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Formas de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade

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Agenda 03/02/2013 às 08:59

No estágio em que se encontra o constitucionalismo atual, reconhece-se que toda questão jurídica sobre a constitucionalidade de uma norma deve ser tratada de forma abstrata, visando a supremacia da Constituição.

Resumo: O presente artigo faz análise jurídica das formas de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Tais formas ou instrumentos são de três espécies: a resolução do Senado Federal, a teor do que dispõe o artigo 52, X, da Constituição Federal; a súmula vinculante; a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso. A reboque ou como premissa da análise desses instrumentos, externou-se nesse artigo considerações sobre o sistema de controle de normas brasileiro, bem como sobre o que vem a ser a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.

Palavras-chave: Controle difuso. Abstrativização.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do controle de constitucionalidade brasileiro. 1.1. Conceito. 1.2. Espécies de controle de constitucionalidade. 1.2.1. O controle preventivo. 1.2.2. O controle repressivo. 1.2.3. O controle de constitucionalidade concentrado. 1.2.4. O controle de constitucionalidade difuso. 2. A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. 2.1. A resolução do Senado Federal. 2.1.1. Finalidade. 2.1.2. Conceito. 2.1.3. Dos efeitos da resolução do Senado Federal. 2.2. A súmula vinculante. 2.2.1. Conceito. 2.2.2. Natureza jurídica. 2.2.3. Súmula vinculante como instrumento de abstração do controle difuso. 2.3. A teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso de constitucionalidade. Notas conclusivas. Referências bibliográficas.


Introdução

Controlar a constitucionalidade das normas é, nos dias de hoje, a mais importante função do Poder Judiciário pátrio, isto porque é assente a total relevância e força normativa das disposições constitucionais, em especial aquelas que se referem aos direitos e garantias fundamentais.

Desse modo, não se pode conceber norma jurídica que contrarie ou que não vá ao encontro do ideário previsto na Constituição e, a fim de evitar tal mal, existe o sistema de controle de normas.

Ocorre que o sistema de controle adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro é bastante confuso, pois permite a existência de decisões judiciais contraditórias (havidas no controle difuso), admitindo que determinada situação seja constitucional para uns e inconstitucional para outros, o que por certo não se coaduna com a nova compreensão sobre Direito Constitucional, que privilegia, entre outros aspectos, a força normativa e a supremacia do Magno Texto.

Visando suprimir tal discrepância, surgiu o fenômeno da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, que busca dar a ele o mesmo tratamento dado ao controle concentrado.

A exteriorização desse fenômeno se dá por três instrumentos: a resolução do Senado Federal, a teor do que dispõe o artigo 52, X da Constituição da República; a utilização da súmula vinculante; a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso.

A análise desses instrumentos se constitui no objeto desse modestíssimo arrazoado, que tem a pretensão de alcançar o seguinte objetivo: demonstrar o que são e como funcionam os instrumentos ora referidos, a fim de comprovar que a abstrativização do controle difuso é uma possibilidade jurídica.

Para bem cumprir nosso intento, o presente estudo foi elaborado com base nos métodos dedutivo e dialético.

No que se refere à estrutura, o trabalho foi elaborado em dois capítulos. No primeiro analisamos os aspectos do controle de constitucionalidade. Tal temática e deveras importante para a compreensão do vem a ser a abstrativização do controle difuso, servindo como estudo propedêutico para o total entendimento dos instrumentos abstrativizadores.

No segundo capítulo analisamos as espécies dos instrumentos abstrativizadores do controle difuso, buscamos demonstrar, conforme já dissemos, o seu conteúdo.

É preciso registrar, ainda, que o presente artigo é destinado aos acadêmicos de direito, motivo pelo qual procuramos usar linguagem e abordagem simples, mas sem ser simplista, caso contrário estaríamos prejudicando e não ajudando.


1 Aspectos gerais do controle de constitucionalidade brasileiro

1.1 Conceito

Chama-se controle de constitucionalidade o mecanismo pelo qual determinado órgão estatal faz a análise de um ato normativo para indicar se ele possui ou não compatibilidade com o Texto Constitucional, visando “impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição”, conforme lição de Michel Temer (1982, p. 28). Para Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta o controle de constitucionalidade é:“(...) o juízo de verificação da adequação vertical que deve existir entre as normas infraconstitucionais (leis, decretos, medidas provisórias, resoluções, etc) e a Constituição. Esse controle realiza-se sempre a partir de um exame comparativo entre o ato legislativo ou normativo impugnado e a Constituição.” (2007, p. 86).

