A massificação das relações, característica da sociedade de consumo, possibilita a ocorrência de práticas abusivas como a cobrança indevida, assim, o artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor dispõe que aquele cobrado indevidamente tem direito à repetição do indébito, em quantia igual ao dobro do que pagou em excesso, o que ocorre, numa conclusão lógica, quando um fornecedor/prestador de serviço cobra do consumidor em quantia já paga ou sequer contratada, em desacordo com o contrato firmado entre as partes.
Por quantia indevida, entende-se, essencialmente aquela já paga ou não contratada, ou seja, aquele valor devido, mas já quitado; um plus irregularmente acrescido a um valor legitimamente devido; ou completamente descabido porque não contratado, assim, mesmo que exista uma contraprestação realizada em função da cobrança, se aquela não foi expressamente solicitada pelo destinatário, não pode existir obrigação de pagamento.
Neste contexto, cumpre alertar que a cobrança de valores indevidos constitui uma mácula dentro do mercado de consumo, ameaçando a integridade e a segurança das relações massificadas sendo capaz de, em última análise, comprometer o ideal funcionamento do mercado, o que deve ser rechaçado pelos Tribunais.
Sobreleva notar, que o Código de Defesa do Consumidor instituiu um sistema de responsabilização objetiva dos fornecedores pelo fato do produto ou do serviço, retirando o elemento “culpa” dos requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil nas relações de consumo, o que deve ser aplicado, na mesma medida, para as hipóteses de cobrança indevida, vez que clara fonte de dano ao consumidor.
A cobrança indevida pode ocorrer por falhas operacionais ou por práticas comerciais duvidosas, devendo ser ressaltado que independente de o fornecedor ter efetuado uma cobrança indevida por erro ou a ter feito deliberadamente, faz nascer para ele à responsabilidade civil, se obrigando a reparar os danos gerados e a sofrer as sanções previstas na Lei Consumerista.
Uma cobrança indevida por erro é aquela em que o fornecedor, de forma inadvertida, cobra o consumidor por algo que já havia sido cobrado ou diverso do que contratado, como por exemplo, quando a companhia de energia elétrica que ao emitir a fatura cobra consumo superior ao que efetivamente o consumidor utilizou.
Quanto à cobrança indevida motivada por uma prática comercial lesiva ao consumidor, revela-se como atitude ainda mais grave, pois afronta o princípio mais importante do Direito do Consumidor, que é o princípio da boa-fé, onde se exige, tanto do fornecedor, como do consumidor, o dever de lealdade, podendo ter origem em qualquer prática comercial, por exemplo, uma publicidade enganosa, que induz o consumidor ao erro.
Neste sentido, não se poder perder de vista que a cobrança de débitos é um exercício regular de direito, todavia, deve ser feita de forma comedida, respeitando sempre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, assim, a Lei consumerista veda todas as formas de abuso praticado para se obter a quitação da dívida.
Ainda sobre o tema importante consignar que o Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, que participou da comissão de juristas formada para elaborar o anteprojeto do CDC, já deixou expresso em vários julgados o entendimento de que somente o engano justificável isenta o fornecedor/cobrador do pagamento em dobro, e este só ocorre justamente quando a falha não decorre de dolo ou culpa.
Na hipótese apontada, ante a discussão de dolo ou culpa, importa destacar que o Código de Defesa do Consumidor adotou a regra da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, conforme disposto no artigo 6º. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, sendo expresso quanto à inversão do ônus da prova, quando a critério do Juiz, for verossímil a alegação do consumidor lesado ou quando for ele hipossuficiente, cabendo, portanto, ao fornecedor/cobrador o ônus de comprovar a inexistência de dolo ou culpa.
De qualquer forma, o consumidor deve ficar atento a suas faturas e exigir correção dos valores cobrados indevidamente, inclusive acionando o Judiciário, caso o problema não seja resolvido pelo fornecedor. Se o consumidor deixar de pagar a cobrança indevida, não poderá ter o seu nome inscrito em cadastros de proteção ao crédito, como Serasa, por exemplo, sob pena de restarem configurados até mesmo danos morais.