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O processo administrativo disciplinar da OAB não pode ser utilizado para calar a voz de um advogado.

Agenda 26/08/2012 às 16:44

Verificado que o envio de determinada representação à OAB tem o intuito de “calar a voz de um Advogado” ou que não se reveste dos mínimos pressupostos de admissibilidade, urge proceder ao seu arquivamento liminar, nos termos do artigo 51, §2º do Código de Ética e Disciplina.

O processo administrativo disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil não pode ser utilizado para punir Advogados com o fim de satisfazer interesses alheios à finalidade de preservação dos princípios éticos contidos na lei 8.906/94 e no Código de Ética. 

Nesse sentido, todas as tentativas de retirar a independência dos Advogados por meio de um uso indevido das representações disciplinares devem ser duramente reprimidas.

Manifestações como a do Ministro Joaquim Barbosa que na ação penal 470 propôs o envio de uma representação à OAB contra advogados que arguiram sua suspeição, apresentam-se como um grave desrespeito aos mais basilares princípios que constituem o Estado Constitucional e Democrático de Direito.  

Ademais, uma vez que se constate a existência de favorecimentos pessoais ou de perseguições políticas no desenvolvimento do processo administrativo disciplinar, impende-se que seja reconhecida a nulidade dos atos praticados, por desvio de finalidade.

Em outros termos, o objetivo do processo administrativo disciplinar da OAB não é o de intimidar os advogados que, fazendo uso de sua independência, não raro, desagradam aquelas autoridades que utilizam o poder que possuem de forma desregrada.   

Muito pelo contrário. A preservação da ética profissional, interpretada principalmente de acordo com os princípios positivados no artigo 2° do Código de Ética[1] representa o objetivo fundamental do processo administrativo disciplinar.

Talvez, alguém possa considerar que não é fácil reconhecer os desvios de finalidade praticados no contexto do Processo disciplinar. Todavia, o Relator do Processo pode contribuir significativamente para a diminuição desses abusos, ao determinar o arquivamento daquelas representações que não se revestirem das formalidades legais, uma vez que, tal como lembra Aury Lopes Júnior, a forma no processo penal é garantia[2].     

Nesse sentido, malgrado o processo disciplinar da OAB não exija um formalismo exacerbado, tendo em vista que normalmente os clientes são pessoas leigas, não é possível que representações sejam instauradas com base, tão somente, em manifestações de magistrados.

Com efeito, como conhecedores da lei os magistrados têm o dever de descrever uma conduta que, em tese, possa ser enquadrada num dos tipos do artigo 34° da lei 8906/94, ou em algum dos dispositivos do Código de Ética e Disciplina. Além disso, impende-se que o magistrado indique como pretende provar suas alegações, dado que sua palavra não goza de maior status do que a palavra de um Advogado.

Insta frisar, inclusive, que, conforme já decidiu o Conselho Federal, a palavra do Advogado possui a presunção de veracidade:

Arquivamento de representação. Prova precária não pode gerar punição. A palavra do advogado goza de presunção de veracidade, além do que, como qualquer cidadão, presumese constitucionalmente inocente (art. 5º, LVII, CF). Na dúvida, deve ser pronunciado o "non liquet". (Proc. 001.856/98/SCA-SP, Rel. Nereu Lima, j. 06.4.98,DJ 17.4.98, p. 845) Similar: - Proc. 001.865/98/SCA-RJ, Rel. Marcos Antonio Paiva Colares, j. 06.4.98, DJ 17.4.98, p. 845

Ao se fazer uma representação se está a imputar fato ofensivo, que poderá macular o maior bem que um Advogado possui, ou seja, a sua ética.           

Desta feita, por respeito à dignidade humana o mínimo que se espera é a descrição precisa do comportamento supostamente antiético e, sobretudo, do oferecimento de um mínimo lastro probatório.

Ao se proceder de acordo com o devido processo legal se afasta a pecha da desproporcionalidade do Processo Administrativo Disciplinar.

Consoante o artigo 41 do Código de Processo Penal, aplicável de forma subsidiária ao Processo Disciplinar da OAB (artigo 68° do EAOAB):

“A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Ao dissertar sobre como deve ser feita a denúncia João Mendes ensina que:

“A denúncia é uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção, e nomear testemunhas e informantes”[3]

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A mais abalizada doutrina acerca do Processo Administrativo Disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil se manifesta no mesmo sentido:

 (...) Também assegura que a acusação descreva uma conduta “tipo”, com as provas, ou ao menos indícios, da infração. Isto é, não podem ser aceitas acusações ou representações por simples suspeitas, presunções ou por “ouvir dizer”. [4]

Ante o exposto, uma vez verificado que o envio de determinada representação à OAB tem o intuito de “calar a voz de um Advogado”, tal como pretendeu o Ministro Joaquim Barbosa, ou que não se reveste dos mínimos pressupostos de admissibilidade, urge proceder  ao seu arquivamento liminar, nos termos do artigo 51, §2º do Código de Ética e Disciplina.


Notas

[1] Sobretudo, consoante aquele que determina que o Advogado é defensor da justiça e do Estado Democrático de Direito.

[2] Considerando que no Processo Administrativo Disciplinar da OAB se aplica de modo subsidiário o Código de Processo Penal (artigo 68 da lei 8906/94), impende-se reconhecer que o desrespeito à forma tipificada implica ausência do devido processo legal, conforme ensina o jurista Aury Lopes júnior: “Pensamos que a premissa inicial é: no processo penal, forma é garantia. Se há um modelo ou uma forma prevista em lei, e que foi desrespeitado, o lógico é que tal tipicidade gere prejuízo, sob pena de se admitir que o legislador criou uma formalidade por puro amor à forma, despida de maior sentido” . Aury Lopes júnior. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1130.

[3] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro. 1911. vol. II, p. 166. 

[4] CASTRO, Carlos Fernando Correa de Castro. Ética profissional e o exercício da Advocacia. Curitiba: Juruá, 2010, p. 106

Sobre o autor
Fernando dos Santos Lopes

Advogado. Instrutor no Setor de Processos Disciplinares da OAB/PR. Sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico IBDPE. Pós graduando em criminologia e política criminal no ICPC/Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Fernando Santos. O processo administrativo disciplinar da OAB não pode ser utilizado para calar a voz de um advogado.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3343, 26 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22495. Acesso em: 17 nov. 2024.

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