Controlar a constitucionalidade, portanto, é apenas verificar se alguma norma é ou não constitucional, caso em que ela deixará de produzir efeitos.

O leitor mais atento já percebeu que esse mecanismo pressupõe a existência de uma lei suprema, hierarquicamente superior a todas as demais que compõem o ordenamento jurídico. Tal lei é a Constituição, que é o preceito fundamental do sistema, de modo que todos os demais comandos normativos devem respeitar os seus ditames, porque “é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo” (TEMER, p. 28).

Desse modo, a doutrina diz que dois são os tipos de parâmetros que a norma infraconstitucional deve respeitar: o formal e o material. Para melhor entendimento, é conveniente indicar o escólio de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2007, p. 25): “O parâmetro formal diz respeito às regras constitucionais referentes ao processo legislativo, vale dizer, aos meios constitucionalmente aptos a introduzir a normas no sistema jurídico. (...) O parâmetro material refere-se ao conteúdo das normas constitucionais. Assim, o conteúdo de uma norma infra-ordenada não pode ser antagônico ao de sua matriz constitucional. Por exemplo, em nosso país, onde a Constituição prescreve o direito à vida, a cominação de pena de morte para o cometimento de um crime (salvo a hipótese constitucionalmente prevista na alínea a do inciso XLVII do art. 5º) é, por evidente, inconstitucional.”

Ocorre que, mais necessário do que haver uma norma superior, é necessário que ela seja rígida, isto é, que seu processo de alteração seja mais difícil do que em relação às outras espécies normativas. A Constituição Federal do Brasil é rígida, conforme se detona de seu artigo 60.

Nesse sentido, esclarecedor é o entendimento de Pedro Lenza: “Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, lembramos a existência de uma constituição rígida. (...) Uma constituição rígida é aquela que possui um processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o processo legislativo de alteração das normas não constitucionais.” (2009, p. 149).

É dessa rigidez que surge a superioridade do Texto Maior em relação às outras normas, estabelecendo uma relação piramidal (ARAÚJO, NUNES JÚNIOR, p. 25), que se chama princípio da supremacia da Constituição.

Por tudo isso, não se pode conceber ato normativo em descompasso com a Constituição, contexto em que o sistema de controle da constitucionalidade de normas é um garantia de todos, pois evita que normas espúrias produzam efeitos.

1.2 Espécies de controle de constitucionalidade

De modo geral existem duas espécies de controle de constitucionalidade. Um chamado de controle preventivo e outro de repressivo.

1.2.1 O controle preventivo

Como se infere do próprio nome, preventivo é o controle que visa evitar a entrada, no sistema jurídico, de norma incompatível com o texto constitucional. Ele ocorre, em regra, durante o processo legislativo e é realizado pelos detentores do poder de legislar e pelo chefe do poder executivo (ARAUJO, NUNES FILHO, p.26). É por essa razão que a doutrina diz que o controle preventivo é o realizado por órgão político (TEMER, p. 29).

Assim, qualquer membro do Congresso Nacional, bem como qualquer comissão das casas legislativas, em especial as Comissões de Constituição de Justiça do Senado e da Câmara Federal, devem verificar todos os projetos de atos normativos a fim de constatar a sua compatibilidade com o texto constitucional. Em caso negativo, devem abortar o projeto ou sanar o vício.

O Poder Legislativo, portanto, faz o controle repressivo na fase de deliberação do projeto de qualquer espécie normativa. O Poder Executivo por sua vez, exercido pelo seu chefe, faz o controle repressivo pelo veto jurídico, pois sabemos que o Presidente da República, Governadores e Prefeitos podem vetar projetos alegando sua inconstitucionalidade.

É preciso dizer que o Poder Judiciário pode, excepcionalmente, participar do controle preventivo. Consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há somente uma hipótese de controle de normas preventivo exercido de forma jurisdicional e ocorre por mandado de segurança impetrado por parlamentar com vistas a barrar o processo legislativo de projeto cujo trâmite é vedado pela Constituição Federal.  

A esse respeito encontramos, na doutrina, o seguinte exemplo: “Assim, o § 4º do art. 60 da Constituição Federal veda a deliberação de emendas tendentes a abolir seus incisos. Portanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os parlamentares têm direito a não ver deliberada uma emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por cláusula pétrea. No caso, o que é vedada é a deliberação, momento do processo legislativo. A Mesa, portanto, estaria praticando uma ilegalidade se colocasse em pauta tal tema.” (ARAUJO, NUNES JÚNIOR. p.27).

