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Por que não aplicar o princípio da insignificância ao porte de drogas para consumo dentro de organizações militares?

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Agenda 17/07/2012 às 09:52

3 BENS JURÍDICOS DIFERENTES

A teoria da tipicidade conglobante foi sistematizada pelo Doutor Eugenio Raúl Zaffaroni, Ministro da Suprema Corte Argentina e professor da Universidade de Buenos Aires. Ela tenta mostrar que a tipicidade de um fato não deve ser enquadrada apenas em um dispositivo, independente do ordenamento jurídico, não bastando que o jurista veja o caso concreto sob o foco de apenas uma norma penal. A conduta deve ser observada englobando todo o ordenamento legal.

Essa teoria diz que se uma conduta é fomentada pelo Estado ou permitida por outra norma, não deve ser nem considerada típica, mesmo que posteriormente ela possa ser eliminada na figura da excludente de ilicitude ou da excludente de culpabilidade.

Alongando mais o entendimento dessa teoria, observa-se que a intenção dessa inovação é que a conduta seja analisada na ótica de todo o ordenamento jurídico, considerando o fato em relação a todas as normas e preceitos que regulam as condições envolvidas. Não basta observar uma norma e concluir tudo apenas focando o que está tipificado nela.

Assim entende Capez (2008, p. 197): “O direito é um só e deve ser considerado como um todo, um bloco monolítico, não importando a sua esfera (a ordem é conglobante).”

Isso reforça o entendimento que o bem jurídico protegido pelo art. 290 do CPM não é apenas a saúde do próprio militar que usa a substância entorpecente, como acontece no art. 28 da lei 11343/06. O CPM foi criado para tratar de forma diferente os fatos considerados crimes militares e para proteger outros bens jurídicos como: a hierarquia, a disciplina, a regularidade da instituição militar, a sua eficiência e a própria existência das Forças.

Em alguns pontos, o tratamento entre as condutas militares diferem do tratamento das condutas comuns. Por exemplo, a norma magna traz a importância da proteção dos bens jurídicos das Forças Armadas, admitindo, inclusive, a prisão disciplinar, emanada por autoridade militar competente, conforme art. 5º, LXI:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (www.planalto.gov.br)

Ela mostra que o militar, caso cometa uma transgressão disciplinar prevista no Estatuto dos Militares (lei 6880/80), poderá ser preso sem um processo judicial. Haverá um procedimento administrativo que comprove a transgressão militar cometida. Isso mostra a necessidade da manutenção da hierarquia, da disciplina e uma pronta resposta aos demais componentes da Unidade, evitando uma subversão à ordem e mantendo a regularidade de funcionamento, para não comprometer a própria existência das organizações militares.

Nesse sentido, Pedro Lenza (2007, p. 641): “Assim, os superiores hierárquicos e o Presidente da República, como chefe maior, com base na hierarquia e na disciplina, poderão aplicar sanções disciplinares de natureza administrativa.”

Imaginem a seguinte situação: Um militar está de serviço de guarda na 1ª Companhia de Fuzileiros do Batalhão da Guarda Presidencial. Durante seu horário de descanso, resolve consumir pequena quantidade de cocaína. Depois, pega o seu fuzil e toma seu posto de vigilância, conforme determinação do sargento comandante da guarda. O oficial-de-dia passa em ronda e vê o soldado sentado com o fuzil pendurado, sem cumprir as determinações impostas ao serviço. O oficial chama a atenção do soldado. O que poderá acontecer? Será que o soldado poderá atirar? Será que alguma reserva de armamento poderá ter sido invadida? Caso o crime organizado invadisse o quartel e o soldado tivesse que empregar o armamento, será que teria condições?

Outra: Um oficial está cumprindo o serviço de guarda ao Palácio do Planalto e resolve cheirar uma pedra da substancia conhecida vulgarmente como “crack”. Será que ele tem condições de comandar a tropa em tão importante missão? Será que ele pode ter um comportamento agressivo e até mesmo atirar em alguma autoridade que compareça a residência oficial do Presidente da República?

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Outra: o soldado cumpriria a ordem de um sargento visivelmente drogado? Haveria respeito por parte dos subordinados para com o superior hierárquico nesse caso?

As situações mostram que os bens protegidos pelo direito penal comum não são os mesmos protegidos pelo direito penal militar, mesmo quando a norma tipifica na lei condutas aparentemente semelhantes, pois deverão ser considerados os bens jurídicos protegidos pelas instituições militares.

Deverá haver a ponderação de valores e princípios, pois nenhum princípio jurídico é absoluto. Os princípios devem ser analisados em cada caso concreto, como já afirmou a própria corte suprema brasileira.


CONCLUSÃO

Diante dessas considerações, a conduta de portar drogas dentro de um aquartelamento não ofende apenas a saúde do próprio militar, mas também os maiores bens jurídicos formadores das instituições Militares: a hierarquia e a disciplina.

Consequentemente, essa conduta, ao abalar os pilares de todo um sistema, acaba prejudicando a própria regularidade do funcionamento da Força, desestruturando e desorganizando a unidade. Acaba trazendo a indisciplina, o perigo, a ineficiência, possíveis revoltas armadas e outras mazelas decorrentes da queda dos princípios básicos.

Ao ser aplicado o princípio da insignificância em fatos dessa natureza, está sendo desconsiderando toda a Força Armada, pois é inconcebível a existência de uma estrutura sem a sua base, sem a sua crença, sem seus valores.

Portanto, em consonância com a última decisão proferida pelo STF e discordando de parte da doutrina, o princípio da insignificância não deve ser aplicado aos casos em que militares portam drogas para consumo dentro dos quartéis. Não deve ser aplicável, tendo em vista o não atendimento das próprias condicionantes de tal princípio a serem analisadas e a maior valoração que deve ser dada aos princípios constitucionais imprescindíveis à existência do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.


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Sobre o autor
Rodolfo R T Menezes

Juiz Federal da Justiça Militar da União, Professor e Palestrante. Ex-Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e Ex-Oficial de Carreira do Exército Brasileiro. Especialista em Gestão de Sala de Aula em Nível Superior, em Gestão de Polícia Civil, em Direito Penal, em Direito Público e em Operações Militares na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO) e em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Curso de Formação de Magistrados, de Progressão Funcional de Delegado de Polícia e de Operações na Selva (CIGS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Rodolfo R T. Por que não aplicar o princípio da insignificância ao porte de drogas para consumo dentro de organizações militares?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3303, 17 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22231. Acesso em: 22 dez. 2024.

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