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Da necessidade de revisitação da prescrição intercorrente no processo civil.

Uma defesa ao princípio da duração razoável do processo

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Agenda 15/02/2013 às 17:21

4 - DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO FUNDAMENTO PARA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE 

Após a análise da prescrição intercorrente, constatando-se a deficiência da legislação processual civil quanto a tal instituto, bem como posteriormente ao estudo do princípio duração razoável do processo, é possível demonstrar uma relação entre os temas.

Ora, na medida em que é exigível a duração razoável do processo, a necessidade de desenvolvimento de regras com a finalidade de preservar este princípio é latente. E é exatamente neste ponto que a aplicação da prescrição intercorrente revela-se justificável.

 É inegável que o direito à ação é incondicionado e inafastável, ressaltando-se à previsão do artigo 5º da Constituição. Todavia, ainda que nada impeça o ajuizamento da ação, é preciso haver um limite temporal para o exercício do direito a ser assegurado ou reconhecido a partir da provocação da atividade jurisdicional.

Desta feita, como já dito, a prescrição objetiva limitar a possibilidade de exercício de uma pretensão num período de tempo.

E qual seria a relação entre duração razoável do processo e prescrição?

A princípio, poderia parecer um pouco contraditório pensar nesta problemática, tendo em vista que, principalmente no processo civil, quando se fala em prescrição, imagina-se um lapso temporal ocorrido antes do ajuizamento da ação.

No entanto, quando se analisa, considerando-se a questão da prescrição intercorrente, a relação existente é evidente.

Se a prescrição intercorrente configura-se tão somente após a inércia da movimentação do procedimento já instaurado, tem-se que ela é uma medida de sanção para a falta de tramitação injustificada, maculadora da razoável duração do processo.

Portanto, a prescrição intercorrente pode ser vista também como uma punição ao desrespeito do Princípio da Duração Razoável do Processo.

Não é demais lembrar que, como bem dissertado por Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, a duração razoável do processo, para ser verificada, pressupõe a análise do comportamento das partes, do magistrado e as peculiaridades do caso.

Na hipótese de prescrição intercorrente, o que se tem é um desleixo da parte interessada, arguidora de violação do direito.

O comportamento das partes constitui um fator objetivo, não imputável ao Estado, que deve ser levado em consideração, ao se verificar o excesso do prazo razoável na duração dos processos. Em razão dos deveres de lealdade e probidade, que repudiam a litigância de ímproba ou de má-fé, as partes estão obrigadas a praticar diligentemente os atos que as normas processuais lhes impõem, a não usarem artifícios ou manobras protelatórias no curso dos processos, embora possam exaurir as possibilidades que lhes são conferidas pelas normas do direito processual para o exercício do pleno direito de ação e de defesa, de sorte a abreviar os processos, não se lhes exigindo cooperação ativa com os órgãos jurisdicionais, em alguns casos, em face da amplitude do direito de defesa e da renhida contraposição dialética (contraditório) que se instaura  nos procedimentos, visando à reconstrução do caso concreto e ao acertamento das relações fáticas e jurídicas controvertidas. (DIAS, 2010, p. 163)

Ora, a parte demandada não pode se tornar refém do procedimento na hipótese de inércia do demandante, tanto na fase de conhecimento quanto na execução. Aliás, talvez seria o caso até de se configurar abuso do direito de ação, na hipótese de a demandante iniciar um processo, interrompendo-se a prescrição, e não se mostrar interessada em diligenciar no feito de modo que o mesmo cesse com a maior brevidade possível.

Noutro giro, tem-se que a morosidade processual pode advir do Judiciário, o que também não pode acarretar a duradoura dependência da parte demandada do resultado da causa, mas, também, não pode significar a danificação do direito da requerente sem qualquer reparo.

E esta hipótese de inércia das partes e ou do juiz revela-se uma afronta à Teoria da Ação e a do Processo concebidas por Fazzalari, uma vez que impede a atividade discursiva por ele proposta. 

Partindo-se dos ensinamentos de Fazzalari, é válido ressaltar a sua ideia de legitimação, dividida em situação legitimante e situação legitimada.

Distingue o autor a legitimação para agir da legitimação para o processo, definindo esta última como aquela percebida pela possibilidade de se definir em um dado processo a série de atos cabível a cada um dos sujeitos participantes, juiz, auxiliares e partes.

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A legitimação para agir, segundo o entendimento de Fazzalari, deve ser entendida sob dois ângulos: o da situação legitimante e o da situação legitimada, sendo a primeira a situação com base na qual se determina qual é o sujeito que concretamente pode cumprir determinado ato; e a segunda como conjunto de poderes, faculdades e deveres cabíveis a um sujeito identificado no iter procedimental.

Neste contexto, Aroldo Plínio Gonçalves, em seu posicionamento:

enquanto a situação legitimante é contemplada como aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao sujeito, a situação legitimada consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos do processo.  (GONÇALVES, 2001)

Em Fazzalari a ação não pode ser vista de maneira independente do processo, pois é nele que se realiza como desdobramento da legitimação para agir dos sujeitos do processo.