Isso se dá porque o parlamentar tem o direito público subjetivo de participar de processo legislativo regular, razão pela qual, esse direito só é dado a ele, não se estendendo a terceiros. (LENZA, p. 168)

1.2.2 O controle repressivo

É essa a espécie de controle que tem mais relevância para o operador do direito, porquanto ela é exercida pelo Poder Judiciário e ocorre após a publicação da norma impugnada, razão pela qual a sua finalidade é expurga-la do sistema jurídico, pois não se admite a produção de efeitos por norma inconstitucional.

Essa espécie de controle se subdivide em outras duas espécies, conforme o tipo de análise a ser feita da norma impugnada. Assim, temos o controle de constitucionalidade concentrado, cujo órgão competente para sua análise é o Supremo Tribunal e o difuso, que é realizado por qualquer órgão jurisdicional. Diante disso, dizemos que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é do tipo misto ou híbrido.

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1.2.3 O controle de constitucionalidade concentrado

Esta espécie de controle, também chamada de controle abstrato de normas, processa-se por quatro ações: ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão), ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) e argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que foi introduzida no sistema jurídico pela Emenda Constitucional 3 de 1993. As ADI`s e a ADECON são regulamentadas pela lei 9.868/99. A ADPF está regulamentada pela lei 9.882 de 1999.

O pressuposto básico para o uso desses instrumentos processuais é a existência de uma norma dotada dos atributos da generalidade e da abstração, porque o controle “há que ter como objeto atos de conteúdo normativo, quer sejam eles veiculados por lei ou por outro instrumento, fato que, de logo, afasta do âmbito de incidência do controle concentrado as chamadas leis de efeitos concretos.” (ARAUJO, NUNES FILHO. p. 34).

Nessa forma de controle o que se analisa é o ato normativo em si, isto é abstratamente e não inserido em alguma situação concreta qualquer. Explicando isso, Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta assevera que: “(...) o controle abstrato de constitucionalidade é processo de natureza objetiva, em que é questionada a própria constitucionalidade de uma lei, não se admitindo a discussão de situações de interesses meramente individuais.” (Teoria da Constituição, Del Rey, 2007, p. 207).

Referido autor prossegue trazendo quatro características fundamentais do processo concentrado do controle de normas, que são: 1) é o Supremo Tribunal Federal o único órgão competente para julgar as suas ações, daí advindo a sua denominação, pois as ações se concentram num único tribunal; 2) as decisões do STF produzem efeitos erga omnes, isto é, aplicável a todos. Acrescentamos que também possui efeito vinculante; 3) por ser processo objetivo, não há pólo passivo nas ações, vedando-se intervenção de terceiros; 4) só podem propor as ações as pessoas e órgãos expressamente indicados no artigo 103 da Constituição Federal; (PIMENTA, 2007, p. 207-208).

Tais considerações se fazem importantes porque é nesse ponto em que reside a diferença entre o controle difuso e concentrado, conforme abordaremos em seguida.

Não abordaremos as ações que compõem esta forma de controle, já que, conforme visto em notas introdutórias não faz parte do seu objeto. Todavia, as noções apresentadas são importantes para que marquemos as diferenças entre uma e outra forma de controle.

1.2.4 O controle de constitucionalidade difuso

Diferentemente do concentrado, no controle difuso não se discute a lei em tese, mas sim um caso concreto qualquer, no qual a parte interessada instaura o incidente de constitucionalidade para afastar a aplicação de determinado ato normativo por reputá-lo inconstitucional.

Nesse caso, portanto, a declaração de inconstitucionalidade não é objetivo principal, mas apenas um meio para se chegar a um fim, daí chama-lo também de controle por via de exceção ou incidental (incedenter tantum)- é apenas um incidente em um processo qualquer que serve de condição para a análise do mérito da lide, razão pela qual qualquer juízo pode analisar o pedido. Nesse sistema, portanto, o controle de normas incumbe a todos os órgãos do Poder Judiciário.

Os efeitos da declaração incidental é, em princípio, diferente da declaração no controle concentrado. Aqui, a decisão fica limitada ao caso discutido em juízo e os efeitos são inter partes (faz coisa julgada entre as partes) e não vinculante, afinal a declaração de inconstitucionalidade é havida de um incidente em que se discute um caso qualquer.

Além disso, no controle difuso o ato normativo não é anulado, ou seja, ele não é expelido do ordenamento jurídico, apenas não é levado em conta no caso concreto. Assim, o ato normativo continua eficaz genérica e abstratamente, obrigando todo juízo a aplicá-lo normalmente.


