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Medicina legal para condutor de veículo embriagado e a visão legalista do Superior Tribunal de Justiça.

Positivismo exacerbado na obrigatoriedade de prova técnica

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Agenda 17/05/2012 às 15:01

Se o Código Penal Brasileiro, como em todos os países, já prevê o crime de homicídio e de lesão corporal, dentre outros, porque uma lei administrativa precisa estatuir condutas penais de mesma natureza?

RESUMO

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 306, aponta para a prática do delito de embriaguez quando o motorista possuir concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. O Superior Tribunal de Justiça Brasileiro estabeleceu entendimento majoritário de que a prova dessa infração somente pode ser atestada por meio do teste de bafômetro ou do exame de sangue. A Medicina Legal e o Direito estabelecem como máxima, serem admitidos no processo penal, a prova pericial e todos os meios lícitos de prova a garantir certeza ao juiz. Conforme a melhor doutrina em vigor, nos países Europeus e Latinoamericanos, a forma tradicional de estudar o Direito Penal, baseado no método puramente legalista (literal), desde a perspectiva exclusiva da letra da lei vigente, está ultrapassado.

PALAVRAS CHAVE

Embriaguez. Trânsito. Medicina Legal. Perícia. Justiça.

SUMÁRIO

Introdução; 1. Perícia, Medicina e Direito; 1.1 A prova técnica como fator determinante de culpa; 2. A inversão no ônus da prova para o motorista infrator; Conclusão.


INTRODUÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça, no mês de março de 2012, por maioria apertada de votos, definiu “que apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue podem atestar o grau de embriaguez do motorista para desencadear uma ação penal. A tese serve como orientação para as demais instâncias do Judiciário, onde processos que tratam do mesmo tema estavam suspensos desde novembro de 2010” (STJ: 2012). Entenderam que “se o tipo penal é fechado e exige determinada quantidade de álcool no sangue, a menos que mude a lei, o juiz não pode firmar sua convicção infringindo o que diz a lei”, afirmou a ministra Maria Thereza ao definir a tese”.

Os magistrados ressaltaram, com especial atenção, a constitucionalidade da recusa do condutor a se submeter ao teste de alcoolemia, em face do princípio da não autoincriminação; a objetividade do tipo penal que impede o magistrado de produzir outros meios de prova; e a vedação do juiz em legislar sobre a matéria. Inicialmente, andou bem o STJ, entretanto, nos dois últimos aspectos, causa surpresa e indignação a teoria da prova única e a vedação ao livre convencimento do juiz, proibindo-o de interpretar e aplicar a norma diante do fato concreto. Talvez juiz não legisle, mas não deve ficar inerte diante da ineficácia e impropriedade da lei. Larenz e Molina apud Schmidt (2007, p. 122) destacam que:

A noção de Direito embora pressuponha premissas juspositivistas, supera os limites semânticos de um conjunto de normas escritas para redundar em sua concreção. Tal tarefa vem sendo desempenhada contemporaneamente pela hermenêutica-tópica (pós-positivismo), que vem propondo a substituição da ideia de ‘aplicação da lei’, própria do juspositivismo clássico, pela de ‘processo de concreção legal’, no sentido de que a lei não é uma norma pronta e acabada, nem sua interpretação e aplicação caracterizam um silogismo perfeito.

A estrita legalidade não se coaduna com um Estado de Democrático de Direito, muito menos com magistrados integrantes de uma Corte Superior de Justiça, a quem, constitucionalmente, competem interpretar a correta aplicação das leis infraconstitucionais. De acordo com os ensinamentos de Thibaut apud Bobbio (2006, p. 56), “para interpretar uma norma, dizia ele, não basta conhecer como ela é formada, é necessário também relacioná-la com o conteúdo das outras normas: é preciso, portanto, analisá-la logicamente e enquadrá-la sistematicamente”. E na dimensão em que foi construída e se encontra a Lei 9.503/97, Código de Trânsito Brasileiro, é inadmissível interpretações restritivas e positivistas que coloquem em perigo toda a sociedade em detrimento de direitos individuais objetivos a favorecer  infratores de trânsito embriagados.

