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A AGU como função essencial à Justiça: autonomia funcional e independência coordenada

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Agenda 09/11/2012 às 16:32

Notas

[1] Sobre o tema, Aragão leciona: “No advento da Revolução Francesa, acreditava-se que apenas os órgãos da soberania popular, ou seja, os mandatários eleitos, poderiam levar a vida em sociedade a bom termo. Logo, porém, foi verificada a necessidade da criação de órgãos estatais com autonomia de gestão e independência funcional para, fora do círculo político-eleitoral, controlar e equilibrar as relações entre os titulares dos cargos eletivos para assegurar a observância dos valores maiores da coletividade. Surgiram, então, os poderes neutrais do Estado, que abrangem realidades díspares, desde as cortes constitucionais às agências reguladoras independentes, passando pelos tribunais de contas, conselhos com sede constitucional, etc.

O que há em comum a todos estes órgãos, que, sem dúvida possuem escala de autonomia variável, é o (1) caráter não eletivo do provimento dos seus titulares, (2) a natureza preponderantemente técnica das suas funções e (3) a independência, ou seja, a ausência de subordinação aos poderes políticos eletivos do Estado como forma de propiciar o (4) exercício imparcial das suas funções em relação aos diversos interesses particulares que estiverem em jogo, aos interesses do próprio Estado do qual fazem parte e à vontade majoritária da sociedade tal como expressa por seus representantes.

Estes poderes neutrais do Estado, infensos ao menos imediatamente às mudanças político-eleitorais, longe de serem antinômicos à democracia em razão da possibilidade de contradição com as forças políticas majoritárias, asseguram o pluralismo no seio do Estado sem retirar totalmente os poderes do Chefe do Poder Executivo e do Poder Legislativo. São, com efeito, uma feliz combinação do pluralismo com o princípio majoritário.

A Teoria dos Poderes neutrais não é nova, devendo grande parte da sua construção a BENJAMIN CONSTANT e a CARL SCHMITT. Todavia, a sua importância só veio a ser notada com maior intensidade pela pena da mais moderna doutrina alemã, sobretudo através de FICHTMULLER, italiana, com destaque para MICHELA MANETTI e SILVIA NICCOLAI, e espanhola, na qual JOSÉ MANUEL SALA ARQUER merece especial citação por seu pioneirismo, que livraram a Teoria dos Poderes neutrais das concepções autoritárias que permearam a sua origem, transformando-a em importante instrumento para a compreensão da complexidade estatal e social em que vivemos.” (ARAGÃO, O controle da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal à luz da Teoria dos Poderes Neutrais, item II, jul./set. 2003)

[2] “Desse modo, nestas categorias inovadas, identificam-se cinco tipos de funções neutrais constitucionalmente independentes, com suas respectivas atuações referidas à zeladoria, ao controle e à promoção e à defesa de interesses juridicamente protegidos, por esta razão, todas apropriadamente insertas na Carta Política brasileira em seu Título IV – Da Organização dos Poderes – como a seguir descrias e identificadas:

1º - funções neutrais constitucionalmente independentes de fiscalização contábil, financeira e orçamentária, voltadas explicitamente à tutela da legalidade, da legitimidade e da economicidade da gestão administrativa, e, implicitamente, também à tutela da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da gestão pública, categorizadas como atividades de zeladoria e de controle, cometidas ao sistema nacional de Tribunais de Contas;

2º - funções neutrais constitucionalmente independentes de controle da atuação administrativa e financeiras do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, de custódia da autonomia do poder judiciário, do cumprimento do estatuto da magistratura e da observância dos princípios da administração pública, de promoção de justiça em casos de crime contra administração pública e abuso de autoridade e atribuições correlatas, categorizadas como de zeladoria, controle e promoção de justiça e cometidas ao Conselho Nacional de Justiça;

3º - funções neutrais constitucionalmente independentes de controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais dos seus membros, de custódia da autonomia funcional e administrativa dessa instituição e da observância dos princípios da administração pública, e atribuições correlatas, categorizadas como de zeladoria e controle, cometidas ao Conselho Nacional do Ministério Público;