2 A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade

Anteriormente analisamos o sistema de controle de normas e, no âmbito do controle repressivo, percebemos que a principal diferença havida entre o modelo concentrado e o difuso diz respeito aos efeitos que produz perante terceiros.

No sistema concentrado, o efeito é erga omnes e não pode deixar de ser, haja vista que o processo que discute a norma impugnada tem natureza objetiva.

Já o sistema difuso tem efeito inter partes, porque o processo que discute a norma impugnada tem natureza subjetiva. Ocorre que tal sistema tem uma peculiaridade muito importante: dele se pode extrair efeito erga omnes.

Para a consecução desse efeito, o sistema jurídico brasileiro efetivamente possui dois instrumentos: a resolução suspensiva do Senado Federal e a súmula vinculante. Há ainda uma terceira via, porém extremamente controvertida, aventada pela teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso.

Tais vias ou “instrumentos” aproximam o controle difuso do controle concentrado, abstrativizando-o.

Vejamos em pormenores os modos de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.

2.1 A resolução do Senado Federal

2.1.1. Finalidade

Em regra, a declaração incidental de inconstitucionalidade só se aplica às pessoas que fizeram parte do processo em que a questão foi discutida. Desse modo, todas as pessoas que não fizerem parte dessa lide devem se sujeitar à norma, porém muitas delas podem estar na mesma situação daquela parte que se aproveitou da declaração de inconstitucionalidade. Logo, tais pessoas também fazem jus à declaração e a rigor devem se socorrer da justiça, mas se assim fizerem ocorrerá uma avalanche de ações iguais, que só faria atrapalhar o Poder Judiciário, que ficaria incumbido de julgar demandas repetidas.

Visando evitar isso, a Constituição Federal de 1988 prevê, no inciso X de seu artigo 52, a possibilidade de o Senado Federal suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em decisão definitiva. 

Para melhor entendimento, pensemos na seguinte hipótese: determinada empresa quer se livrar da aplicação de um tributo por entendê-lo inconstitucional. Dita empresa, então, jurisdiciona a ação competente e instaura o incidente. O processo corre sua trajetória normal até, em sede de recurso extraordinário, chegar ao STF, que por maioria absoluta (art. 97 da CF/88) decide pela inconstitucionalidade do tributo, que é comunicada ao Senado Federal que, por resolução, poderá suspender a execução do tributo.

Resolvendo o Senado suspender a execução da lei instituidora (seja federal, estadual ou municipal) do tributo reputado inconstitucional, evitar-se-á a desnecessária repetição de demandas, além de privilegiar a supremacia da Constituição, porque se a norma é inconstitucional para um, há de ser para todos.

Visto dessa forma, tal instrumento tem a finalidade maior de garantir a segurança jurídica, impedindo a regulação de relações por normas viciadas.

2.1.2. Conceito

Mas, o que é e em que consiste dita resolução? Em boa síntese, Manoel Gonçalves Ferreira Filho nós dá a sua definição, afirmando que a resolução é “a deliberação que uma das Câmaras do Poder Legislativo, ou o próprio Congresso Nacional toma, fora do processo de elaboração das leis e sem ser lei” (2002, p. 199), que tem por fim regulamentar as matérias de competência privativa do Senado Federal dispostas no artigo 52 da Carta da República.

Desse conceito depreende-se o fundamento constitucional da resolução suspensiva. A Constituição Federal de 1988 deferiu ao Senado brasileiro, conforme vimos no inciso X de seu artigo 52, a competência privativa de suspender lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso e tal competência é exercida por resolução, nos termos do Regimento Interno no Senado Federal, pois o Magno Texto apenas contemplou uma única hipótese de resolução que em nada tem a ver com o presente estudo.

É importante dizer que o Senado Federal não tem prazo para exercer a sua competência suspensiva e isso se dá por duas razões. Primeira: a Constituição não estabeleceu prazo. Segunda: a resolução é ato discricionário de modo que o Senado atuará consoante conveniência e oportunidade.

Em se tratando de ato discricionário não há, portanto, sanção em caso de omissão do Senado Federal no que se refere à edição da resolução suspensiva. Tanto é assim que a Constituição em nenhum momento a previu.

Nesse sentido temos o entendimento de Clèmerson Merlin Clève: “A competência do Senado consiste em atividade discricionária de natureza política. Cuida a resolução suspensiva de ato político que empresa eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em caso concreto. Ao Senado cabe examinar da conveniência e oportunidade de considerar, em tese, suspensos os seus efeitos, de retirar dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico.” (2000, p. 121).

Corroborando com esse entendimento temos a doutrina de Pedro Lenza: “Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação de Poderes” (2009, p. 185).

