se concluir a apuração, com o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
A dúvida, portanto, trava-se quando a Administração nem chegou a instaurar ainda o devido processo disciplinar. Nesse caso, seria necessário, mesmo extinta a punibilidade antes do início do procedimento, proceder-se à instauração para que haja o registro do fato nos assentamentos do servidor, ou é possível a aplicação no âmbito do direito disciplinar do conceito de prescrição em perspectiva?
Na verdade, parece ser somente para a hipótese de prescrição da pretnsão punitiva que se aplica o art. 170 da Lei 8112/90 de forma obrigatória, não havendo de ser aplicável na hipótese de prescrição do direito de punir.
Não parece razoável exigir-se, pois, que em caso de extinta a punibilidade antes mesmo da instauração do apuratório, dê-se prosseguimento ao feito tão somente para o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor. Seria um verdadeiro disparate concluir que restaria tal obrigação.
Na verdade, é compreensível o registro nos assentamentos funcionais na hipótese da prescrição intercorrente, pois aqui chegou a ficar configurado o ilícito administrativo, contudo, a administração apenas deixa de aplicar a pena por causa da ocorrência da prescrição. A contrário senso, parece afronta ao princípio da razoabilidade imaginar ser possível registro nos assentamentos funcionais, se o fato não pode mais ser apurado, por força da prescrição do direito de punir.
Portanto, apesar de a lei não fazer distinção, a correta exegese do art. 170 da Lei 8112/90, com apoio da doutrina e jurisprudência pátrias, aponta para a obrigatoriedade de sua aplicação apenas para o caso de prescrição da pretensão punitiva, assim entendendo-se aquela que ocorre no curso da apuração. Não incide, todavia, o citado dispositivo legal, no caso de prescrição do direito de punir, quando já ocorre a extinção da punibilidade antes mesmo da instauração do procedimento disciplinar.
3.2. DA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como já visto alhures, conceitualmente o processo disciplinar não visa punir, mas esclarecer a verdade material. Em outros termos, não é objetivo da apuração disciplinar a aplicação de penalidade ao servidor, sendo esta mera consequência em caso de estar configurado o ilícito administrativo. A real intenção, enfim, é o esclarecimento dos fatos.
Por isso, podemos concluir que, em lições doutrinárias, eventual prescrição não afastaria o dever legal da apuração pela Administração. Logo, em tese, ainda que a instauração se dê com o prazo prescricional vencido, nada impede que se proceda a apuracao disciplinar, mesmo que esta seja ineficaz do ponto de vista da impossibilidade de eventual aplicação da pena.
Porém, não devemos esquecer que, uma vez prescrita a ação disciplinar, a administração não mais detém direito de agir para responsabilizar o servidor, restando prejudicada a efetividade do processo. Daí, é evidente que se faz necessário invocar também do princípio da eficiência, mandamento constitucional que se reveste de carater obrigatório, sobretudo no modelo contemporâneo de gestao administrativa.
Não basta a legalidade se não houver eficiência, pois um ato pode ser legal, mas extremamente lesivo aos cofres públicos, ante sua incapacidade de gerar efeitos práticos. O princípio da eficiência tem por objetivo, então, impor à Administração a realização das finalidades públicas de maneira produtiva, em consonância com os demais valores previstos no ordenamento jurídico. Nesse sentido, nos ensina a doutrina:
“O princípio apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar , estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público” (DI PIETRO, 2006).
Nesse sentido, não restam dúvidas de que a prescrição da ação disciplinar, com a conseqüente perda do direito de punir o servidor infrator pela administração, obviamente atrai a incidência do 52 da Lei nº 9.784/99 [7].
Lei nº 9.784/99 - Art. 52. O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente.
É bem verdade que o processo não se justifica somente como instrumento para aplicação de pena, assim também como é direito do bom servidor a apuração que declare sua inocência, todavia, não podemos ignorar que seria equivocado seria mover a máquina estatal no sentido de apurar eventual falta disciplinar que já sabe prescrita, senão quando a gravidade do caso concreto eventualmente exigir tal medida.
Ora, se a Administração perdeu o direito punitivo disciplinar, de que valerá a realização de despesas, dedicação de tempo e mobilização de recursos humanos no sentido de ser instaurado procedimento disciplinar para, só ao seu final, ainda que seja porventura constatado ilícito disciplinar, fique evidenciado que o respectivo procedimento não poderá gerar efeitos práticos? A nosso ver, seria desproporcional tal proposta, em afronta direta aos princípios constitucionais da eficiência, além de outros, como os princípios da razoabilidade, do interesse publico, e da economia processual, daí porque não vislumbramos a necessidade de tal medida.
Vale ressaltar que a aplicação do referido entendimento deve guardar maior cautela para hipóteses, em tese, de penalidade de advertência ou suspensão. Primeiro, porque nestes casos o reconhecimento da prescrição antes de instaurado o apuratório pode incidir em pré-julgamento, o que já se sabe ser de todo abominado. Segundo, porque no curso da apuração pode vir à tona elementos hábeis a configurar ilícitos mais graves, a princípio não identificados, podendo ser possível a pena de demissão, com prazo prescricional maior.
