6. CONCLUSÕES
Admitindo-se que a Constituição Federal de 1988 é a norma cogente superior vigente no ordenamento jurídico brasileiro é que se sustenta que instituições e administradores públicos estão compelidos a atuar na concretização dos direitos dos cidadãos, notadamente os reconhecidos como fundamentais. Tendo em vista que as inversões públicas possuem limitações orçamentárias, a Constituição fixa para toda a administração pública o respeito ao princípio da eficiência. Desse modo, os órgãos responsáveis pela segurança pública necessitam de adequados e suficientes recursos humanos e materiais para a satisfatória prevenção e repressão da criminalidade, a fim de evitar que o próprio Estado brasileiro viole sua Constituição, especificamente os artigos 37 e 144.
Embora não se possa olvidar que sempre existirá uma limitação orçamentária para qualquer atividade estatal, caso haja uma insuficiência de recursos que comprometa o exercício de direitos essenciais ao equânime convívio humano, tal insuficiência deve ser comprovada e não apenas alegada, como é recorrente no discurso político pátrio. Por isso se entende inaceitável que a não obediência aos ditames constitucionais se dê pela simples alegação governamental de que não há uma conjuntura econômica favorável e, exatamente por ser a segurança um direito realizador de outros direitos fundamentais, sua prestação insatisfatória representaria a permissão do Estado para que os direitos constitucionais fundamentais à vida, à liberdade e à propriedade de seus cidadãos sejam indevidamente (inconstitucionalmente) expostos a riscos desnecessários.
A Constituição delega à lei complementar a regulamentação da limitação ao poder de tributar, entretanto, como não há lei complementar que se manifeste contra a possibilidade da instituição de imposto ou taxa para manutenção da segurança pública, é juridicamente lícito que o governo federal, caso ele reconheça a real importância da pacificação social para o seu desenvolvimento, vincule uma parcela do seu orçamento em favor da segurança pública.
Dentre os direitos sociais de maior repercussão política e social está a segurança, ao lado dos direitos à saúde e à educação. Contudo, o direito à segurança é o único dos três que não possui qualquer garantia orçamentária constitucional. De tal sorte, embora a educação e a saúde já possuam uma proteção nesse sentido, a situação delas é calamitosa, o que leva a imaginar o quão pior seria se essas áreas não dispusessem desse mínimo orçamentário para investimento. Frisa-se que, mesmo se constitucionalizando o dever da União de investir uma parte de seu orçamento na segurança pública, não se resolverá o complexo problema que a criminalidade atual representa, mas autorizaria que se exigisse dos gestores públicos um melhor desempenho na execução desse serviço.
Percebe-se que o intuito do Estado brasileiro tem sido direcionado na responsabilização do administrador público que se exceder no gasto das verbas públicas (cita-se a Lei de Responsabilidade Fiscal), todavia, o mesmo rigor não se inflige ao gestor público que não investe o mínimo legalmente exigido em benefício daqueles que lhe remuneram. As manifestas aspirações políticas que operam no Brasil podem ser confirmadas com a E.C. nº 56/2007, que aprovou a desvinculação de 20% dos impostos arrecadados pela União, evidenciando-se que no Brasil os interesses estatais têm preponderado sobre os humanos.
Visto que já foram apresentadas propostas vinculativas de uma parcela do orçamento federal para a segurança pública, como a E.C. nº 502/2010, que impõe que a União invista no mínimo 6% de seu orçamento por um período de 10 anos e a E.C. nº 21/2005, que foi arquivada e que propunha vincular 5% da receita dos impostos da União à segurança pública. Isso demonstra que é mínima a vontade política voltada à proteção constitucional do direito à segurança. Porém, independente do percentual ou do período durante o qual seria investido, o óbvio é que qualquer proposta nesse sentido contribuiria com a segurança dos cidadãos, pois, o intolerável é o que se passa com a saúde pública, pois, mesmo contando com expressa constitucionalização do dever da União de aplicar um quantum mínimo de seu orçamento, aguarda há mais de 10 anos a regulamentação desse percentual.
Por sua vez, aceitando-se a vigência do princípio da não supremacia valorativa entre direitos fundamentais no sistema constitucional nacional, argumenta-se a favor da razoabilidade da instituição, para fins de preservação da vida humana, da obrigação da União de investir em segurança pública o mesmo percentual orçamentário que os estados federados devem aplicar em saúde. Tal posicionamento se plausibiliza porque em muitas situações a falta de segurança pública prejudica a saúde física dos indivíduos e financeira do Estado, como ocorre pela falta de segurança viária, que tem levado milhares de pessoas à morte e, ainda, ajudado a sobrecarregar as despesas públicas com hospitais e benefícios previdenciários.
Portanto, em razão da importância que a segurança pública representa para o progresso social, principalmente porque sua ineficiência reflete direta e negativamente no direito à saúde dos cidadãos, é que se entende justo atribuir a União a obrigação de aplicar na área da segurança pública um percentual mínimo de 12% do que arrecadar com impostos. Além disso, sustentando-se a prevalência do princípio da isonomia na promoção de direitos, o fato da União poder intervir nos estados federados caso eles não apliquem em saúde o mínimo de 12% dos seus impostos (e os estados nada poderem fazer frente à inércia federal), reforça-se a justiça da idéia de impelir que o governo federal aplique na segurança pública semelhante percentual que os estados devem empenhar na saúde pública. Acrescenta-se que, na tentativa de evitar qualquer retrocesso em políticas sociais públicas, quando for editada a lei complementar definidora do percentual que a União deverá investir em saúde, semelhante índice deverá ser vinculado à segurança pública.