É preciso registrar, também, que uma vez emitida a resolução, o Senado nunca mais poderá revê-la (CLÈVE, 2000, p.120). Assim, uma vez realizada, ela se torna irrevogável, afinal a Constituição deferiu, nesse particular, o direito de suspensão, mas não o direito de revisão e assim o fez em homenagem ao princípio da segurança jurídica.

Outra questão importante está em saber se o Senado pode emitir resolução suspensiva parcial. Em sentido negativo, temos a lição de Pedro Lenza, que entende que a expressão “no todo ou em parte” contida no inciso X do artigo 52 da Constituição Federal deve ser interpretada como sendo impossível ao Senado ampliar, interpretar ou restringir a extensão da decisão do STF (2009, p. 184).

Pedimos vênia ao ilustre constitucionalista, mas entendemos que tal interpretação não está em consonância com o Texto Constitucional, que é claro ao permitir que o Senado suspenda a execução de lei declarada inconstitucional, total ou parcialmente. Nessa linha, novamente trazemos a lume a doutrina de Clèmerson Merlin Clève: “[...] não está o Senado impedido de suspender a execução de parte apenas de uma lei declarada, por inteiro, inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal.” (2000, p. 121).

Esse entendimento é o mais lógico, pois se a suspensão pode ser no todo não há motivo para não ser em parte. O fato de o STF haver declarada a inconstitucionalidade total de uma lei ou ato normativo não impede que o Senado, por sua conveniência política, entenda necessária a suspensão apenas de parte da lei alvo. Isso se dá porque o julgamento por parte do STF em nada interfere na prerrogativa do Senado, pois é distinta a atuação desses órgãos. A Suprema Corte, em sede de controle difuso, pratica ato jurisdicional que não tem a finalidade de excluir do ordenamento jurídico determinado ato normativo. Já o Senado pratica ato político por expressa previsão constitucional originária. Daí, não há razão para não outorgar a possibilidade da suspensão parcial.

Assentadas essas notas preliminares, passemos agora à análise dos efeitos da resolução suspensiva.

2.1.3 Dos efeitos da resolução do Senado Federal

A título ilustrativo, a resolução suspensiva senatorial em sede de controle difuso de constitucionalidade surgiu no direito brasileiro com a Constituição de 1934 e passou, desde então, a ser contemplada em todas as cartas políticas que o Brasil teve (MENDES, 2004, p. 149-168).

Desde o início, o instituto em análise suscitou algumas discussões acerca de seus efeitos. Notadamente, a discussão girou em torno de ser a resolução forma de revogação ou mera suspensão da execução da lei e se ela produziria efeitos ex tunc ou ex nunc. É disso que iremos tratar nessa parte deste pequeno arrazoado.

Nesse sentido, o primeiro efeito que se pode destacar da resolução do Senado Federal em controle incidental de constitucionalidade é o efeito erga omnes, ou seja, uma vez editada a resolução o efeito da decisão (apenas sobre a inconstitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal passa a valer para todos, de forma vinculante. A doutrina, acerca desse efeito, também o chama de ampliativo, conforme entendimento de Gilmar Mendes: “Parecia evidente aos constituintes que a suspensão da execução da lei, tal como adotado em 1934, importava na extensão dos efeitos do aresto declaratório da inconstitucionalidade, configurando, inclusive, instrumento de economia processual. Atribuía-se, pois, ao ato do Senado caráter ampliativo e não apenas paralisante ou derrogatório do diploma viciado;” (2004, p. 158).

Dessa lição, também fica claro que outro efeito que a resolução possui é o suspensivo ou paralisante. O Senado Federal suspende a eficácia da lei viciada, não a revoga e não a declara inconstitucional, porquanto isso é da competência exclusiva do Supremo Tribunal.

Muito embora muito se assemelhe a ela, não se pode, jamais, confundir o ato de suspender a execução de lei (suspender a eficácia) com o ato de revogação, que é ato praticado por quem tenha competência normativa, isto é, quem criou o ato normativo o revoga. Em sentido contrário, entendendo que se trata de revogação temos Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1980, p. 211), porém essa não é a opinião majoritária.

Isso tudo é de facílimo entendimento e não há, na doutrina, grande dissonância. O problema torna-se denso quando se discute acerca da retroatividade ou irretroatividade da resolução.

Nesse ponto, conforme destaca Clèmerson Merlin Clève, a posição majoritária é a de que a resolução produz efeitos ex nunc, isto é, não retroage (2000, p.122).