No manual de Medicina Legal elaborado por Odilon e Gusmão (2001, p. 4), os autores esclarecem que esta ciência encontra-se dividida em vários ramos, cada qual, responsável por uma determinada matéria. Em nosso caso, as perícias  necessárias para constatação do teor alcoólico no condutor de veículo embriagado estariam sob a atribuição da toxicologia forense, que estuda os venenos, envenenamentos, intoxicações, abuso de drogas, dentre outros casos. O resultado desses exames são expressos em documentos médicos-judiciários, que são instrumentos escritos, ou simples exposições verbais mediante os quais o médico fornece esclarecimentos à justiça, e que servirão como meios de prova para eventual condenação ou absolvição do autor do fato.

Segundo, ainda, Odilon e Gusmão (2001, p. 11), algumas ocorrências independem de prova, sendo os fatos axiomáticos, notórios e as presuções legais, ainda, evidenciam que em um sistema de apreciação, deve-se levar em conta a “convicção íntima”, a “verdade legal ou formal” e o “livre convencimento” (grifos nossos). Apontam, finalmente, como meios de prova: a) material ou pericial; b) interrogatório do acusado; c) confissional; d) testemunhal; e) reconhecimento de pessoas e coisas; f) acareação; g) documentos e; h) indícios. Como o delito de embriaguez ao volante deixa vestígio (delicta facti permanentis), importa dizer da necessidade na colheita do material no tempo e na hora certa, e diante da recusa legal do motorista em não se submeter ao teste de bafômetro ou a retirada de sangue, impossível a elaboração da prova técnica. Assim, restará ao julgador a apreciação dos outros meios de prova em direito admitidos.


1. Perícia, Medicina e Direito

Para Espindula (2007), a perícia pode ser descrita como uma atividade da Medicina, que no âmbito da aplicação da justiça, serve para subsidiar as decisões dos magistrados no curso de processos de qualquer natureza. No âmbito criminal, ela se torna imprescindível quando a complexidade de uma prova exigir uma análise conclusiva além daquela obtida, exclusivamente, pelo conhecimento testemunhal e documental. “Sua eficiência está bem caracterizada na sua definição: contribuir do ponto de vista médico para a elaboração, interpretação e aplicação das leis” (PEREIRA e GUSMÃO: 2001, p. 2). Podemos afirmar que o juiz, por intermédio das diversas modalidades de provas, busca alcançar a certeza jurídica da sentença por um processo de convencimento interior. Malatesta (2005, pg. 47 e 55) afirma que “se a certeza tem uma natureza subjetiva, o sujeito natural não é e não pode ser senão a alma do julgador”, e complementa:

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Quando se trata de convencimento, como o ápice da certeza ocorrente em juízo penal, fala-se relativamente ao fato da criminalidade que não se pode afirmar, se não for bem verificada. Ora, é preciso não esquecer que em nome da consciência social que se exerce a justiça punitiva, residindo nesta consciência social a legitimação do direito de punir; pune-se para destruir a perturbação social que produz o delito.

É sempre bom destacar que o magistrado forma sua convicção por uma livre apreciação de provas a ele submetido dentro da investigação ou do processo criminal, não estando preso a qualquer uma delas, seja ela de qualquer natureza. Essa liberdade e discricionariedade de julgar se justifica e se legitima, pois ao contrário, chegaríamos ao absurdo de admitir a ocorrência de delitos submetidos a um único meio de constatação, o que nos parece bastante improvável, haja vista a absoluta ausência de hierarquia de provas em processo penal, muito menos a vinculação inarredável de uma a outra.

Por outro lado, com uma redação bastante infeliz, algumas legislações processuais, como a brasileira, exigem a “indispensável” realização de corpo de delito, direto ou indireto, nas infrações que deixam vestígio, não podendo supri-lo a confissão do acusado, e que deve ser elaborado por peritos oficiais. Ora, devemos pensar o direito do século XXI em sua dimensão atual, e com tantos recursos tecnológicos à disposição dos agentes públicos, entender a perícia médica como imprescindível é, no mínimo, discutível, e mais, “chegar ao ponto de dizer que o processo criminal poderá ter atos nulos por conta da falta do laudo pericial é ressaltar sobremaneira a sua necessidade no conjunto probatório” (ESPINDULA: 2007, p. 15). Se há outras possibilidades de se chegar a um veredito ou se o fato é notório, não se justifica a obrigatoriedade da perícia, mesmo porque, em direito, ao laudo não ficará adstrito o juiz, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo no todo ou em parte.

