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O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos

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Agenda 22/05/2012 às 18:46

5.CONCLUSÕES

Não se pode anular a autonomia da vontade dos indivíduos, afinal o direito fundamental de liberdade pressupõe essa autonomia. Mas é necessário redefinir as limitações para o exercício dessa autonomia, de modo a adequá-la à nova realidade do Direito, vale dizer, a uma nova conjuntura, em que a própria sociedade, mediante uma Constituição que almeja eficácia imediata sobre toda e qualquer relação jurídica, e de forma mediata, sobre a própria realidade social. Empreendeu nosso constituinte a difícil tarefa de dar ao Direito uma função social, centrada no solidarismo e na promoção da justiça social.

Desse modo, o constitucionalismo da pós-modernidade exige um diálogo constante entre entre as normas constitucionais e as normas do direito privado. Ademais, é dificílima a delimitação entre os campos do direito privado e público nas complexas relações sociais da contemporaneidade, sobretudo nas intrincadas relações econômicas da atualidade.

Uma adequada compreensão do fenômeno jurídico atual não mais comporta uma divisão absoluta ou uma demarcação exata do campo de aplicação de normas de direito público ou privado, ao contrário, exige uma integração e coordenação dos diversos institutos do ordenamento jurídico. Nesse sentido, as normas de ordem pública e interesse social assumem importante função num processo gradativo de consolidação da eficácia de regras e princípios constitucionais no direito privado.

O princípio da função social dos contratos, insculpido no art. 421, CC (BRASIL, 2012), consubstancia um forte e expressivo diálogo entre o Código Civil e a Constituição, porquanto representa essencial referência principiológica de todo o “novo” direito civil, bem como decorre de princípios constitucionais de incontestável eficácia sobre as relações jurídicas privadas, isto é, são todos aqueles preceitos que têm como precípua e imediata finalidade construir uma sociedade livre, justa, solidária (art. 3º, I, CF, Brasil, 2012), e, obviamente, as relações contratuais não estão imunes a essa eficácia constitucional.

O instituto das cláusulas abusivas, além de importante instrumento de defesa de direitos sociais e fundamentais, máxime a defesa do consumidor, surge nesse atual contexto como um relevante mecanismo de promoção do equilíbrio nas relações contratuais, pois atuam fundamentalmente na proibição de condutas contrárias a essa nova ordem, estabelecida sob a perspectiva do princípio da função social do contrato.

Fácil concluir, portanto, que nesses princípios encontra fundamento a possibilidade de aplicação das cláusulas abusivas em contratos civis e empresariais.

Contudo, o problema da discricionariedade mostra-se relevante, sobretudo, por conta da desmedida amplitude semântica do art. 421, CC, bem como de todas as demais cláusulas gerais do Código Civil. Aplicar essas cláusulas de forma imediata ao contrato comporta uma indesejável abertura de sentidos, um campo aberto e desprotegido, para que o aplicador do direito pudesse, no caso concreto (possivelmente, de modo arbitrário), determinar o que (ou como) seria, então, uma cláusula abusiva no contrato civil ou empresarial.

A opção contra essa discricionariedade, como já dissemos, caminha no sentido da construção de proposições que permitam uma progressiva generalização das cláusulas abusivas, fundamentando-se nos limites da integridade do direito e dos preceitos normativos aplicáveis a transposição, para os contratos civis e empresariais, de cada hipótese de aplicação desse instituto, que é típico do direito do consumidor.

Esse processo de generalização das cláusulas abusivas é um fenômeno atual e inevitável. Portanto, a questão a se definir é qual o alcance, ou quais os limites dessa aplicação. Isso perpassa toda uma construção teórica em torno dessa generalização, como, a própria conceitualização de cláusula abusiva, e, principalmente, a formulação de adequadas proposições que permitam essa aplicação do instituto das cláusulas abusivas, sem se apelar para a discricionariedade, sustentado-a em preceitos da Lei e da Constituição.

Considerando as limitações do presente estudo, não se tem aqui, portanto, a pretensão de enumerar quais seriam tais hipóteses de aplicação, o que se pretende é tão somente investigar qual seria o caminho adequado para se identificar essas hipóteses.

Com efeito, o problema da (in)segurança jurídica, que envolve a questão da discricionariedade judicial, é sem dúvida o ponto crucial neste processo de generalização das cláusulas abusivas, justamente por haver um considerável risco de ocorrerem equívocos na aplicação deste importante instituto, o que poderia redundar num indesejável esvaziamento da autonomia da vontade, a qual, não obstante a nova ordem principiológica vigente nas relações contratuais, continua sendo um dos postulados fundamentais dos negócios jurídicos.