E, a fim de valorizar e fazer cumprir os mandamentos constitucionais, só resta aumentar a responsabilidade, inclusive penal, dos gestores da coisa pública caso eles não promovam as mínimas inversões orçamentárias constitucionalmente impostas em prol dos direitos fundamentais. Ademais, o gestor público tão-somente justifica sua existência se trabalhar para melhorar as condições de vida da população pagadora de impostos.
7. REFERÊNCIAS
AAVV. Governabilidade, Urgência e Relevância: medidas provisórias e a judicialização da política orçamentária no Brasil. Revista Política Hoje. Vol. 18, ano 2, 2009.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva da 5ª ed. alemã publicada pela Suhrkamp Verlag (2006). São Paulo: Malheiros, 2008.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14ª ed. rev. atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16. ed. rev. e atualizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Bastos, Celso e Martins, Ives Gandra, São Paulo: Saraiva, 1º, 2º, 4º e 5º vols., 1989.
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 2011.
_______. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 23 de maio de 2011.
_______. Lei das Contravenções Penais. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm>. Acesso em 24 de junho de 2011.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992.
________. Norberto. Sociedade e estado na filosofia política moderna. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda Constitucional nº 502, de 14 de julho de 2010. Disponível em <http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?id Proposicao= 483702>. Acesso em 24 de maio de 2011.
CAMPOS, Dejalma. Direito Financeiro e orçamentário. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6. Ed. Coimbra: Almedina, 1993.
________. J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999.
________. J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982.
________. J.J. Gomes. Tomemos a sério os direitos econômicos, sociais e culturais. Coimbra: Coimbra Editora, 1988.
CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
COMPARATO, F. K. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, v.737, mar. 1997.
CRETELLA JUNIOR, José. Do poder de policia. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. 2ª ed. reform. São Paulo: Moderna, 2004.
DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad. Marta Guastavino. 2ª ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1989.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do (orgs.). Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.
_______. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.
FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os Direitos Humanos e sociais: notas para uma avaliação da justiça brasileira. In: José Eduardo Faria. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.
FERNANDES. Antonio Sergio Araujo. Políticas Públicas: Definição evolução e o caso brasileiro na política social. IN DANTAS, Humberto e JUNIOR, José Paulo M. (Orgs). Introdução à política brasileira, São Paulo: Paulus, 2007.
FERREIRA, José Ribamar Gaspar. Os princípios do direito financeiro. Revista de Direito, Curitiba, ano 26, nº 26, pp. 47-54, 1990/91.
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2011. 5ª ed. São Paulo, 2011. Disponível em <http: //www2.forumseguranca.org.br/ sites/ default/ files/ anuario_2011_final_21nov.pdf`>. Acesso em 21-11-2011.
FREITAS, Juarez. O Estado, a responsabilidade extracontratual e o princípio da proporcionalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005 – Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006.
GUARESCHI, Neuza. Et al. Problematizando as práticas psicológicas no modo de entender a violência. In: STREY, Marelene N.; AZAMBUJA, Mariana P. Ruwer; JAEGER, Fernanda Pires. (Orgs). Violência, Gênero e Políticas Públicas. Porto Alegre- RS: EDIPUCRS, 2004.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2000.
HENRIQUES, Elcio Fiori. Arts. 1º a 8º da Lei 4.320, de 17 de março de 1964. In: CONTI, José Mauricio (coord.). Orçamentos públicos: a Lei 4.320/1964 comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung). Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.
LIMA, Flávia Danielle Santiago Lima. Em busca da efetividade dos direitos sociais prestacionais: considerações sobre o conceito de reserva do possível e do mínimo necessário. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/2177>. Acesso: 11 de junho de 2011.
MACHADO JR, José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 31ª ed. Rec. Atual. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003.
MARTINS, Ives G. e BASTOS, Celso R. Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). 6º Vol. Tomo II. São Paulo: Saraiva, 1991.
MATIAS-PEREIRA, José. Finanças públicas. A política orçamentária no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
_______. Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. In: Revista de Direito Público, nº 57, 1981, p. 233-243.
MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Jurídica Virtual nº 14, edição de julho de 2000. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-14/direitos_fund.htm>. Acesso: 11 de junho de 2011.
MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais - sua dimensão individual e social. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, nº1, out/dez de 1992.
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.
NICOLAU JÚNIOR, Mauro. A decisão judicial e os direitos fundamentais constitucionais da democracia. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 763, 6 ago. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7101>. Acesso em 20 de maio de 2011.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: RT, 2ª ed., 2006.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 4ª. Ed. São Paulo: Editora Método, 2009.
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; Oxford, Inglaterra: University of Oxford, Centre for bralizilian studies, 2006.
RUBINSTEIN, Flávio. Arts. 9º a 11º da Lei 4.320, de 17 de março de 1964. In: CONTI, José Mauricio (coord.). Orçamentos públicos: a Lei 4.320/1964 comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ª ed. ver. atual., e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SENADO FEDERAL. Proposta de Emenda Constitucional nº 21, de 12 de maio de 2005. Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp? p_cod_mate=73687 >. Acesso em 25 de maio de 2011.
_______. Proposta de Emenda Constitucional nº 102, de 19 de outubro de 2011. Disponível em <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/98139.pdf>. Acesso em 18-11-2011.
_______. Portal de notícias do dia 23 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.senado.gov.br/ noticias / adiada-votacao-de-regulamentacao-da-emenda-29.aspx>. Acesso em 23-11-2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
TEIXEIRA, Ariosto. Decisão liminar: a Judicialização da Política no Brasil. Brasília: Plano Editora, 2001.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
_______. Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. V: O Orçamento na Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.