1.1 A prova técnica como fator determinante de culpa

A prova em processo penal tem um significado relevante, pois dela depende, quase que invariavelmente, a diferença entre uma sentença favorável ou desfavorável ao autor do fato. Sua função, em síntese, é desvendar o famigerado nexo causal, ou relação de causalidade, “elo necessário que une a conduta praticada pelo agente ao resultado por ela produzido”, sem o que (...) tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele o seu causador” (Greco: 2009, p. 217). O problema, em alguns casos, é quando se tem o autor e o resultado devidamente identificados, a exemplo dos crimes de trânsito relacionados com motoristas embriagados, e temos que provar a finalidade da conduta desta pessoa para a prática de um delito culposo ou doloso, uma vez que os estados físicos decorrentes da ingestão de álcool podem ser provenientes de ação voluntária, força maior ou caso fortuito.

Veremos mais à frente que, nesses casos, deve haver uma necessária e prudente inversão do ônus da prova, pois se alguém provoca um crime qualquer, seja no trânsito, em casa, no serviço ou dentro de casa, em decorrência de estar embriagado, ele e não o Estado deve provar que o resultado, de que depende a existência do crime, a ele não pode ser imputado, considerando que a sua ação teria sido totalmente involuntária, ou proveniente de caso fortuito ou força maior. Sendo necessário o uso do bafômetro ou da Medicina Legal para periciar um infrator de trânsito, porque não exigimos os mesmos procedimentos quando este autor embriagado comete outras modalidades de delitos? Há uma nítida ofenda ao princípio da igualdade e da isonomia quando lidamos com criminosos embriagados à luz do Código de Trânsito em contraposição ao Código Penal, sem contar com o tratamento mais gravoso a este último autor. De acordo com o Diccionario Jurídico Espasa (2007, p. 1205), o conceito de prova e de prova pericial, assim se explica:

La prueba puede concebirse desde ángulos diversos. Puede considerarse como una actividade lógica y material orientada en el mismo sentido de la realidad que se trata de averiguar, esto es, como operación y esfuerzo amparados en una verdad: es la prueba fin. Pero también puede valorarse como el conjunto particular de recursos que pueden utilizarse para obtener aquella demostración: es la prueba médio.

Aquella actividad que desarrollan las partes con el tribunal para que éste adquiera el convencimiento de la verdad o certeza de un hecho o afirmación fáctica o para fijarlos como ciertos a los efectos de un proceso.

De dictamen de peritos o pericial: se practicará cuando sean necesarios conocimientos científicos, artísticos, técnicos o prácticos para valorar hechos o circunstancias relevantes en el asunto o adquirir certeza sobre ellos.

Note que a prova em processo penal é um ônus e não uma obrigação, logo, “o ônus oferece uma alternativa ao dispor do titular que poderá atendê-lo ou não e na última hipótese sofrerá o prejuízo decorrente de sua inação ou negação, enquanto a obrigação é um mandamento legal pelo qual o obrigado não pode escolher entre cumpri-lo ou não” (ARANHA: 2006, pg. 8). Realizada por profissionais especializados, em que pese sua capacidade de demonstrar a veracidade da infração penal, não parece ser imprescindível e inafastável quando, por outros meios, se pode demonstrar a conduta humana desaprovada, mesmo que a lei traga critérios objetivos para a sua tipificação. A prova processual deve ser “ponderada pelo julgador, que lançará mão de sua cognição perante o argumento factual melhor apresentado para o desfecho justo da lide” (BEVENUTO: 2009).

Certamente que o laudo expedido por um perito médico ou por um aparelho de medição certificado por um Instituto Oficial de Pesos e Medidas, reveste-se de significativa importância para que o magistrado possa ter convicção no momento do julgamento. No caso específico do perito, trata-se de uma “pessoa dotada de conhecimento científico, investido do múnus público, devidamente compromissado, estranho às partes e sem impedimento ou incompatibilidade para atuar no processo, chamado para, após o exame, emitir parecer ou auxiliar a autoridade judicial na colheita, compreensão ou valoração da prova” (SICOLI: 2012).

