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Vinculação do juiz ao direito codificado

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Agenda 22/08/2012 às 14:52

6. Maneiras de obtenção de vinculação

6.1 Vinculação interpretativa

“Os chamados métodos de interpretação são, na verdade, regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientações para os problemas de decidibilidade dos conflitos”[20].

Os procedimentos clássicos de interpretação são estabelecidos com a finalidade de vincular a decisão jurídica, a saber: método exegético (gramatical), método lógico, método sistemático, método teleológico (finalístico) e método histórico-evolutivo[21].

Num primeiro momento, pode-se pensar que as escolhas dos juízes seriam mais restritas, pois ele só teria esses métodos hermenêuticos para se pautar. Porém, ao analisar um pouco mais o assunto em tela, vemos que a questão é bem mais complexa do que parece, visto que é ele quem vai escolher qual método vai usar. Isso já lhe dá certa liberdade.

Outra coisa: a preferência de um ou outro método pode levá-lo a diferentes conclusões e entendimentos sobre o mesmo caso, ficando a seu bel-prazer a escolha do rumo que sua decisão pode tomar. Ou seja, a vinculação interpretativa não garante uma estrita ligação à lei.

6.2 Vinculação jurisprudencial

Os chamados precedentes jurisprudenciais são fontes do direito muito importantes. A jurisprudência pode ser definida como um conjunto de sentenças afins sobre casos parecidos; decisões reiteradas que reforçam pontos de vista semelhantes.

Aftalión e Villanova[22] afirmam que a palavra jurisprudência pode ser empregada em dois sentidos: o primeiro sentido é equivalente à ciência ou conhecimento do Direito (iuris prudentia); o segundo, que prevalece na atualidade, se refere, em termos gerais, é o sentido concordante das resoluções dos órgãos jurisdicionais do Estado.

A jurisprudência pode funcionar como vinculador na medida em que pode ser usada para resolver casos análogos. Sendo assim, poder-se-ia pensar numa uniformização de decisões.

Esse pensamento é facilmente descartado se pensarmos que o juiz não tem que, necessariamente, seguir o que diz a jurisprudência em voga, embora isso o leve a fazer um trabalho argumentativo muito mais elaborado para defender seu ponto de vista.

Nesse sentido, Miguel Reale[23] ensina que:

“Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, as divergências que surgem entre sentenças relativas às mesmas questões de fato e de direito, longe de revelarem a fragilidade da jurisprudência, demonstram que o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador”.

E completa:

“A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito”[24].

6.3 Vinculação dogmática

A dogmática jurídica, no momento em que prescreve regras de decisão ao juiz, pode ser pensada como um elemento vinculador, devido a sua incumbência solidificadora e distinguidora. Ela facilita o trabalho de dirimir conflitos quando delimita as possibilidades de decisão.

É claro que, assim como as demais vinculações, esta não garante uma redução inexorável do juiz à lei, pois, do mesmo modo como dito anteriormente, o texto normativo não traz consigo todas as possibilidades de conflitos existentes e por existir: ele é, em certa medida, geral, fazendo com que o decididor possa interpretá-lo ultra legem.

6.4 Vinculação informal

Os precedentes jurisprudenciais e a dogmática jurídica, além de estabelecerem seus postulados de vinculação explícitos, também estipulam certos pontos vinculadores implícitos para o ofício do juiz.

Por exemplo: o código penal diz que a pena para o homicídio qualificado é de 12 a 30 anos, mas ele não diz qual a pena que deve ser dada a um determinado caso em que um sujeito de 19 anos que foi pago para matar um indivíduo através de uma emboscada e que confessou o crime quando foi preso. Temos um exemplo de homicídio duplamente qualificado [qualificadoras: artigo 121, § 2º, inciso IV: à traição (e por isso sem chance de defesa da vítima); e artigo 121, § 2º, inciso I: mediante paga ou promessa de recompensa] com duas atenuantes: artigo 65, inciso I: menor de 21 anos à época do fato; e artigo 65, inciso III, alínea ‘d’: ter confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime. Que pena estabelecer para essa pessoa?

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É aí que entra o trabalho do juiz quando estabelece a dosimetria da pena. Estudando os fatos a fundo e procurando saber com outros juízes a maneira de se portar diante de uma situação como esta é que poderá ser dada uma pena justa.

Essa vinculação informal traz consigo certa liberdade ao juiz, no momento em que é ele o responsável quantificar uma pena, levando em consideração o cálculo das consequências e a opinião de outros juízes mais experientes, sendo, sobretudo, a sua palavra a última.


7. Aspectos finais da vinculação ao direito codificado

É inegável que o juiz deve, em certa medida, ser vinculado ao direito escrito, seja esse direito advindo da lei em seus sentidos amplo, dogmático ou estrito, seja advindo da jurisprudência. É daí que tiramos a ideia de que não se pode decidir contra legem.

Mas também não podemos tolher a capacidade criativa de interpretação diante de uma norma. Quanto mais geral for a norma codificada, maior será a liberdade do juiz, e portanto, menor será a sua vinculação.


Referências Bibliográficas

Referência primária

HASSEMER, Winfried. Sistema Jurídico e codificação: A vinculação do juiz à lei. in: KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas; revisão cientifica e coordenação de António Manuel Hespanha; tradução de Manuel Seca de Oliveira. 2ª edição. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

Referências secundárias

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Notas

[1] ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à história do direito privado e da codificação. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2008. p. 18.

[2] Idem. p. 22.

[3] OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/3549>. Acesso em: 10 de maio de 2012.

[4] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 72.

[5] OLIVEIRA, Adriane Stoll de. Op. cit.

[6] ADEODATO, João Maurício. A construção retórica do ordenamento jurídico – três confusões sobre ética e direito. In: ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional – sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2008.

[7] STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem: uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito. R. CEJ, Brasília: n. 17, abr./jun. 2002. p. 120-124.

[8] ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica, para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 288

[9] STRUCHINER, Noel. Op. cit.

[10] Idem. Ibidem.

[11] ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica, para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 197

[12] KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. p. 218 – 282.

[13] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 72.

[14] NEVES. Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. Tradução do autor. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 57.

[15] OLIVEIRA, Luciano. Sua excelência o comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. 1ª Ed. São Paulo, 2004.

[16] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 74.

[17] ADEODATO, João Maurício. Adeus à separação de poderes? In ADEODATO. A retórica constitucional – sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 219.

[18] Idem. p. 221.

[19] Idem. Ibidem.

[20] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 286.

[21] BROCHADO, Mariá. Apontamentos sobre hermenêutica jurídica. Revista Jurídica Virtual. Presidência da República (Cessou em 2005. Cont. 1808-2807 Revista Jurídica (Brasília. Online)), v. 13. p. 227-262, 2011.

[22] AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introduccion al derecho: conocimiento y conocimiento cientifico, historia de la ideas juridicas, teoria general del derecho, teoria general aplicada. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988. p. 627.

[23] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 168.

[24] Idem. Ibidem.

Sobre o autor
Bruno Lopes de Santana

Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Bruno Lopes. Vinculação do juiz ao direito codificado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22462. Acesso em: 22 dez. 2024.

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