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O momento adequado de realização do interrogatório do réu na visão do Supremo Tribunal Federal

Agenda 18/04/2012 às 09:01

No curso de ação penal em que é imputada a prática de um crime eleitoral, cujo rito a ser seguido seja o do Código Eleitoral, indaga-se: o interrogatório do réu deve ser realizado no início ou no final da instrução processual?

RESUMO: Com o advento da reforma processual promovida pela Lei n. 11.719/2008, ficou estabelecido, no procedimento comum (art. 400 do Código de Processo Penal), que o interrogatório do acusado será o último ato da instrução processual, o que levou parte dos operadores do Direito a questionar se haveria ou não a possibilidade de tal previsão ser também aplicada aos procedimentos definidos em legislação especial, em que o interrogatório normalmente é o primeiro ato da instrução criminal. Em julgado proferido pelo plenário (AP 528 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.3.2011), o Supremo Tribunal Federal respondeu ao questionamento de forma positiva, dizendo, em síntese, que a realização do interrogatório do acusado, ao final da instrução processual, viabilizaria, com maior eficácia, o exercício do contraditório e do direito de ampla defesa, acentuando que tais princípios constitucionais, no ponto, prevalecem sobre o princípio da especialidade, em matéria de conflito entre os diversos ritos processuais.

PALAVRAS-CHAVE: Interrogatório do réu; momento procedimental de sua realização; posição do Supremo Tribunal Federal; último ato da instrução criminal; prevalência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.


Como se sabe, o art. 400 do Código de Processo Penal, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.719/2008, estabeleceu que o interrogatório passasse a ser o último ato da instrução processual, no procedimento comum, destacando a doutrina que tal inovação legislativa veio resguardar, com maior eficácia, o direito de contraditório e de ampla defesa do acusado.

A partir dessa alteração, começou-se a indagar como ficaria a realização do interrogatório nas ações penais com rito estabelecido em legislação especial, ou seja, diversa do Código de Processo Penal e que com este conflitasse ao fixar, por exemplo, o interrogatório como um dos primeiros atos do procedimento de persecução penal em Juízo.

Apenas para exemplificar, é de se observar que o art. 359 do Código Eleitoral dispõe que o juiz, depois de receber a denúncia, deverá designar dia e hora para o interrogatório do acusado (chamado de “depoimento pessoal” no referido dispositivo), para, somente em momento seguinte, realizar a colheita dos depoimentos testemunhais, tal como se dava, no processo penal comum e geral, antes da reforma empreendida pela Lei n. 11.719/2008.

Assim, imaginando-se o ajuizamento de uma ação penal em que é imputada a prática de um crime eleitoral, cujo rito a ser seguido seja o do Código Eleitoral, indaga-se: o interrogatório do réu deve ser realizado no início ou no final da instrução processual? Ou, em outras palavras, deve prevalecer o rito estabelecido na legislação especial ou na legislação geral? Ou ainda, a aparente antinomia em questão deve ou não ser resolvida pela aplicação do princípio lex specialis derogat legi generali?

Em resposta a essas indagações, o Superior Tribunal de Justiça, em um primeiro momento, posicionou-se pela aplicação do aludido princípio da especialidade, asseverando que, em situações similares à exposta no exemplo acima, deveria prevalecer o rito delineado pela legislação especial, sendo de rigor, nesse prisma, o afastamento da regra geral prevista no art. 400 do Código de Processo Penal.

Nessa linha de entendimento, importante conferir os seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 400 DO CPP. REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO COMO ÚLTIMO ATO DE INSTRUÇÃO. VÍCIO NÃO CARACTERIZADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.

1. Nos termos do art. 394, § 2º, salvo disposições em contrário do Código de Processo Penal ou de lei especial, o procedimento comum será aplicado a todos os processos. Logo, possuindo a Lei 11.343/06 rito próprio, afastadas estão, em regra, as normas do procedimento comum.

2. O art. 57 da Lei 11.343/06 dispõe que o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento, ao contrário do rito do Estatuto Processual Penal que o fixou como último ato da instrução, nos termos do seu art. 400.

3. In casu, denota-se que o interrogatório foi realizado nos termos estabelecidos no rito especial da Lei de Drogas, razão por que não se verifica a existência de nulidade em face da alegada inobservância do art. 400 do CPP.

(...).