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De fato, as relações contratuais da atualidade são complexas, desequilibradas e produtoras de constantes inovações, tanto nos campos econômico, social e político, como no aspecto jurídico, evidente e consequentemente. Afinal, a ciência jurídica evolui de acordo os modelos sociais vigentes em cada época e lugar.

Com isso, irrefutável é a constatação de que, diante de toda essa complexidade, a Constituição, com seus princípios normativos e com as diretrizes firmadas pelos direitos sociais fundamentais, representa o caminho adequado para uma compreensão construtiva, integradora e unificadora de todo o conteúdo jurídico da relação contratual em tempos atuais.


ABSTRACT

This study discusses the matter of generalization of the norms on abusive clauses disposed in the Code of Consumer Protection. It is proposed, initially, an analysis of normative references as the general clauses of the Civil Code, and constitutional principles, such as solidarism and social justice, so that it is concluded that this hypothesis would have as the foundation of application the constitutional principles from which stems the social function of contract. Then, it is discussed the problem of semantic extent of the general clauses of the Civil Code, from which come the problem of discretionary in the immediate application of these norms, which appears incompatible with the requirements imposed by democratic constitutional order. Finally, investigates the issue of conditions of possibility of the incidence of abusive clauses in civil law and business contracts, considering a progressive generalization of this institute typical of consumer law, transcending so your original scope of application.

Keywords: Contractual liberty. Social function of contracts. Abusive clauses.


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Notas

[1]    Assim prescrevia a Lei IX da Tábua Terceira da Lei das XII Tábuas: “Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos  pedaços quantos sejam os credores, não importado cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.” (MEIRA, 1972, p. 169).

[2]    Art. 421, Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” (BRASIL, 2012).

[3]    Art. 51, Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]” (BRASIL, 2012).

[4]    O Código Civil Francês de 19804, o primeiro grande código, foi considerado o Código da Burguesia por ter atendido aos interesses e às aspirações dessa classe. Fundou-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. Tal foi sua importância que influenciou na codificação civil de vários países, inclusive na elaboração e, posteriormente, na interpretação do Código Civil Brasileiro de 1916. ( GOMES, 1997, p. 10)

[5]    A doutrina da "Drittwirkung der Grundrechte" nasceu na Alemanha, na década de cinquenta, e foi formulada por Hans Carl Nipperdey, juiz e prestigioso especialista em direito civil e do trabalho.(GUEDES, 2012, p. 11)

[6]    Trecho do acórdão do Recurso Extraordinário 201.819, do Rio de Janeiro, constante do informativo nº 405 do Supremo Tribunal Federal – STF, 2005. (RAMALHO, 2011.)

[7]    Termo frequentemente utilizado pelo Professor Lênio Streck, conforme se observa nas obras do autor citadas neste artigo.

[8]    Art. 93, IX, CF/88: “As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.” (BRASIL, 2012).

[9]    Art. 166, VI, CC: “é nulo o negócio jurídico quando: […] tiver por objeto fraudar lei imperativa”.

[10]  Cf. STRECK, 2010, p. 113, nota 119.

[11]  Em sua teoria pura, Kelsen sustenta que o Direito a se aplicar consiste numa moldura dentro da qual existem várias possibilidades de interpretação/aplicação, de maneira que todo ato que se mantenha dentro desta moldura, preenchendo-a em qualquer sentido possível, seria conforme o Direito, ou seja, qualquer decisão dentro da moldura seria válida e, portanto, legítima. (KELSEN, 1998. p. 247).

[12]  Art. 187, CC: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

[13]  Art. 5º, da Lei de Introdução às Normas de Direto Brasileiro: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” (BRASIL, 2012).

[14]  Art. 157, CC: “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

[15]  Para Heidegger a essência da verdade é sempre algo encoberto e sua busca consiste em um contínuo processo de desencobrimento, em uma luta constante com a não-verdade, a qual sempre se põe junto nesse processo de busca pela essência da verdade. (Cf. HEIDEGGER, 2007, pp. 249 e 270.) 

[16]  A teoria do diálogo das fontes, de origem alemã, é desenvolvida no direito brasileiro pela Professora Claudia Lima Marques, com ênfase no diálogo entre direito civil e do consumidor. Cf. Marques, 2004, p. 34-67.

Sobre o autor
Luis Alberto da Costa

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luis Alberto. O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3247, 22 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21835. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado no livro "A constitucionalização do direito privado: o Estado Democrático de Direito e as novas perspectivas jurídicas nas relações privadas". Organizadoras: Paula Maria Tecles Lara e Renata Furtado de Barros. Raleigh, Carolina do Norte, Estados Unidos da América: Lulu Publishing, 2012, pp. 497-534. Obra organizada e coordenada pela Academia Brasileira de Produção Jurídica Discente.

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