Levando em conta as inúmeras variáveis que podem determinar a ocorrência de delitos, por óbvio que algumas condutas se mostram mais fáceis de serem compreendidas quando submetidas a exames técnicos, embora o âmbito penal permita meios de prova variados, objetivos e subjetivos, quando na busca da verdade dos fatos. Nas hipóteses em que  uma pessoa é morta ou lesionada por terceiro, em ação dolosa ou culposa, o exame de corpo de delito parece inalienável do conjunto probatório, mesmo que as circunstâncias demonstrem, por outros meios, a ocorrência do fato. Neste caso, certifica-se o fato para demonstrar que o resultado decorreu de uma ação humana voltada para a prática de um delito, ou seja, a propositura é trazer para os autos a informação técnica que demonstre um nexo de causalidade entre o comportamento do autor e o resultado morte.

Suponhamos que a perícia seja inconclusiva, resultado de uma análise mal elaborada ou motivada por uma colheita ineficaz do material a ser examinada, a partir desse resultado, estaríamos diante de uma conduta atípica, de uma impossibilidade de prova, de um crime impossível, de um delito inexistente? Creio que a resposta seja negativa, quando se mostra viável certificar o ocorrido por outros meios. Se entendermos de forma diversa, estaremos sepultando a capacidade técnica da autoridade policial no momento do registro do fato, da autoridade de polícia judiciária no ámbito da investigação, e consequentemente, a do representante do Ministério Público e do Juiz de Direito no curso do processo.


2. A inversão no ônus da prova para o motorista infrator

Embora o art. 277 da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro[1] determine a submissão do condutor de veículo com sintomas de embriaguez ao teste do bafômetro ou ao exame de corpo de delito, nossa doutrina e jurisprudência firmaram entendimento de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Essa interpretação foi construída a partir de dois dispositivos legais, um contido no Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, em seu art. 8º, inciso 2, alínea 'g'[2], e outro no art. 5º, LXIII, CF[3]. Estranha a interpretação, pois a mesma regra que proíbe a prova material para a comprovação do crime, não a proibia para a aplicação da infração administrativa de trânsito no mesmo fato. Como se aplica uma multa por embriaguez ao volante se não se pode fazer prova desse estado físico para a comprovação do crime? E mais, causa surpresa constatar que a redação atual do art. 306 do CTB é, basicamente, a redação anterior do art. 165 do mesmo diploma legal, e vice-versa. Alguém deixou de pagar multa antes de 2008, por infração de trânsito, porque não se submeteu ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue?

Sendo a resposta negativa, a motivação e fundamentação para que um comportamento seja aceito como infração administrativa e não como infração penal pode encontra respaldo em julgados de Cortes Americanas, como destaca Honorato (2007, p. 471) ao apontar dispositivo contido no Penn Code Americano:

(...) impõe a presunção legal de que o detentor de um privilégio para dirigir consente que seja submetido a um ou mais dos exames de alcoolemia previstos em lei, tais como: etilômetro, exame de sangue ou de urina.

Os exames de alcoolemia, portanto, são obrigatórios para todo condutor que se envolver em acidente de trânsito com vítimas, ou que se encontrar sob fundada suspeita de estar dirigindo sob influência de álcool ou substância entorpecente.

Aquele que se recusa á realização dos exames não realiza um novo ilícito, tampouco presume-se que seja culpado da acusação de dirigir sob influência. Como consequência da recusa à realização desses exames poderá ser-lhe imposta penalidade de suspensão da licença para dirigir, pelo prazo de 12 (doze) meses.

O dispositivo já foi objeto de arguição junto aos tribunais estaduais, em face dos direitos e garantias constantes do Bill of Rights (ou seja, das Emendas à Constituição Norte-Americana). Concluíram as Courts que, para fins de imposição de sanções de trânsito, a presunção é válida, por não se tratar de processo de natureza criminal.

Quando o legislador infraconstitucional modificou o texto da lei, no intuito de agravar a ação de conduzir veículo automotor, na via pública, embriagado, ao inserir o limite de concentração igual ou superior de 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, definitivamente, não desejou, muito menos retirou a análise dos aspectos subjetivos contidos na imputação objetiva da conduta. O limite em destaque, diante da negativa do autor do fato em não produzir prova contra si mesmo, permite ao julgador interpretar o estado anormal do condutor como incurso na segunda parte do art. 306 da Lei 9.503/97-CTB, qual seja, a de estar sob a influência de outra substância psicoativa que determine dependência, e que não exige comprovação técnica, senão vejamos:

Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, institui o Código de Trânsito Brasileiro.

