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Considerações sobre a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT)

Agenda 16/05/2012 às 14:33

Apesar de ser correto o intuito de dar maior efetividade à execução trabalhista, protegendo o trabalhador, necessário ponderar que a aplicação dessa regra nas licitações públicas exige a inserção de princípios próprios, vinculados ao Direito Administrativo e à Constituição.

Sumário: 1. Introdução. 2. Constitucionalidade da regularidade trabalhista. 3. Certidão trabalhista e exigência em qualquer contratação. 4. Certidão trabalhista e contratos em vigência. 5. Conclusão.


1. Introdução

A Lei nº 12.440/2001 gerou alterações na Lei nº 8.666/93, acrescentando um novo elemento à antiga regularidade fiscal prevista no inciso IV do artigo 27 da Lei Geral de Licitações, que passou a englobar a regularidade fiscal e trabalhista.

Se, nos termos delineados pelo STF (ADI 173-6/DF), a regularidade fiscal implica exigibilidade da quitação do tributo, quando ele não for objeto de discussão judicial ou administrativa, a regularidade trabalhista será demonstrada mediante a apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT).

O interessado não obterá a CNDT, quando em seu nome constar:

I – o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado, proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou

II – o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.

Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, em nome do interessado, com os mesmos efeitos da CNDT, que possui prazo de validade de 180 dias e certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais.

As alterações geradas pela Lei federal nº 12.440/2011 entraram em vigor 180 dias após a sua publicação. Em geral, a referida Lei teve como intuito dar maior efetividade à execução trabalhista, uma vez que a empresa não cumpridora das decisões da Justiça do Trabalho passará a constar em um cadastro público de devedores, permitindo tanto aos órgãos públicos como a qualquer pessoa saber se ela “respeita os direitos de seus empregados”.

Para o âmbito das licitações, parece evidente o objetivo de evitar a contratação de empresas inadimplentes com seus trabalhadores, problemática que há anos vem preocupando as gestões públicas, notadamente em contratações de serviços terceirizados, nas quais o Poder Público vem sendo condenado a responder subsidiariamente por débitos trabalhistas entre as empresas (contratadas pela Administração) e seus empregados. Com tal disposição legal, muda-se o foco no combate à inadimplência dessas empresas de serviços terceirizados, contratadas pelo Poder Público. Antes se apostou em um maior controle das contratações (visão que se demonstrou ineficiente, por não resolver o problema e gerar outros, como a sobrecarga dos servidores responsáveis pela fiscalização desses contratos), agora busca-se filtrar melhor as empresas que serão contratadas pela Administração, atitude que já reputávamos outrora como a mais correta.

É necessário, contudo, ter cautela na execução de tais exigências. Isso porque a Certidão deve atestar a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais. Dessa imposição podem ser apontadas duas dificuldades: primeiramente, a preocupação sobre a efetividade desse controle tão abrangente, com certificação que consiga rastrear tais imputações, em quaisquer débitos existentes perante a Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia, nos limites legais; em segundo, preocupa que a exigência de manutenção das condições de habilitação, em contratos vigentes (firmados após a entrada em vigor da disposição), gere entendimento que possa prejudicar o pagamento das contratações em andamento, por conta de débitos trabalhistas, assim que eles imediatamente se enquadrem nas disposições impeditivas à emissão de Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.

Nesse sentido, vale citar recente Acórdão nº 964/2012, em que o TCU, sob o argumento de que o contratado deverá manter, durante a execução contratual, todas as condições de habilitação e de qualificação exigidas na licitação, determinou que:

“...todas as unidades centrais e setoriais do Sistema de Controle Interno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União que orientem os órgãos e entidades a eles vinculados no sentido de que exijam das empresas contratadas, por ocasião de cada ato de pagamento, a apresentação da devida certidão negativa de débitos trabalhistas, de modo a dar efetivo cumprimento às disposições constantes dos artigos 27, IV, 29, V, e 55, XIII, da Lei nº 8.666, de 1993, c/c os artigos 1º e 4º da Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, atentando, em especial, para o salutar efeito do cumprimento desta nova regra sobre o novo Enunciado 331 da Súmula de Jurisprudência do TST, sem prejuízo de que a Segecex oriente as unidades técnicas do TCU nesse mesmo sentido”

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Tendo em vista posicionamentos anteriores do STJ, acerca da manutenção da regularidade fiscal, parece-nos que deve ser estabelecido o raciocínio de que eventual impedimento gerado pela impossibilidade de emissão da CNDT, por parte da empresa, pode gerar a rescisão contratual ou a aplicação de sanções, mas não a retenção dos valores devidos pelos serviços legitimamente prestados ou bens oferecidos.

