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Casamento, um ato de loucura. União estável, o melhor dos regimes

Agenda 09/10/2012 às 16:20

Não professo o solteirismo, pois a felicidade conjugal é insubstituível. Mas a formalização do casamento é um ato de loucura. Confesso ser um doido varrido, pois casado sou. Deveria estar vivendo em eterna união estável, o suprassumo da bonificação e do deleite.

Não, não professo o solteirismo. Ao revés, creio que a felicidade conjugal é insubstituível. O que digo é que a formalização do casamento, se analisada do ponto de vista social atual, é um ato de loucura. Confesso ser um doido varrido, pois casado sou. Deveria estar vivendo em eterna União Estável, essa sim, o suprassumo da bonificação e do deleite. Concluo dessa forma pelo simples fato de que tal “regime” é prática reconhecida em qualquer Tribunal e a sua consideração não exige muitos requisitos. A jurisprudência é farta em exemplos:

AÇÃO CONSTITUTIVA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. INCLUSÃO DE COMPANHEIRA COMO DEPENDENTE PARA FINS DE PERCEPÇÃO DE PENSÃO POR MORTE. PROCEDÊNCIA. CONTEÚDO PROBATÓRIO A CONFIGURAR UNIÃO ESTÁVEL. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA REITERADA EM CONTRA-RAZÕES RECURSAIS. PRESCRIÇÃO E CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADAS. Tendo decorrido apenas dois meses entre a morte do segurado e o ajuizamento da ação, não há falar em prescrição. Reiteradas decisões desta Câmara e do 1.º Grupo Cível no sentido de que não se faz necessário, previamente ao ajuizamento da ação, o esgotamento da via administrativa. Ademais, a negativa do IPERGS, em juízo, à pretensão deduzida, deixa evidente que no âmbito administrativo o proceder seria o mesmo. MÉRITO. PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL. LAPSO TEMPORAL DA UNIÃO. Presente prova substancial a respeito da alegada união estável entre a autora e o servidor público falecido, é de ser julgada procedente a ação pela qual objetivava sua inclusão como pensionista do de cujus junto ao IPERGS. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA EXPLICITADA. (Apelação Cível Nº 70019162072, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 16/05/2007)

Ementa: UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E CONCESSÃO DE PENSÃO. EFEITOS DA SENTENÇA. Tendo a sentença reconhecido a existência da união estável e concedido à autora pensão previdenciária, o recurso interposto dispõe do só efeito devolutivo. Inteligência do inc. II do art. 520 do CPC. Agravo provido, por maioria, vencido o Des. Sérgio Chaves. (Agravo de Instrumento Nº 70008958340, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 08/09/2004)

 Na mesma quadra, basta revisitar novamente o entendimento dos Tribunais e teremos os motivos pelos quais se busca, em juízo, ver reconhecido dito vínculo: pensionamento entre os conviventes e filhos e pensionamento frente ao órgão previdenciário. No primeiro caso, nada a censurar, pois tais atos são motivados por benesses, um proveito pessoal e que circunda àqueles que a compõem.

Contudo, na segunda hipótese, creio que o benefício alcançado tem em contrapartida um decréscimo patrimonial de terceiros, impondo-se, neste último caso, atos comissivos, pois a omissão significa compactuar com fatos que não comungam com o viver em sociedade. Digo isso, porque, assim como não pode o Estado adentrar na esfera privada das pessoas, sobre interesses que somente a elas dizem respeito, creio que não pode tolerar alguns excessos que o instituto da União Estável tende a produzir.

 Suponhamos que um Procurador da República ou um representante da Advocacia-Geral da União analisasse o seguinte artigo (aqui reproduzido parcialmente e sem grifos no original):

Governo paga R$ 4 bilhões ao ano a filhas de militares

Os cofres públicos bancam pensões de 87.065 filhas de militares das Forças Armadas, criada há cinco décadas. Só em dezembro, elas custaram R$ 327,29 milhões, que representam em torno de 8,3% do total gasto com a folha de pagamento de pessoal (R$3,91 bilhões) do Ministério da Defesa. Considerando essa média mensal, o governo gasta, por ano, R$ 3,927 bilhões com essas pensionistas. Coincidência ou não, muitas das beneficiárias são solteiras convictas. Casadas perdem o benefício.