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Regulamento

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) (grifo nosso)

Desta forma, mesmo que o condutor, em tese, embriagado, se negue a ser submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permita certificar seu estado, diante dessa real impossibilidade de se produzir a prova técnica da embriaguez, entendemos ser perfeitamente possível o julgamento e a sua condenação do autor com motivação e fundamentação nos indícios de consumo ou ingestão de outras substâncias psicoativas. Como o texto da lei dispõe sobre condições anormais diversas, neste caso, basta a comprovação da conduta infracional do motorista por meio de provas testemunhais e até mesmo de filmagens captadas no momento do fato.

O exame clínico realizado por perito médico, com métodos cientificamente comprovados e com o uso das regras de experiência, pode atestar, com segurança, se o examinado encontra-se com concentração de álcool no sangue superior ao indicado na lei penal” (STJ: 2010), entretanto, a ausência dessas provas, por expressa negativa do motorista embriagado, não deve levar ao reconhecimento da não ação e, muito menos, à sua absolvição. Os exames clínicos ou por aparelhos devem ser tidos como coadjuvantes na comprovação do delito insculpido no art. 306 do CTB, e não como meios exclusivos de se prová-lo. Contrariamente, na mesma linha de convicção do STJ, há doutrinadores que entendem a inafastabilidade dessa prova, sob o argumento de que “dispensar a comprovação (pericial) da exigência típica de certa quantidade de alcoolemia no sangue (0,6 decigramas) significa não cumprir sequer o mínimo da comprovação da legalidade” (GOMES e SOUSA: 2011).

Ousamos discordar da postura normativista  de nossa Corte de Superior e dos autores que a acompanham, porque o próprio Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico (2012), ao expor o pensamento do professor Claus Roxin, responsável pela maior revolução metodológica do Direito Penal a partir do século XX, destaca, agora acertadamente, que:

(…) a Dogmática tem que ser aberta, tem que atuar finalisticamente (em busca da realização de alguns valores, como o da justiça). O saber penal, desse modo, insere-se hoje com certeza no âmbito dos saberes práticos (leia-se: é algo que existe para a resolução racional de conflitos humanos).

A forma tradicional de estudar e de ensinar o Direito Penal, fundada no método puramente legalista (literalista) e subsuntivo, que tem origen no Estado moderno (final do século XVII), está ultrapassada. Acha-se esgotado o modelo consistente em interpretar e sistematizar o Direito Penal desde a perspectiva exclusiva da letra da lei vigente. Lei vigente pode não ser lei válida (Ferrajoli).

O crime de trânsito praticado pelo motorista que conduz veículo em estado de embriaguez ou sob o efeito de substâncias análogas é de perigo abstrato, e neste caso, deve haver “uma inversão do ônus da prova, pois o perigo é presumido com a realização da conduta, até que o contrário não seja provado, circunstância cuja prova cabe ao acusado. Trata-se de uma classificação com maior relevância processual do que penal ‘de fundo’” (ZAFFARONI e PIERANGELI: 2009, pg. 484). Ele até pode se negar a ser submetido aos testes e exames previstos em lei, mas se não o fizer, sua recusa, em conjunto com outras provas testemunhais e audiovisuais realizadas no dia dos fatos, deve ser tida como relevante a convencer o magistrado para uma eventual condenação.

Sobre o autor
Paulo Roberto de Medeiros

Oficial da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais Professor de Direito Penal e Processo Administrativo da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais na Escola de Formação de Oficiais Bel em Direito e aluno do Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires, Argentina Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte/MG Especialista em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica do PR Aluno do Curso de Gestão Estratégica da Academia de Polícia Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Paulo Roberto. Medicina legal para condutor de veículo embriagado e a visão legalista do Superior Tribunal de Justiça.: Positivismo exacerbado na obrigatoriedade de prova técnica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3242, 17 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21779. Acesso em: 23 nov. 2024.

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