Na verdade, a desnecessidade de instauração de procedimento disciplinar apenas ocorre quando observada ineficácia de medida discipinar máxima, na análise de cada caso in concreto. Se o procedimento é ineficaz para o maior, também o será para o menor, mas a recíproca não é verdadeira. Logo, defende-se a não deflagração de procedimento disciplinar apenas quando a administração tiver perdido o seu poder punitivo por completo, ante a ocorrência de prescrição em relação à pena disciplinar expulsiva.
Da mesma forma, também exige cautela extrema hipóteses em que constarem outros servidores envolvidos com possibilidade de diferentes tipificações, ou ainda, se o fato gerar repercussão criminal, com a prescrição dada pela lei penal, nos termos do art. 142, §2º, da Lei nº 8112/90 [8]. Portanto, não há como se adotar postura genérica, sendo necessária a analise pontual de cada caso.
3.3. DO RECENTE ENUNCIADO Nº 4 DA CGU
Não há comando normativo presente na Lei nº. 8112/90, ou em outro dispositivo legal, que possibilite a Administração, em caso de prescrição anterior à instauração de processo disciplinar, deixar de proceder a abertura da apuração.
Tal entendimento, como se viu, somente pode ser extraído a partir de uma interpretação sistemática, coordenando a lei com todo o ordenamento jurídico, na sua condição de totalidade axiológica, notadamente em relação aos seus princípios, dentre os quais se insere o princípio da eficiência na administração pública.
Nessa espeque, merece destaque recente posicionamento da Controladoria-Geral da União, expresso no seu Enunciado nº 4, que veio suprir a lacuna legal, corroborando com os argumentos até agora expostos. Vejamos o que diz o referido Enunciado:
Enunciado CGU nº 4. Prescrição. Instauração. A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso.
Trata-se, na verdade, de flexibilização do dever imposto à autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar. A partir do presente Enunciado, abre-se possibilidade para que não seja deflagrado processo disciplinar se, em sede de juízo preliminar à instauração, verifique-se a ocorrência da prescrição, com a consequente extinção da punibilidade. Nesse caso, a autoridade administrativa fica autorizada a ponderar a utilidade e a importância de eventual instauração, considerando as peculiaridades do caso concreto, devendo fazê-lo motivadamente.
Esse era o posicionamento que há tempos vínhamos defendendo e que, agora, revela-se sensível aos olhos do órgão central do sistema de correição, sendo um grande avanço no sentido de que essa tese seja, de fato, posta em utilização. O intuito é adequar as práticas dos agentes públicos ao direito administrativo contemporâneo, que exige a eficiência na gestão e o combate ao desperdício dos recursos públicos.
Ressalte-se que o Decreto nº 5.480/05, que dispõe sobre o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, estabelece, no seu art. 2º, I, que integra o Sistema de Correição a Controladoria-Geral da União, como Órgão Central do Sistema, dispondo o mesmo instrumento normativo, logo em seqüência, no seu art. 4º, I, que compete ao Órgão Central do Sistema definir, padronizar, sistematizar e normatizar, mediante a edição de enunciados e instruções, os procedimentos atinentes às atividades de correição.
3.4. DA RESPONSABILIZAÇÃO EM CASO PRESCRIÇÃO
Com a utilização prática do referido Enunciado nº. 4 da CGU, poderia-se cogitar que ficaria cômodo ao gestor público, quando não quiser apurar eventual falta disciplinar, adotar conduta de deixar o tempo passar até vir à tona a prescrição, quando então, valendo-se do supracitado Enunciado, optaria por não deflagrar o procedimento disciplinar.
Não há, contudo, como isso ocorrer, pois uma vez prescrita a ação disciplinar, a apuração volta-se para quem a ocasionou, o que significa dizer que o gestor público que tiver aquele pensamento ardiloso e equivocado, atrairá para si responsabilidade que antes não era sua.
Ora, de um jeito ou de outro, se a autoridade administrativa deixou transcorrer o prazo prescricional antes de instaurar o processo discilinar, a pena não poderá mais ser aplicada ao infrator, ainda que se instaure o devido procedimento, eis que já houve a extinção da punibilidade em decorrência da prescrição. Logo, se houve ou não culpa, ou até dolo, por parte da autoridade administrativa na ocorrência da prescrição, é preciso verificar, objetivamente, que isso em nada muda o resultado prático de eventual instauração disciplinar tardia, em todo caso prejudicada pela extinção da puniblidade já ocorrida.
Contudo, no exato momento em que a ação disciplinar torna-se inoperante e a punibilidade do ilícito administrativo é fulminada pela prescrição, surge, neste instante, nova infração disciplinar, qual seja: a conduta da autoridade que dá causa à prescrição. Agora, este se torna o novo objeto da causa.
Se por um lado parece rigor formalista excessivo instaurar procedimento disciplinar em situação que já se sabe prescrita, por outro lado, é dever perseguir a causa que originou a prescrição. Ocorrida a prescrição, deverá ser responsabilizado quem a deu causa, nos termos do parágrafo 2º do art. 169:
Lei nº 8.112/90 - Art. 169.
§ 2º A autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, § 2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV.
Portanto, o que se defende não é o simples reconhecimento da desnecessidade de abertura de ação discplinar que se sabe já estar prescrita, mas como esta já perdeu seu objeto inicial, não faz mais sentido, do ponto de vista da eficiência, a sua instauração tardia, devedo-se voltar o foco, agora, para a responsabilização de quem ocasionou a prescrição, tornado-se este o novo objeto da apuração.