Defendendo essa posição podemos destacar Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, para quem o efeito ex tunc só se aplica quando há declaração de inconstitucionalidade e como o Senado, somente, suspende a eficácia da norma não há motivo para conferir-lhe efeitos retroativos (2005, p. 66).

Oswaldo Antônio Bandeira de Mello também entende que o efeito é ex nunc, porém nos dá outra fundamentação: “a suspensão da lei corresponde à revogação da lei” e por isso devem “ser respeitadas as situações anteriores definitivamente constituídas, porquanto a revogação tem efeito ex nunc” (1980, p. 211).

Em sentido contrário, defendendo o efeito ex tunc, temos Clèmerson Merlin Clève e o ministro Gilmar Mendes (2004, p. 162-165). De forma geral, tais juristas defendem que não há razão para haver o controle de constitucionalidade misto, tal qual vigora, hoje no Brasil. Para eles, o controle de constitucionalidade deve ser feito, exclusivamente, pelo Supremo Tribunal Federal nos moldes do controle concentrado. Daí, portanto, poder-se falar em efeitos erga omnes e ex tunc.

É importante registrar que tais doutrinadores externam essa opinião porque sustentam a extinção do controle difuso de constitucionalidade, não porque fazem uma análise da operacionalização da resolução do Senado Federal. Essa questão será melhor vislumbrada quando analisarmos a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso.

Passemos à análise do segundo instrumento de abstrativização do controle difuso: a súmula vinculante.

2.2 A súmula vinculante

2.2.1 Conceito

Súmula é gênero da qual súmula vinculante é espécie. Tendo isso em vista é preciso fazer distinção entre ambas, pois como veremos em seguida, entre elas existe um abismo.

No sistema jurídico brasileiro, de origem romana, a súmula enquanto gênero, é um pequeno enunciado em que os tribunais superiores exaram um entendimento sobre determinada matéria jurídica a que já tenham decidido pela mesma maneira diversas vezes, demonstrando à sociedade como pensa e como se pronuncia o tribunal diante de casos que tem como objeto o seu tema, conforme demonstra Teresa de Arruda Alvim Wambier (1985, p. 225), as súmulas: “Consistem num resumo da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, expressando a interpretação da maioria absoluta dos ministros a respeito de questões julgadas, ainda que as decisões precedentes não tenham sido unânimes. Representam a orientação pacífica desse Tribunal, no que concerne à exegese de leis, quer de Direito material, quer de Direito processual, e no que diz com assuntos não tratados de forma específica pelo texto do Direito positivo.”

Nesse sentido, Kildare Gonçalves Carvalho afirma que as súmulas são concisos enunciados que, de maneira objetiva, explicam a interpretação de tribunal superior a respeito de determinada matéria (2008, p. 522). Sérgio Sérvulo da Cunha corrobora, dizendo que “as súmulas são enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda a comunidade jurídica” (1999, p. 124). Em última ratio, a súmula é a síntese da atividade judicante.

Portanto, pode-se afirmar que a súmula tem caráter demonstrativo de uma determinada situação jurídica. Não tem caráter permanente, pois apenas indica a forma como pensa o tribunal em ocasião e composição determinadas, servindo, ao operador do direito, de fonte de convencimento acerca de determinada matéria de direito. Bem por isso, que parte expressiva da doutrina costuma denominá-la de súmula de caráter persuasivo.

Uma vez refeita a composição do tribunal, muitos entendimentos mudam, porque cada magistrado pensa de uma forma, o que enseja o cancelamento de algumas e a edição de outras novas.

Já a súmula vinculante, por ser espécie da súmula genérica, guarda todas essas características, mas a ela se acrescenta o caráter de observância obrigatória por todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, em todas as esferas, conforme se infere do artigo 103-A do texto constitucional. Importante registrar que o efeito vinculante é produto do direito processual alemão, tendo como objetivo imprimir mais efetividade às decisões da corte constitucional daquele país. (MARTINS, 2005, p. 337-33).

Em termos técnicos, Guilherme Peña de Moraes conceitua o instituto da seguinte forma: “Os enunciados da súmula da jurisprudência predominante com eficácia vinculante são conceituadas como proposições aprovadas ou revisadas, de ofício ou por iniciativa de legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade, por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, quanto à interpretação, validade e eficácia de normas determinadas, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipais, sob pena de uso de reclamação.” (2008, p. 3).

2.2.2 Natureza jurídica

Nesse tópico nos deparamos com um dos mais intrincados temas do atual direito brasileiro, pois definir a natureza jurídica desse instituto não é tarefa fácil. Nessa seara, destacam-se na doutrina duas correntes que buscam definir e explicar a natureza jurídica da súmula vinculante.