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4º- funções neutrais constitucionalmente independentes e definidas como essenciais à justiça, categorizadas como de controle, zeladoria e promoção de interesses juridicamente qualificados de toda natureza, cometidas, respectivamente, conforme a especificidade dos interesses, a quatro complexos orgânicos distintos: ao Ministério Público, à Advocacia de Estado, à Advocacia  e a Defensoria Pública;  e

5º - funções neutrais constitucionalmente de lei ou ato normativo federal (sic), bem como a concursos públicos de ingresso na magistratura, no ministério público e nas procuradorias dos estados e do distrito federal, cometidas à Ordem dos Advogados do Brasil.” (MOREIRA NETO, 2011, p. 26-27)

[3]   Em outro texto, mantendo a coerência de entendimento, Moreira Neto (1991, p. 20) define as Funções Essenciais à Justiça como “o conjunto de atividades políticas preventivas e postulatórias através das quais interesses juridicamente protegidos são identificados, acautelados, promovidos e defendidos por órgãos tecnicamente habilitados, sob garantias constitucionais”.

[4]   “Essas funções, como se indicou, também devem ser desempenhadas por agentes do Estado, mas que se distingam pelo exercício de competências constitucionais prioritariamente afetas ao interesse direto da sociedade, embora, sempre que legitimamente compatível, possam também estar afetas ao interesse do próprio Estado, em seus desdobramentos políticos e administrativos, constituindo-se, igualmente, como um segundo bloco constitucional de funções estatais neutrais.

[...]

Portanto, a teoria dos ‘poderes neutrais’ – que, mais apropriadamente, hoje assim não mais se definirão, mas como ‘funções neutrais’, em razão da própria unicidade do poder estatal, entendida não como uma neutralidade genérica, mas como uma neutralidade específica, ou seja, apenas restrita aos assuntos político-partidários – parte da constatação dessa paulatina erosão da legitimidade das assembléias políticas, as quais, muito embora formalmente eleitas, perdem legitimidade quando se trata de aferir, com imparcialidade e independência, a pletora de valores em constante concorrência nas sociedades contemporâneas” (MOREIRA NETO, Revista da AGU, 2011, p. 19-21).

[5] Modernamente há quem atribua à teoria da separação de Poderes duas dimensões, como o faz Canotilho (2003, p. 250): uma negativa, relativa ao controle e limites do poder (chamada de “divisão dos poderes”), servindo à garantia e proteção da esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos e evitando a concentração de poderes; e uma positiva, que vê a separação como constitucionalização, ordenação e organização dos Poderes do Estado, bem como impõe responsabilidades pelo seu efetivo exercício (chamada de “separação dos poderes”, em sentido estrito). Tratando dessa segunda concepção, ou seja, da relevância jurídico-constitucional da Separação dos Poderes, o autor aponta três princípios que seriam extraídos da referida teoria, a saber: a) o princípio jurídico-organizatório; b) o princípio normativo autônomo; e c) o princípio fundamentador de incompatibilidades (2003, p. 251-252).

[6] “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

[7] “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

[8]   Tal qual declinado por Costa et al, Luziânia Braga (2009, p. 341) cinde a expressão para definir o que significa ser “essencial à justiça”, e analisa cada um dos termos separadamente, verbis: “A palavra essencial há de ter significado jurídico: tais instituições não deveriam ser podadas, não poderiam deixar de existir. Pois sua inexistência mutilaria o Estado Democrático de Direito. Essencialidade repugna a subordinação a outra função do estado. A Advocacia-Geral da União não é essencial ao poder executivo. É função essencial ao Estado democrático de Direito, tanto quanto o poder executivo (e outras tantas funções) pode sê-lo.

No mais, a palavra Justiça não deve ser concebida como um resultado monopolizado pela função jurisdicional. ‘A justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar’. A Justiça é um benfazejo fruto a ser perseguido em toda emanação do poder estatal.”

