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Da necessidade de revisitação da prescrição intercorrente no processo civil.

Uma defesa ao princípio da duração razoável do processo

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15/02/2013 às 17:21
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Se a prescrição intercorrente configura-se tão somente após a inércia da movimentação do procedimento já instaurado, tem-se que ela é uma medida de sanção para a falta de tramitação injustificada, maculadora da razoável duração do processo.

Resumo: Trata-se de artigo que tem como tema a prescrição intercorrente no Direito Processual Civil. A escolha do assunto partiu do contexto reformista do Código de Processo Civil e da verificação dos pontos que demandam grande atenção. Primeiramente, é feito um apontamento sobre o conceito e finalidade da prescrição e da prescrição intercorrente. No mesmo capítulo, a pretensão é demonstrar como é tratado o instituto objeto de estudo nos vários ramos do direito, justificando-se mais uma vez a importância do presente artigo. Notadamente com relação ao Processo Civil, será ressaltado que a norma escrita não dispõe sobre a prescrição intercorrente, sendo que no projeto do novo Código de Processo Civil a previsão se restringe à fase de execução. Em seguida, parte-se para apresentação da preocupação da doutrina mais moderna, observadora do Estado Democrático de Direito, com o processo constitucionalizado, combatendo a celeridade a todo custo. Daí decorre a defesa do princípio da duração razoável do processo. Ao final, o objetivo é comprovar que a aplicação de prescrição intercorrente é uma forma de respeito a tal princípio, já que um direito prescreve justamente em virtude da inércia de uma das partes. 

Palavras-chave: Prescrição Intercorrente; Direito Processual Civil; Princípio da Duração Razoável do Processo.


1 – INTRODUÇÃO: A PROPOSTA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO CIVIL

Com a Constituição de 1988, a proposta de uma nova visão do Direito no Brasil se intensificou, o que inclui o Direito Processual Civil.

Sabe-se que o Código de Processo Civil antecede a Carta Magna vigente e, muitas vezes, está em completa desconexão com os princípios nela instituídos, tais como o devido processo legal e seus derivados.

Por isso, o debate acerca da reforma do Código de Processo Civil é imprescindível para que esta legislação infraconstitucional abandone o formato de processo trazido ao Brasil por Liebman, encontrando uma nova visão, voltada para o Estado Democrático de Direito, princípio balizador a Constituição da República de 1988.

Nesse sentido, a proposta deve ser assegurar aos cidadãos movimentar a jurisdição, em exercício ao direito de ação, utilizando-a como instrumento para efetivação dos seus direitos.

 À procura de um modelo de processo com esse objetivo, de participação ativa dos cidadãos, percebe-se que é com a oportunização do contraditório às partes processuais que se tornará democrática a decisão judicial, ideia iniciada sabiamente por Elio Fazzalari.

A atividade estatal de decidir depende ,portanto, da constante movimentação da jurisdição pelos interessados envolvidos.

Seguindo esta linha, não se pode conceber o contraditório como imposição às partes no sentido de que o seu não exercício implique na nulidade total dos atos processuais. A questão é que é obrigatória, como já dito, a oportunização do contraditório, ficando à escolha do titular de tal direito o exercício ou não dele.

Assim, noutra medida, não pode o processo sofrer um prolongamento excessivo à mercê do desinteresse de uma das partes em exercer o contraditório e do próprio juiz de realizar a atividade jurisdicional.

Seguindo esta linha é que se fala no princípio da duração razoável do processo, como norma jurídica impeditiva da excessiva inércia das partes e do juiz, sem, contudo, desprezar a necessidade de respeitar as peculiaridades e complexidades de cada caso de modo que o devido processo legal se mantenha.

Constatada essa preocupação temporal, de imediato se indaga a respeito de um relevante instituto que é a prescrição. E é justamente esse o objeto de estudo do presente artigo, que pretende contribuir para as variadas discussões necessárias no contexto reformista do Direito Processual Civil.

