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O prequestionamento ficto nos recursos excepcionais

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Agenda 02/08/2012 às 14:10

3. Fundamentos favoráveis ao prequestionamento ficto

Entre as duas soluções possíveis para o problema, acredita-se que a solução adotada pelo Supremo Tribunal Federal (prequestionamento ficto) é a mais adequada.

Não é novidade a demora na prestação jurisdicional, decorrente da quantidade elevada de processos, resultando em uma demanda incompatível com a atual estrutura administrativa do Poder Judiciário brasileiro.

Alguns anos podem demorar entre a interposição de um recurso especial e o seu julgamento definitivo. Nas hipóteses em que o órgão jurisdicional se recusa a examinar a questão federal, exigir que dois recursos sejam interpostos (um apenas para preencher o requisito do prequestionamento e outro para julgar a questão de fundo) significa duplicar o tempo de demora na prestação jurisdicional. Essa conclusão não parece atender aos princípios da duração razoável do processo e da economia processual, assim como parece ir de encontro com a função instrumental do processo.

3.1. Duração razoável do processo

A emenda constitucional 45/2004 incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, positivando o princípio constitucional da duração razoável do processo, nos seguintes termos: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.  

Sobre o princípio, assim ensinam José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier:

“a garantia de razoável duração do processo constitui desdobramento do princípio estabelecido no art. 5º, XXXV, da CF/1988, já que a tutela a ser realizada pelo Poder Judiciário deve ser capaz de realizar, eficazmente, aquilo que o ordenamento jurídico material reserva à parte. E eficaz é a tutela jurisdicional prestada tempestivamente, e não tardiamente”[23].

É importante, contudo, não confundir duração razoável, com duração célere. A efetividade do processo depende de uma duração “razoável”, a qual não se confunde apenas com celeridade, mas significa celeridade conjugada com qualidade na prestação jurisdicional. De nada adianta um julgamento às pressas, sem o exame técnico e cuidadoso que se espera do Judiciário.

O prequestionamento ficto é exemplo de uma solução que traz celeridade sem prejudicar a qualidade da prestação jurisdicional. A recusa do tribunal a quo em examinar a questão federal suscitada pela parte não influi na qualidade da análise a ser realizada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria federal impugnada.

Portanto, admitir a tese do prequestionamento ficto é, em primeiro lugar, buscar a razoável duração do processo e a prestação de uma tutela efetiva ao jurisdicionado.

3.2. Economia processual

O princípio da economia processual consiste na busca pelo “máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividade jurisdicional”[24].

O princípio se desdobra em dois aspectos: economia de processos (o que se efetiva por meio do litisconsórcio, cumulação de pedidos. conexão e continência, reconvenção etc.) e economia de atos e formalidades. Por este último aspecto, admite-se, por exemplo, a não realização de audiências inúteis (art. 331, §3º, do CPC), a não produção de provas inúteis (art. 130 do CPC) e a possibilidade de julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC).

Na mesma linha de raciocínio, pode ser considerado um ato inútil a interposição de um prévio recurso especial com o objetivo único de preencher o requisito de admissibilidade de outro subsequente, quando tudo pode ser resolvido com apenas um recurso, desde que admitida a tese do prequestionamento ficto.

3.3. A função instrumental do processo

O princípio da instrumentalidade das formas é utilizado no âmbito das nulidades processuais. Visa à conservação do ato processual, ainda que eivado de nulidade, desde que atinja seu objetivo e não traga prejuízo. Parte-se da premissa de que o processo não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento que tem a função de efetivar o direito subjetivo material da parte.

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Se o recorrente pede, em embargos declaratórios com o fim de prequestionamento, o complemento de um julgado que é omisso, e estes são rejeitados, ocorre um erro de procedimento no julgamento dos embargos. E o erro de procedimento configura um vício que enseja a anulação do ato processual. No entanto, a correção deste ato não mudará o curso do processo, eis que o complemento do acórdão recorrido não terá o condão de influenciar no julgamento do recuro especial pelo Superior Tribunal de Justiça. A correta aplicação e interpretação do direito objetivo federal deverá ser a mesma, independentemente de ser ou não sanado o vício da omissão. Daí porque o retorno dos autos à instância inferior para o complemento do julgado torna-se um ato totalmente desnecessário, que acaba por desprestigiar a função instrumental do processo, com a repetição de um ato dispensável, por mero apego ao formalismo.