A primeira delas afirma que a súmula, qualquer que seja a espécie, tem natureza jurisdicional. Esta corrente se fundamenta no fato de ser a súmula vinculante uma emanação da mais alta corte jurisdicional do país, o Supremo Tribunal Federal, tendo como pressuposto a existência de diversos julgados proferidos pela mesma razão de direito.

Portanto, por esse entendimento, o que confere o caráter jurisdicional ao instituto é a necessidade de que exista jurisprudência consolidada e pacificada numa determinada direção jurídica, compelindo a corte competente a editar a súmula, seja ela com eficácia vinculante ou não, no sentido de fazer cumprir a lei.

Nessa linha temos o entendimento do jurista português Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda (1996, p. 196): “O assento é resultado da função jurisdicional, pois a causa da lei interpretativa, como a de qualquer outra lei, vem a ser a realização do interesse público, ao passo que a causa do assento consiste no cumprimento da lei, de ajunte aos critérios meramente jurídicos, não havendo ser olvidado que o assento nem traduz liberdade de conteúdo, nem liberdade de formação, sendo a decisão final de um processo judicial.”

A segunda corrente doutrinária, a qual nos filiamos, por seu turno, afirma que a súmula tem caráter normativo. Essa corrente busca justificar seu entendimento analisando a jurisprudência enquanto fonte do direito, pois a súmula decorre diretamente dela, materializando-a, sendo sua síntese.

Seguindo esse pensamento temos o entendimento de Noronha e Bicca, para os quais: se a jurisprudência se torna praticamente pacífica em um tribunal é editada a súmula (2006, p.73).

Para Miguel Reale a jurisprudência, além de fonte do direito, é norma aplicada no caso concreto. Vejamos seu brilhante ensinamento: “A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contém estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito.” (1995, p. 168)

Se a jurisprudência é norma, também o será a súmula, pois esta decorre daquela. Para nós brasileiros que seguimos o direito de tradição romana, contrariamente ao modelo anglo-americano, a súmula será norma aplicada ao caso concreto, tal qual preconizado por Miguel Reale e orientada pelos ditames legais e pela necessidade de complementação das leis, que não são lacunosas e de interpretação múltipla.

Hodiernamente esse entendimento deve ser aplicado somente às súmulas genéricas ou persuasivas, pois após a edição da Emenda Constitucional 45 tivemos a criação da figura da súmula de efeito vinculante, razão pela qual terá outra classificação no que concerne à sua natureza jurídica. É de conhecimento geral que essa espécie de súmula tem efeito vinculante, em razão dos órgãos do Poder Judiciário e de toda a Administração Pública, em todas as esferas, ou seja, ela é de observância obrigatória.

Disso podemos afirma que a súmula vinculante é ato normativo possuidor de efeitos genérico e abstrato, tal qual a resolução do Senado Federal, podendo-se concluir que tal instituto pode ser forma abstrativa do controle difuso, conforme as explicações a seguir expostas.

2.2.3 Súmula vinculante como instrumento de abstração do controle difuso

Analisando os termos da Lei 11.417 de 2006, que regula o processo de criação, extinção e modificação da súmula vinculante, verificamos que o seu pressuposto de edição é a existência de reiteradas decisões idênticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que verse sobre matéria constitucional apta a produzir controvérsia entre os órgãos do Poder Judiciário ou entre esses e a Administração Pública. É necessário, também, que tal controvérsia produza grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos.

Assim, a súmula vinculante busca extinguir a controvérsia para o fim de restabelecer a segurança jurídica e pode, eventualmente, abstrativizar o controle de constitucionalidade difuso.

Para compreender melhor, tomemos o seguinte exemplo: tramitam no Poder Judiciário diversas ações questionando a constitucionalidade de uma dada situação qualquer; sobre referida matéria os órgãos do Poder Judiciário adotam posições divergentes, havendo juízos e tribunais que entendem que o dita situação é constitucional e outros tantos órgãos entendendo o contrário; em sede de recurso extraordinário já houve manifestações pela inconstitucionalidade; vislumbrando tal situação, o Supremo Tribunal Federal edita súmula vinculante, que, dada a sua natureza jurídica, abstrativiza o controle difuso de constitucionalidade exercido pela Suprema Corte.

Dessa feita, a decisão de inconstitucionalidade passará a viger para todos e de forma abstrata.

2.3 A teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença do controle difuso de constitucionalidade

Necessário se faz, para compreender referida teoria, um breve conhecimento sobre coisa julgada.