A legitimação para agir, que é de todos, se especifica em ação e função dada a posição jurídica dos sujeitos do processo. Enquanto a “função” é dada pela série de atos que correspondem à posição jurídica legitimada do sujeito investido da função jurisdicional – o juiz – a ação se forma pelo complexo que resulta da atuação conjunta e interdependente dos sujeitos do iter do processo e por isso não pode ser dele isolada.

Logo, demonstra-se que a situação de inércia das partes e do juiz afeta de imediato o exercício do direito de ação e os deveres impostos por este direito.

Nessa seara, ocorridos tais transtornos, gera de imediato uma grave violação ao chamado princípio da duração razoável do processo. E uma das medidas para que essa inércia não se torne uma espécie de “eternização” do procedimento é a aplicação da prescrição intercorrente.


5 – CONCLUSÃO: OS AVANÇOS E DEFICIÊNCIAS RELACIONADOS À PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Diante do exposto, objetivou-se, com este artigo, fazer uma explanação a respeito da prescrição intercorrente, tema que merece destaque nas discussões acerca da reforma do Código de Processo Civil, pendente de realização pelo legislativo.

Primeiramente, foi explicitado que o estudo envolve todos os ramos do direito, já que a prescrição ataca todo e qualquer direito, exceto aqueles que a norma denomina imprescritíveis.

Demonstrou-se que em cada disciplina há uma forma de aplicação. No Direito Administrativo, por exemplo, constata-se que o prazo quinquenal da prescrição para instauração do procedimento é reduzido para três anos no tocante à prescrição intercorrente, após o início do processo.

Posteriormente, adentrou-se no Direito Processual Civil, no qual a prescrição intercorrente não é prevista expressamente na norma, sendo aplicável na prática somente na execução, no mesmo prazo que o da prescrição da ação para pleitear o conhecimento do direito originador do título executivo.

Após tal explanação, constata-se que o novo Código de Processo Civil deve enfocar melhor a prescrição intercorrente. Para isso, necessária uma análise do ponto de vista do Estado Democrático de Direito, alternativa trazida diante do falido Estado Social de Direito.

Pensando o processo sob o enfoque abandonado é que se falaria numa celeridade a todo custo, com o objetivo de comprovar a falsa eficiência da atividade estatal, em que através da jurisdição o dito Estado-Juiz, paternalista encontraria a solução para o conflito rapidamente, independentemente das partes interessadas.

 Todavia, no contexto do Estado Democrático de Direito, é imprescindível o respeito às garantias constitucionais, notadamente o princípio do contraditório, ampla defesa e isonomia, sem, no entanto, deixar de lado a preocupação com a morosidade excessiva do procedimento.

Desta feita, surge o princípio da duração razoável do processo, que determina justamente que o processo não pode ultrapassar certo tempo além daquele necessário para as peculiaridades da causa e para o exercício do contraditório pelas partes.

Logo, a prescrição intercorrente, vista sob este modelo de processo, deve sim ser aplicada em toda e qualquer fase processual, inclusive durante o chamado processo de conhecimento.

Nesse passo, a solução apresentada por Vitor Salino, como exposto em item anterior, parece razoável e em conexão com o chamado princípio da duração razoável do processo e demais garantias norteadoras do devido processo legal.

De toda forma, o que se pretende mesmo é desenvolver a discussão acerca da prescrição intercorrente, sem impor uma solução definitiva, já que o ambiente reformista demanda um debate profundo sobre os diversos temas ligados ao Direito Processual Civil.


 THE NEED TO REVISIT INTERCURRENT PRESCRIPTION ON  CIVIL PROCEDURE: A DEFENSE TO THE PRINCIPLE OF REASONABLE LENGTH OF PROCEEDINGS

ABSTRACT

This is article whose theme prescription intercurrent in Civil Litigation. The choice of subject came from the reformist context of the Code of Civil Procedure and verification of points that require great attention. First, a note is made on the concept and purpose of prescription and prescription intercurrent. In the same chapter, the intention is to demonstrate how the institute is treated object of study in various branches of law, justifying once again the importance of this article. Especially with respect to Civil Procedure, be emphasized that the standard has not written on the prescription intercurrent, and the design of the new Code of Civil Procedure prediction is restricted to the implementation phase. Then, it starts to show the concern of the doctrine more modern observer of democratic rule of law, with the process constitutionalized, fighting the speed at all costs. Hence the defense of the principle of reasonable duration of the process. At the end, the goal is to prove that the application of prescription intercurrent is a form of respect for this principle, since a law prescribes precisely because of the inertia of a party.

KEYWORDS: Prescription intercurrent; Civil Litigation; Average Length Principle Process.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Nota

[1] LEAL, Antônio Luis da Câmara. Da prescrição e da decadência. 3ª ed. Forense. Rio de Janeiro. 1978. 

Sobre o autor
Diogo Henrique Dias da Silva

Pós-Graduado em Processo Civil no CEAJUFE. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Belo Horizonte. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diogo Henrique Dias. Da necessidade de revisitação da prescrição intercorrente no processo civil.: Uma defesa ao princípio da duração razoável do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23725. Acesso em: 22 nov. 2024.

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