(...)

Parte das mulheres que não tiveram essa sorte, até hoje, mesmo morando com os parceiros – algumas delas mães de família –, prefere se privar do casamento formal a abrir mão da pensão. (...) O Estado de Minas entrou em contato com 10 filhas de militares que recebem o benefício, mas nenhuma quis dar declaração aberta à reportagem. Na condição de que não fosse identificada, uma delas, de 45 anos, saudável, moradora de Belo Horizonte, contou que vive com o companheiro há 10 anos e recebe uma pensão no valor de R$ 6 mil. Ela até chegou a se casar no religioso, mas não concretizou a união em cartório para não perder a pensão. Para cuidar melhor dos dois filhos, ela optou por não trabalhar.

 Considerando que União Estável, devidamente reconhecida, tem os mesmos efeitos que o casamento, caso o representante estatal ajuizasse ação declaratória de reconhecimento de tal regime, tudo para objetivar cassar a pensão concedida, o pedido seria procedente? Será que os mesmos Tribunais que afagam tal instituto, seriam realistas e o conteúdo prevaleceria sobre a forma?

 Outro caso: suponhamos que um Procurador da Fazenda, sabedor que o executado vive em União Estável e que o companheiro(a) deste é quem detém, em seu nome, os bens adquiridos na constância da União, poderia o representante do Exequente buscar, em ação incidental, o reconhecimento do instituto e, na sequência, a constrição destes bens (no caso em tela, somente a meação)? Será que os Tribunais agasalhariam a tese? Em ambas as situações apresentadas o bom senso, o equilíbrio, a isonomia e a reciprocidade impõem que tais ações sejam procedentes, pois do contrário o instituto será somente utilizado para auferir benefícios e nunca para prejudicar aquele que vive em União Estável.

Não se descure que o regime mostra-se bastante sedutor no que atine às ações estatais positivas. Cita-se, por exemplo, a política de juros diferenciada para famílias com orçamentos até determinado valor, na aquisição da casa própria (Programa Minha Casa, Minha Vida). Sendo realista, no ato cadastral, dificilmente o interessado se declarará vivendo em União Estável, visto que isso resultaria em aumento de renda, podendo ser onerado por isso. Agrega-se, ao exemplo, benefícios assistenciais, cujos requisitos, em sua maioria, levam em conta a renda familiar (ex. LOAS). Situação similar acontece com o amplo programa Bolsa-Família. Em todas essas situações não há dúvidas que a formalização do casamento é algo bastante pernicioso, pois age como agente multiplicador da renda, acarretando a exclusão de várias benesses fornecidas pelo Estado.

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Sendo assim, o reconhecimento do regime em comento, apesar de carregar consigo alguns avanços (questão do concubinato), de regra é prejudicial à sociedade, carregando consigo o germe da informalidade dentro de uma sociedade cada vez mais complexa e que exige segurança nas relações. Pontue-se que a união conjugal não deve ser tratada como algo religioso, divino ou cultural. Deve ser vista, unicamente, sob o enfoque contratualista, pois somente este interessa à sociedade.

Não se perda de vista que a efetivação do casamento, ou da própria regulamentação da União Estável, não é ato deveras oneroso, nem burocrático, motivos que poderiam induzir a prática da informalidade. Não se descure que as uniões homoafetivas, de inquestionável realidade e justeza, deverá receber o mesmo tratamento, ou seja, havendo a possibilidade da efetivação do casamento ou da regulamentação da união (ADI 4277), tanto deve assumir os bônus como os ônus que uma união conjugal acarreta. Pensar de forma diferenciada é criar uma camada social privilegiada, fato este inconcebível na sociedade atual.

Enfim, urge que os entes estatais, assim como o Judiciário, alinhem seus atos, nunca deixando de reconhecer os direitos que advém da União Estável. Contudo, deverão ter firme convicção de que os direitos, assim como as obrigações, estão em igual hierarquia. Renegar isso, é calcar aos pés princípios basilares do viver em sociedade e, de forma indireta, tornar o casamento um ato de loucura.

Sobre o autor
Leandro Brescovit

Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro. Casamento, um ato de loucura. União estável, o melhor dos regimes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22774. Acesso em: 21 nov. 2024.

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