Sabemos, até por imperativo legal, que a coisa julgada tem como limite objetivo o dispositivo da sentença. Logo, por exclusão, não se submetem ao império da coisa julgada as soluções (motivos) dadas para as questões prejudiciais necessariamente analisadas para se chegar ao resultado da lide.

Nesse sentido, temos o entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco: “Resulta do texto que apenas o dispositivo da sentença, entendendo-o como a parte que contém a norma concreta, ou preceito enunciado pelo juiz, é apto a revestir-se da autoridade da coisa julgada material. Excluem-se os motivos, ou seja, a solução dada às questões lógicas ou prejudiciais necessariamente enfrentadas para chegar à definição do resultado da causa (1996, p. 312)”.

 Dessa feita, a decisão que resolve um incidente de constitucionalidade havido num processo qualquer não se submete a coisa julgada material, pois tal incidente, à luz do que foi exposto, é mera questão prejudicial necessariamente enfrentada para se chegar ao resultado da causa.

Nesse ponto, é bastante ilustrativa o entendimento de Luís Roberto Barroso (2009, p.124):“[...] por dicção legal expressa, nem os fundamentos da decisão  nem a questão prejudicial integram os limites objetivos da coisa julgada, de modo que não há  falar em auctoritas rei iudicata em relação à questão constitucional.”

Esse é o entendimento clássico, que começa a ser combatido por novo formato, que tem por substrato a teoria que ora se analisa.

Tal teoria propõe, nos casos de apreciação do controle de constitucionalidade difuso exercida pelo Supremo Tribunal Federal, a ampliação do aspecto objetivo da coisa julgada. Assim, a questão constitucional passa a fazer parte da coisa julgada objetiva, de modo que a orientação expressa pelo STF deve ser observada em outros processos de igual jaez.

Essa teoria, portanto, faz transcender, obrigatoriamente, para outros processos os motivos que determinaram a apreciação do incidente de constitucionalidade do primeiro processo (leading case). Assim, em casos similares, outros juízos e/ou tribunais estarão vinculados à decisão do STF expressa no leading case.

Nesse particular, eis a doutrina de Luís Roberto Barroso: “[...] por essa linha de entendimento, tem sido reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir (2009, p. 184).”

Analisando criticamente toda essa situação, fica patente que essa teoria busca modificar o sistema de controle de normas, afinal a sentença do controle difuso passaria a ter eficácia erga omnes e vinculante sem necessidade da participação do Senado Federal e, quanto aos demais efeitos, seguirá as regras do controle concentrado, isto é, poderá ter, conforme o caso, eficácia ex tunc.

Tal reforma do sistema é defendida por Clèrmerson Merlin Clève, que afirma, quanto ao sistema difuso, ser: “questionável a permanência da fórmula da Constituição de 1988. Parece constituir um anacronismo a permanência do mecanismo quando o país adota, na atualidade, não apenas a fiscalização incidental, mas também a concentração-principal, decorrente de ação direta e, inclusive, para suprimento de omissão. Tem-se que chegou a hora, afinal, de transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira corte especializada em questões constitucionais, retirando-se do Senado a atribuição discutida no presente item.” (2000, p. 124).

Na mesma linha, eis Gilmar Mendes (2004, p. 155): “A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.”

Referido autor, conforme se vê em seus votos no RE 197.917/SP (rel. Min. Maurício Corrêa, data de julgamento 06/06/2002) e HC 82959/SP (rel. Min. Marco Aurélio, data de julgamento 23/02/2006) defende a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso, que contribui para o fenômeno da abstrativização do controle difuso, não havendo que se cogitar da participação do Senado Federal.

Conforme assevera Pedro Lenza, o que embasa essa teoria são as ideias de força normativa da Constituição, o princípio da supremacia da Constituição e o fato de o STF ser o guardião da Constituição (2009, p. 187). Por tudo isso, a decisão da Suprema Corte tem que ser uniforme para todos.

Tais ideias conduzem à reformulação do sistema jurídico, o que legitima a abstrativização do controle difuso sem a necessidade da resolução senatorial, conforme assevera Gilmar Mendes (2004, p. 161): “[...] é possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, de nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.”

É preciso registrar, por fim, que a teoria aqui analisada ainda está em fase de desenvolvimento e sua aceitação não é pacífica, pois analisando o Texto Constitucional fica evidente que dois são os tipos de controle de constitucionalidade, razão pela qual as ideias aqui expostas não podem ser aplicadas incontinentes.

Sobre o autor
Emílio Gutierrez Sobrinho

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto-UNIRP; Especializando em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Formas de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3504, 3 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23583. Acesso em: 22 dez. 2024.

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