Vale lembrar que, percebendo a retenção de crédito como uma sanção ilícita, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que “se não consta do rol do art. 87 da Lei 8.666/93, a retenção do pagamento pelos serviços prestados, não cabe aplicar tal sanção, sob pena de violação ao princípio constitucional da legalidade”. (STJ - AGRESP 200800838427. Rel. Min. Castro Meira. DJE DATA:10/09/2009).


2. Constitucionalidade da regularidade trabalhista.

A constitucionalidade da exigência de regularidade trabalhista poderá ser questionada em nossos Tribunais. Recentemente, nesse sentido, a CNI ajuizou a ADI 4716. Um argumento interessante, por parte daqueles que criticam a constitucionalidade da norma, está relacionado ao fato de que o inciso XI do artigo 37 da Constituição federal não faz remissão a esta espécie de habilitação, para as licitações públicas, mas apenas para a habilitação técnica e econômica. Vejamos o dispositivo:

Art. 37. (...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Este raciocínio já era defendido por ilustre doutrina, como Di Pietro, em relação à regularidade fiscal, também não citada no dispositivo constitucional.

No que pese percebermos correta preocupação doutrinária com excessivas exigências na habilitação, que restringem a competitividade, a redação do dispositivo constitucional não deve ser percebida sob um foco literal. A não inclusão ou referência às exigências de regularidade fiscal ou trabalhista não gera óbice constitucional à imposição de tais habilitações.

Parece mais importante perceber a “função” da cláusula apontada pelo constituinte. O dispositivo, ao restringir as exigências habilitatórias (“... nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”), buscava impedir que a habilitação, inclusive em relação às exigências técnicas e econômicas, fosse utilizada como um instrumento desproporcionalmente restritivo à competitividade. Por isso que, segundo o constituinte, essas exigências devem se limitar ao conteúdo indispensável “à garantia do cumprimento das obrigações”.

Mesmo as exigências legais de qualificação técnica e econômica devem guardar consonância com os princípios da razoabilidade/proporcionalidade. Em outras palavras, as exigências de habilitação devem sempre ser adequadas ao fim desejado: “a garantia do cumprimento das obrigações”. Este é o vetor fundamental que deve ser respeitado nas exigências de habilitação apresentadas pelos certames licitatórios, inclusive as regularidades fiscais e trabalhistas.

Em princípio, não identificamos inconstitucionalidade na criação da regularidade trabalhista, por lei federal. O legislador infraconstitucional pode sim estabelecer exigências de habilitação além das previstas no texto constitucional (técnica e econômica), todavia, sempre respeitando o parâmetro estabelecido pelo constituinte, que impõe específica “função” às exigências de habilitação.

Seja em relação às qualificações técnicas e econômicas, à regularidade trabalhista, à regularidade fiscal ou outra exigência de habilitação criada pelo legislador federal, suas aplicações nas licitações, por imposição do constituinte, devem sempre respeitar uma função primordial, qual seja, a “garantia do cumprimento das obrigações”. Caso a restrição habilitatória exceda tal função, será inconstitucional e impugnável pelo licitante interessado.


3. Certidão trabalhista e exigência em qualquer contratação.

É importante indagar: tal requisito de habilitação (regularidade trabalhista) é constitucionalmente adequado a quaisquer contratações?

Convém destacar que a previsão legal admite a exigência de regularidade trabalhista a quaisquer pretensões contratuais, dentre elas: aquisições, serviços e obras. Nada obstante, as exigências de habilitação se submetem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que geram limitações materiais à ação da Administração Pública.

Como destacou o STF, o exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, inclui-se no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das ações emanadas do Poder Público. Sob esse aspecto, o princípio da proporcionalidade é essencial ao Estado Democrático de Direito, servindo como instrumento de tutela das liberdades fundamentais, proibindo o excesso e vedando o arbítrio do Poder, enfim, atuando como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais (STF HC 103529-MC/SP. Informativo 585).

A Constituição Federal expressamente restringe as exigências de qualificação (habilitação) à “função” garantidora do indispensável cumprimento das obrigações contratuais. Requisitos que extrapolem esse fundamento se apresentam como desvio da função constitucionalmente estabelecida para a habilitação nas licitações públicas.