6. Ordem denegada.

(HC 152.776/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. GESTÃO TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA (ARTIGO 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/1986). APONTADA NULIDADE DA DECISÃO QUE TERIA INDEFERIDO PEDIDO DE LEITURA DE DOCUMENTOS NA SESSÃO DE JULGAMENTO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DO PLEITO DEFENSIVO. EIVA NÃO CARACTERIZADA.

1. (...).

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO DO PACIENTE REALIZADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA NOVA OITIVA DO PACIENTE, PERANTE A CORTE DE ORIGEM. APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE PREVÊ A INQUIRIÇÃO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PROCEDIMENTO REGIDO PELA LEI 8.038/1990.

NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA.

1.  O paciente está sendo processado conforme o rito previsto na Lei 8.038/1990, uma vez que possui foro por prerrogativa de função em razão de ser Prefeito Municipal.

2. Como se sabe, a Lei 8.038/1990 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais originárias de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal.

3. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito em tese cometido pelo paciente, autoridade com foro por prerrogativa de função, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.

4. Se a Lei 8.038/1990 determina que o interrogatório do acusado deve se dar após o recebimento da inicial acusatória, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final da audiência de instrução e julgamento, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas.

5. (...).

7. Ordem denegada.

(HC 121.171/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2011, REPDJe 01/09/2011, DJe 25/04/2011) (destacou-se).

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A polêmica, contudo, chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo o plenário, por unanimidade, em situação que a princípio exigia a incidência da mencionada Lei n. 8.038/1990, estabelecido que, em atenção aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, deve ser assegurada ao acusado a realização do interrogatório ao final da instrução processual, conforme previsto no art. 400 do Código de Processo Penal.

O precedente em comento foi noticiado no Informativo STF n. 620, de 21 a 25 de março de 2011, em passagem que tem o seguinte teor:

Interrogatório: Lei 11.719/2008 e Lei 8.038/90

A Lei 11.719/2008, que alterou o momento em que efetuado o interrogatório, transferindo-o para o final da instrução criminal, incide nos feitos de competência originária do STF, cujo mencionado ato processual ainda não tenha sido realizado. Com base nessa orientação, o Plenário desproveu agravo regimental interposto pela Procuradoria Geral da República contra decisão do Min. Ricardo Lewandowski que, nos autos de ação penal da qual relator, determinara que os réus fossem interrogados ao final do procedimento. Considerou-se que o art. 400 do CPP, em sua nova redação, deveria suplantar o estatuído no art. 7º da Lei 8.038/90, haja vista possibilitar ao réu o exercício de sua defesa de modo mais eficaz. Aduziu-se que essa mudança concernente à designação do interrogatório conferiria ao acusado a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que eventualmente pudessem surgir durante a fase de consolidação do conjunto probatório. Registrou-se, tendo em conta a interpretação sistemática do Direito, que o fato de a Lei 8.038/90 ser norma especial em relação ao CPP não afetaria a orientação adotada, porquanto inexistiria, na hipótese, incompatibilidade manifesta e insuperável entre ambas as leis. Ademais, assinalou-se que a própria Lei 8.038/90 dispõe, em seu art. 9º, sobre a aplicação subsidiária do CPP. Por fim, salientou-se não haver impedimento para que o réu, caso queira, solicite a antecipação do seu interrogatório. O Min. Luiz Fux acrescentou que o entendimento poderia ser estendido à Lei 11.343/2006, que também prevê o interrogatório como o primeiro ato do processo. AP 528 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.3.2011. (AP-528) (destacou-se).

Em determinado trecho de seu voto, o relator fez questão de destacar a circunstância de o interrogatório, ao final da instrução criminal, proporcionar ao acusado uma maior eficácia do seu direito de defesa, aduzindo que:

Nessa linha, parece-me relevante constatar que, se a nova redação do art. 400 do CPP possibilita ao réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no art. 7º da Lei 8.038/90, em homenagem aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie.

Ora, possibilitar que o réu seja interrogado ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas, como eventuais perícias, a meu juízo, mostra-se mais benéfico à defesa, na medida em que, no mínimo, conferirá ao acusado a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação do conjunto probatório.

Não obstante, algumas observações foram pontuadas nesse julgamento, das quais é possível extrair o seguinte: a) se a legislação especial estabelecer o interrogatório como o primeiro ato da instrução processual, é facultado ao réu ser interrogado no início ou no final da instrução, devendo, nessa última hipótese, ser formulado pedido expresso, sob pena de preclusão; b) caso o interrogatório já tenha sido realizado como o primeiro ato da instrução criminal, em conformidade com o rito especial de regência, não cabe à defesa, posteriormente, pleitear a realização de novo interrogatório ao final da colheita das demais provas.