4. Tendências do prequestionamento ficto no futuro

O projeto de Lei 8.046/2010, do novo Código de Processo Civil, em tramitação na Câmara dos Deputados, se for aprovado sem mudanças na atual redação do artigo 979, consolidará a tese do prequestionamento ficto.

Preceitua o artigo 979 do projeto que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade“.

Na exposição de motivos, consta que toda a alteração no sistema recursal, na qual se inclui a opção pelo prequestionamento ficto, tem como objetivo proporcionar a simplificação, bem como a obtenção do maior rendimento possível de cada processo.


5. Conclusão

O prequestionamento é um requisito de admissibilidade específico dos recursos excepcionais, que encontra fundamento teórico na própria finalidade desses recursos (manter a integridade e uniformizar a interpretação das normas constitucionais e federais). É consequência direta da limitação do efeito devolutivo, em razão de seu restrito cabimento: somente são devolvidas matérias de direito, já apreciadas pela instância inferior.

No que concerne à sua aplicação prática, quanto à caracterização do prequestionamento, há divergência de entendimento entre Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Enquanto este admite o prequestionamento implícito (basta a análise da tese da matéria federal supostamente violada), a Corte Suprema exige o prequestionamento explícito (é necessária a menção expressa à norma constitucional supostamente violada).

A jurisprudência tem admitido a dispensa de prequestionamento nas hipóteses de terceiro prejudicado, mas, por outro lado, divergindo da doutrina, tem exigido o prequestionamento nos casos em que a violação surge no próprio acórdão impugnado.

Há controvérsia quanto à hipótese de dispensa de prequestionamento nos casos de matéria de ordem pública. Prevalece o entendimento de que a matéria de ordem pública não prequestionada somente poderá ser analisada caso o recurso supere o juízo de admissibilidade, ainda que por outro fundamento. Em síntese, é preciso que outra matéria esteja prequestionada para permitir a abertura da instância extraordinária e consequente possibilidade de exame da matéria não prequestionada, o que pode ocorrer por força do efeito translativo dos recursos.

Quanto ao problema verificado nos casos em que o tribunal recorrido se recusa a apreciar a matéria impugnada, há nova divergência entre Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Para ambos os Tribunais, é indispensável a oposição de embargos de declaração com o fim de prequestionamento. No entanto, a Corte Suprema admite o chamado prequestionamento ficto. Assim, caso o Tribunal a quo rejeite os embargos de declaração, considera-se preenchido o requisito, eis que o prequestionamento é considerado um ato da parte. Já para o Superior Tribunal de Justiça, o prequestionamento é um ato jurisdicional, que não se aperfeiçoa apenas com o pedido da parte para que o Tribunal aprecie a matéria. É preciso que o órgão jurisdicional a examine efetivamente. Por isso, a solução é interpor um prévio recurso especial alegando ofensa ao artigo 535, II, do CPC, o qual, sendo provido, forçará o Tribunal a quo a apreciar a questão, preenchendo o requisito. Somente após o complemento do julgado é que será admissível o recurso especial para impugnar a matéria principal da causa.

Entre as duas soluções, conclui-se que o prequestionamento ficto é o que mais atende aos princípios da duração razoável do processo e da economia processual, bem como à função instrumental do processo. Isso porque a interposição de dois recursos especiais implica em duplicar o tempo de demora na prestação jurisdicional, sem uma necessidade plausível. O fato de se considerar prequestionada a matéria apenas com o ato da parte não prejudicará a análise da questão por parte do Tribunal Superior competente. Ademais, ainda que possa se cogitar de nulidade do julgamento dos embargos rejeitados pelo Tribunal a quo, este ato não trará prejuízo, eis que o julgamento do recurso excepcional atingirá os objetivos do processo de qualquer forma.