Admitindo a correção desta premissa, voltamos à questão: é sempre adequada a exigência de regularidade trabalhista para todas as licitações realizadas pelo Poder Público? Entendemos que a resposta é negativa. Em diversas contratações, como a de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, a exigência de regularidade trabalhista demonstrar-se-á razoável e constitucional, por servir à finalidade de garantia do cumprimento das obrigações.

Contudo, em outras contratações, como na aquisição de bens comuns, podemos não identificar claramente, no caso concreto, a adequação entre a exigência de regularidade trabalhista e as obrigações pactuadas. Nesse ponto, não é admissível a utilização das licitações para finalidades outras, que não a identificada na norma constitucional.

É certo que o justo objetivo de ampliar a eficácia das execuções trabalhistas fortalecerá o raciocínio favorável à admissibilidade da regularidade trabalhista em qualquer licitação, contudo, não se deve olvidar a função/finalidade que foi expressamente imposta aos requisitos de habilitação, pelo texto constitucional. Nessa feita, em pretensões contratuais para as quais a exigência de regularidade trabalhista não beneficie em nada a garantia do cumprimento das obrigações, tal imposição pode ser suprimida. Nos casos de aquisições ou fornecimentos de bens, pode ser suscitada, inclusive, a regra disposta no §1º do artigo 32 da Lei nº 8.666/93.


4. Certidão trabalhista e contratos em vigência.

Um aspecto importante, que precisa ser discutido, está relacionado à exigência da CNDT para contratos vigentes.

São duas as situações que merecem análise. A primeira está relacionada à contratação recentemente licitada, sem exigência do referido requisito de habilitação. Com a entrada em vigor da Lei nº 12.440/2011, pode ser exigida a regularidade trabalhista no contrato em andamento?

A resposta, em princípio, é negativa. O próprio inciso XIII, do caput do artigo 55 da Lei nº 8.666/93, ao regrar sobre a necessidade de manutenção das condições de habilitação, durante a execução do contrato, restringe tal exigência às obrigações assumidas pela empresa, de acordo com as exigências da licitação. Vejamos o dispositivo:

Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

In omissis

XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

O licitante para o qual não foi cobrada a regularidade trabalhista, no certame, não pode ser surpreendido por esta exigência durante a execução contratual.

Uma segunda situação poderá ocorrer quando tratarmos de serviços contínuos, passíveis de prorrogação temporal. Neste caso, a faculdade de prorrogar o contrato envolve um elemento consensual, que precisa ser ponderado.

Por parte do licitante, sua aceitação dependerá do interesse econômico na manutenção daquela contratação. Se a contratação for prejudicial ao seu interesse, ele não aceitará prorrogação, atitude legítima e que deve ser acatada.

Por parte da Administração, o legislador já estabeleceu o interesse público a ser atendido, descrevendo a obtenção de preços e condições mais vantajosas como justificativa legal para tal prorrogação. Vejamos:

Art. 57.

In omissis

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

Partindo do pressuposto legal que a exigência de regularidade trabalhista envolve uma condição vantajosa para a Administração (garantia do cumprimento das obrigações) e não gera transformação ou alteração no objeto contratual, entendemos que, nesses casos, embora a licitação tenha ocorrido sem o requisito de regularidade trabalhista no edital, a inserção desta exigência poderá ser acordada entre as partes contratantes, no momento da prorrogação.

Caso a empresa entenda que tal acréscimo cria empecilho ao seu interesse de prorrogação, tem o direito de abdicar dela, tendo em vista o elemento consensual envolvido.


5. Conclusão

Resumimos aqui alguns dos questionamentos que certamente serão provocados, em vista das alterações promovidas pela Lei federal nº 12.440/2011, já em vigor.

Embora seja evidente o correto intuito de dar maior efetividade à execução trabalhista, protegendo o trabalhador, necessário ponderar que a aplicação dessa regra nas licitações públicas exige a inserção de princípios próprios, vinculados ao Direito Administrativo e à Constituição.

Importante a atuação da doutrina, da jurisprudência e dos órgãos regulamentadores, para evitar distorções e auxiliar os agentes públicos que manejam com licitações (notadamente os concretamente responsáveis), na escorreita aplicação da norma criada, sem prejuízos às finalidades e limites que incidem sobre a atividade administrativa contratual.

Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. Considerações sobre a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3241, 16 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21784. Acesso em: 22 dez. 2024.

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