[9] Sobre o tema Fernando Luiz Albuquerque Faria (2008, p. 12-13) leciona: “Além de criar essa Instituição destinada a agrupar toda a atividade de advocacia pública federal, o Constituinte de 1988 optou por prevê-la sob o manto do Título IV que trata da ‘Organização dos Poderes’, sem, todavia, incluí-la nos Capítulos I, II e III, referentes aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e sim fazendo constá-la dentro do Capítulo IV denominado de ‘Funções Essenciais à Justiça’, junto com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Privada, na Seção II relativa à ‘Advocacia Pública’.

Esse fato, conforme a ilustre Procuradora Federal Maria Jovita Wolney Valente, não teria a intenção de estabelecer um ‘quarto poder’, mas sim para que a Advocacia-Geral da União pudesse atender, com independência, aos três Poderes, tendo presente que, quando a Carta Magna fala em representação judicial da União se refere a todos eles e, inclusive, por decorrência lógica, às instituições públicas federais consideradas também funções essenciais à justiça (Ministério Público da União e Defensoria Pública da União) e que também fazem parte da entidade denominada ‘União’.”

[10] Trata-se de uma independência, no caso da atuação judicial, coordenada, consoante disposição expressa do art. 28, II da Lei Complementar n. 73/93, diferentemente do que se dá com o MP.

[11] Sobre a equivalência das posições ocupadas pelo Ministério Público e pela Advocacia Pública, José Afonso da Silva (2001, p. 12) leciona: “Isso significa, como aliás, já observara Tomás Pará Filho, no I Congresso Nacional de Procuradores de Estado, que, diante da tradição firmada em nosso sistema administrativo, a Advocacia Pública tem posição equivalente à do Ministério Público, tanto que ambas as funções foram sempre desempenhadas, na União, por uma única instituição, e, não só, mas até pelos mesmos membros. Portanto, nada há a estranhar quando a Constituição vigente distinguiu as atribuições de defesa da sociedade e do Estado, em instituições distintas: Ministério Público e Advocacia Pública (da União e dos Estados), tinha, como consequência, manter o princípio da equivalência entre os seus executores.”

[12] “A advocacia privada é a prestada por Advogados, em caráter particular, atuando na zeladoria, promoção e defesa de todos os interesses jurídicos, de modo geral, excetuando-se as atuações reservadas exclusivamente aos órgãos da advocacia pública (CF, art. 133). Esta, a advocacia de pública, é prestada organicamente na estrutura do Estado, através de órgãos unipessoais e funcionalmente independentes, subdividindo-se em três modalidades: a advocacia da sociedade, cometida ao Ministério Público (CF, art. 127), a advocacia de Estado, reservada expressamente à Advocacia-Geral da União, aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (CF, arts. 131 e 132) e, implicitamente, aos Procuradores autárquicos e fundacionais e aos Procuradores de municípios com investidura estatutária, e a advocacia dos hipossuficientes, confiada à Defensoria Pública (CF, art. 134).” (MOREIRA NETO, 2009,  p. 31)

[13] Diferentemente de Moreira Neto, Arnaldo Godoy (2011, p. 1) afirma que a defesa do Estado, no fracionamento de competências operacionalizado pela Constituição de 1988, compete ao Ministério Público, ao passo que à Advocacia Pública compete a defesa do governo, muito embora deva, esta última, sempre ter em mira o interesse público, verbis: “A Constituição de 1988 fracionou competências. E se ao Ministério Público incumbiu-se a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, à Advocacia-Geral da União determinou-se a representação da União, judicial e extrajudicial, bem como o assessoramento jurídico e a consultoria ao Poder Executivo. Ao primeiro, MP, a defesa do Estado e dos interesses indisponíveis; à segunda, AGU,  a defesa do governo, embora, bem entendido, sempre na mira do interesse público, revelado numa imaginária vontade geral, constatada no romantismo político de Rousseau.” (grifo nosso) (GODOY, 2011, p. 1)

[14] Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central.