É nessa linha de pensamento que foi elaborado o projeto do novo Código de Processo Civil, o qual, se aprovado e convertido em Lei, tornará pacífica a escolha pela solução do prequestionamento ficto.

Vivemos tempos em que a efetividade processual, infelizmente, ainda é uma carência do jurisdicionado, por diversas causas, de variados níveis de dificuldade de resolução. O desapego ao formalismo processual desnecessário ainda é uma das soluções de maior custo-benefício, pois, diferentemente de outras, que exigem altos investimentos de pessoal, dinheiro e material, esta exige apenas uma simples mudança de comportamento. Nessa conjuntura, adotar a tese do prequestionamento ficto se apresenta como um meio eficiente de contribuição na busca por uma jurisdição eficaz, em que se conjuga qualidade com celeridade.


Referências

[1] Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pellegrini Grinover; Antonio Carlos de Araújo Cintra, Teoria Geral do Processo, p. 80-81.

[2] Por exemplo, os embargos de declaração, que possuem finalidade de esclarecer e integrar a decisão e são analisados pelo próprio órgão prolator da decisão.

[3] José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 580-583.

[4] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, vol. 2, p. 90-91.

[5] Outra diferença que pode ser apontada consiste nas questões apreciadas. No âmbito dos recursos excepcionais somente podem ser devolvidas questões de direito, sendo vedada a reapreciação de questões fáticas (súmulas 279 do STF e 7 do STJ)

[6] Os embargos de declaração e os embargos infringentes também possuem efeito devolutivo restrito. Nesse sentido: Rogério Licastro Torres de Mello, Atuação de ofício em grau recursal, p.233.

[7] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, vol. 2, p. 91.

[8] Comentários ao Código de Processo Civil, p. 263.

[9] Larissa Pinheiro Quirino. Uniformização do entendimento jurisprudencial sobre o prequestionamento ficto como meio de efetivar a instrumentalidade do processo, item 3. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21294>.

[10] Fundamentos do processo civil moderno – Tomo II, p. 1031.

[11] AgRg no REsp 1.127.209/RJ, 6ªT, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 15/05/2012.

[12] AgRg no AI 735.115/RS, 1ªT, rel. Min. Dias Toffoli, j. 10/04/2012.

[13] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, vol. 2, p. 156.

[14] REsp 1.242.099/PR, 2ªT, rel. Min. Castro Meira, j. 17/05/2012.

[15] REsp 1.106.804/PB, 4ªT, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 18/08/2009.

[16] AgRg no EDcl no REsp 1.304.093/SP, 2ªT, rel. Min, Humberto Martins, j. 17/05/2012.

[17] AgRg no Ag 1.429.250/PB, 1ªT, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 03/05/2012.

[18] EDcl no AgRg no REsp 1.137.059/SC, 6ªT, rel. Min. OG Fernandes, j. 13/03/2012.

[19] AgRg no Ag 1.357.618/SP, 4ªT, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 26/04/2011.

[20] EDcl no AgRg no REsp 1.043.561/RO, 1ªT, rel. para acórdão Min. Luiz Fux, j. 15/02/2011.

[21] Rogério Licastro Torres de Mello, Atuação de ofício em grau recursal, p.247.

[22] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, vol. 2, p. 156.

[23] Processo Civil moderno – parte geral e processo de conhecimento, p. 73.

[24] Ibidem, p. 61-62.


Bibliografia

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno – Tomo II. São Paulo: Malheiros, 2010.

______________; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2011.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil – volume 2 – processo de conhecimento (2ª parte) e procedimentos especiais. São Paulo: Saraiva, 2011.

MELLO, Rogério Licastro Torres de. Atuação de ofício em grau recursal. São Paulo: Saraiva, 2010.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

QUIRINO, Larissa Pinheiro. Uniformização do entendimento jurisprudencial sobre o prequestionamento ficto como meio de efetivar a instrumentalidade do processo. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3179, 15mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21294>. Acesso em: 16 jun. 2012.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Processo civil moderno – parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Sobre o autor
Alex Ravache

Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP; Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAVACHE, Alex. O prequestionamento ficto nos recursos excepcionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22335. Acesso em: 8 nov. 2024.

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