Note-se que, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter consignado, inclusive na ementa do respectivo precedente, que tal prática de possibilitar o interrogatório ao final da instrução prevaleceria nas ações penais originárias perante ele próprio (STF), em desconsideração, portanto, do procedimento delineado pela Lei n. 8.038/1990, impõe-se concluir que a ratio decidendi do julgado em foco estende-se a todos os outros ritos processuais estabelecidos em outras legislações especiais, como, por exemplo, na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Combate ao Tráfico de Drogas) e no próprio Código Eleitoral.

Aliás, não foi por outra razão que, mais recentemente, o Min. Celso de Mello, em decisão monocrática, afastou o rito próprio e especial do Código Eleitoral, para permitir que o interrogatório ocorresse ao final da instrução processual, como viabiliza, no procedimento comum, o art. 400 do Código de Processo Penal.

Entendeu sua Excelência que a antinomia entre os diplomas legais em causa deveria ser resolvida mediante a aplicação de um critério diverso do da especialidade, dizendo, no ponto, que esse novo critério estaria “fundado em opção hermenêutica que se legitima em razão de se mostrar mais compatível com os postulados que informam o estatuto constitucional do direito de defesa, conferindo-lhe substância, na medida em que a nova ordem ritual definida nos arts. 396 e 396-A do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, revela-se evidentemente mais favorável que a disciplina procedimental resultante do próprio Código Eleitoral” (HC 107795 MC/SP).[1]

De igual forma, no precedente antes citado, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, foi ressaltado pelo Min. Luiz Fux que a conclusão a que havia chegado a Corte, naquele momento, deveria ser estendida à lei de drogas, a qual coloca o interrogatório como o primeiro ato da instrução.

E nem poderia ser diferente, pois imperiosa a aplicação do brocardo ubi eadem ratio ibi eadem jus.

Ressalte-se, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça já vem aplicando a diretriz traçada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica, por exemplo, no seguinte precedente de sua Quinta Turma:

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA (ARTIGOS 129, § 9º E 147 DO CÓDIGO PENAL). INTERROGATÓRIO DO PACIENTE, DETENTOR DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, DESIGNADO COMO PRIMEIRO ATO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DA LEI 8.038/1990. PLEITO DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE PREVÊ A INQUIRIÇÃO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA FASE INSTRUTÓRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. Ao julgar caso semelhante, este Relator se posicionou no sentido de que o artigo 400 da Legislação Processual Penal não pode ser adotado nas ações penais regidas pela Lei 8.038/1990, uma vez que as regras do rito comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas (HC 121171/SP, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2011, REPDJe 01/09/2011, DJe 25/04/2011).

2. Contudo, ao apreciar o AgRg na Apn 528/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, pela unanimidade dos eminentes Ministros presentes à sessão, entendeu que a previsão do interrogatório como último ato da instrução processual, por ser mais benéfica à defesa, deve ser aplicada às ações penais originárias, em detrimento do disposto no artigo 7º da Lei 8.038/1990.

3. Embora a aludida decisão seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela unanimidade dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pelo Excelso Pretório.

4. Ordem concedida, confirmando-se a medida liminar anteriormente deferida. (HC 205.364/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011) (destacou-se).

Em linha de conclusão, pode-se afirmar que os tribunais e demais juízos criminais brasileiros devem agir como o Superior Tribunal de Justiça, adotando-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, sob pena de, havendo pedido expresso da defesa para que o interrogatório seja o último ato da instrução criminal e o respectivo indeferimento basear-se em disciplina procedimental diversa, firmada em legislação especial aplicável à espécie, ser configurado inequívoco constrangimento ilegal, apto a ensejar a declaração de nulidade da instrução processual assim realizada.


Notas

[1] Inteiro teor divulgado no Informativo STF n. 659, de 19 a 23 de março de 2012, no tópico “Transcrições”.

Sobre o autor
Eliseu Antônio da Silva Belo

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás-UFG. Ex-servidor da Justiça Federal em Goiás. Promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás desde agosto de 2004. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Autor do livro "O artigo 41 da Lei Maria da Penha frente ao princípio da proporcionalidade", pela Editora Verbo Jurídico, 2014. Atualmente, titular da Promotoria de Justiça de Cocalzinho/GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELO, Eliseu Antônio Silva. O momento adequado de realização do interrogatório do réu na visão do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3213, 18 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21543. Acesso em: 22 nov. 2024.

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