[15] Referida coordenação é defendida por Dárcio Augusto Chaves Faria (1993, p. 32-33) como sendo um dos fundamentos a embasar a independência dos Advogados Públicos. Em breve resumo, o autor afirma que o Advogado não está subordinado ao administrador, mas está a ele vinculado por uma relação de coordenação, além disso afirma que nenhum Advogado está autorizado a atuar contra literal disposição de lei (art. 34, VI, da lei 8.906/1994), nem dar cumprimento a ordem manifestamente ilegal, mas, ao contrário, deve apresentar representação contra ilegalidades ou eventuais abusos de poder (art. 116, IV e XII, da lei 8.112/1990).

[16] Na verdade há uma coordenação hierarquizada como dispõe o Ato Regimental n. 08, de 27 de dezembro de 2002, em seu art. 1º, § 1º, IV: “Art. 1º Os Membros efetivos da Advocacia-Geral da União - AGU, integrantes das Carreiras de Advogado da União e de Procurador da Fazenda Nacional, e os Membros da Carreira de Procurador Federal, observadas as concernentes disposições constitucionais, e aquelas da Lei Complementar n. 73, de 10 de fevereiro de 1993, da Lei n. 10.480, de 2 de julho de 2002, e demais disposições pertinentes, exercerão a representação judicial e extrajudicial da União, de suas autarquias e fundações e as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, de competência da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal, nos termos e forma deste Ato Regimental.

§ 1º No desempenho das atribuições de seus cargos, os Membros efetivos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal observarão especialmente:

[...]

IV - as orientações dos seus superiores hierárquicos.”

[17] Essa distinção é declinada por Faria e Ferreira (2001, p. 27) que assim lecionam: “É dizer, Procuradores do Estado [ou Advogados Públicos Federais] têm autonomia funcional, protegendo sua atuação contra a interferência de pessoas ou instituições de fora da Procuradoria Geral do Estado [ou da Advocacia-Geral da União]. A independência funcional consiste na liberdade no exercício da atuação do Procurador, sem intervenção de outros órgãos ou membros da própria instituição.” Como visto, essa última hipótese, com rigor, não corresponde à realidade vivenciada pelos membros da AGU.

[18] “O Advogado Público tem o direito, como cidadão, de discordar dessas políticas. Eu diria até que ele tem o dever se esta for a sua convicção pessoal. Todavia, tem ele o dever funcional de se engajar na promoção e na preservação dessas políticas, desde que elas se mantenham dentro dos marcos da Constituição e das leis em vigor.” (BINENBOJM, 2010, p. 02)

[19] Essa independência surge quando não há orientação, parecer ou súmula da AGU a nortear o entendimento jurídico da instituição.

[20] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/SISTEMAS/SITE/PaginasInternas/NormasInternas/ListarAtos.aspx? TIPO_FILTRO=Pareceres>. Consulta em 24 jun. 2012.

[21]  O Parecer n. GQ-24/1994 foi aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente com o despacho presidencial, o que lhe confere efeito vinculativo relativamente a toda Administração Pública Federal, nos termos do art. 40, § 1º da Lei Complementar n. 73/93, in litteris:

 “Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.”

[22]  Sustentando essa tese, Alexandre Magno Fernandes Moreira de Aguiar (2009, p. 56) leciona: “Ora, a legalidade dos atos administrativos deve ser verificada exatamente por aqueles profissionais qualificados para o mister: os Advogados Públicos. Essa verificação é exatamente o controle interno dos atos administrativos, previsto expressamente pela Constituição (art. 74). Antes, durante ou mesmo depois da expedição desses atos, é indispensável que o Advogado público verifique sua legalidade. Para o efetivo exercício do controle interno, é indispensável que exista independência do profissional que o realize, sob pena de se tornar suscetível a pressões políticas em sentido contrário ao prescrito no ordenamento jurídico.” 

Sobre o autor
Filipo Bruno Silva Amorim

Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. A AGU como função essencial à Justiça: autonomia funcional e independência coordenada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3418, 9 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22977. Acesso em: 22 dez. 2024.

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