A pretensão é analisar especificamente a prescrição intercorrente e a sua aplicabilidade no processo civil, já que o Código de Processo Civil não traz tal previsão, como ocorre em outras áreas do Direito, notadamente o Direito Processual Penal e o Direito Administrativo.

Primeiramente, será dissertado sobre o instituto da prescrição, trazendo o seu conceito, principalmente a concepção de prescrição intercorrente e sua finalidade, bem como a previsão legal e aplicabilidade na jurisprudência nos demais ramos do direito.

Mais adiante, o artigo segue para o Direito Processual Civil e será apresentado o modo como é tratada a prescrição intercorrente nesta área do direito, ressaltando-se principalmente as omissões na legislação atual e qual a proposta de mudança para o tema no projeto do Novo Código de Processo Civil.

Ademais, com a finalidade de reforçar a importância do assunto, passa-se à análise do princípio da duração razoável do processo e sua conexão com o devido processo legal. A seguir, será feita relação entre tal princípio e a prescrição intercorrente.

Ao final, o objetivo, em conclusão, é demonstrar o que poderia ser trazido de mudança relevante pelo novo Código de Processo Civil no que pertine à prescrição intercorrente, com enfoque na inércia dos sujeitos processuais e a necessidade de duração razoável do processo.


2- PRESCRIÇÃO, PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE: CONCEITO E APLICAÇÃO NAS DIVERSAS ÁREAS DO DIREITO

Com o objetivo de tecer um estudo crítico, imprescindível a análise da legislação, jurisprudência e doutrina sobre o objeto de estudo e o modo como se desenvolveu e se desenvolve no direito como um todo e nas principais legislações do Brasil.

A prescrição nada mais é que um instituto limitador temporal da faculdade de exercício de um direito pelo seu titular, conceituada por diversos estudiosos, tanto no campo da Teoria Geral do Direito e Direito Civil quanto no Direito Processual.

Como exemplo, há os civilistas, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que definem a prescrição como perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei, pelo que a obrigação civil converte-se em obrigação natural (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2002, p. 476).

Já no Direito Processual Civil cite-se Antônio Luis da Câmara Leal[1] ao conceber a prescrição como a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.

Nesse passo, verifica-se que há um prazo para a busca do que se chama pretensão. Ultrapassado o lapso de tempo, independentemente de realmente haver ou não um desrespeito a um direito material, extingue-se o direito a tê-lo reconhecido em juízo.

Todavia, não se pode limitar o prazo prescricional ao direito de exercer o direito de ajuizar uma ação. Ou seja, após o início da relação processual, ainda deve ser discutido a respeito da prescrição, embora a lei apresente a citação como causa interruptiva no artigo 202 do Código Civil.

Diante de tal contexto é que se justifica o debate acerca da prescrição intercorrente, objetivando-se manter preservada a finalidade do instituto em questão.

E qual seria a finalidade da prescrição? A finalidade é exatamente, como já explícito em seu conceito, evitar a inércia injustificada, do ponto de vista jurídico, do titular do direito em exercer o seu direito de ação.

Ocorre que o direito de ação não se exerce única e exclusivamente com o impulso oficial provocado pela distribuição da petição inicial. Indispensável que a parte movimente a jurisdição, em auxílio à construção do provimento final.

Por isso, vê-se que a prescrição intercorrente é aplicável na hipótese de inércia das partes durante o iter procedimental.

A chamada prescrição intercorrente é assim concebida por José Manoel Arruda Alvim:

A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa, no curso do processo, ao possível direito material postulado, expressado na pretensão deduzida; quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por seguimento temporal superior àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese.(ALVIM, 2006, p. 34)

Após, essa parte conceitual, imprescindível também, para constatar a importância do tema para mundo jurídico como um todo, vale ressaltar como é prevista a prescrição intercorrente nos demais ramos do direito.

Há duas áreas do direito em que a prescrição intercorrente é amplamente aplicada, com base em legislação e jurisprudência consolidada, quais sejam Direito Tributário e Direito Administrativo.

No tocante à prescrição administrativa, um dos destaques está no fato de que é atribuída tanto à perda da pretensão dos administrados quanto da própria Administração. E é sob este enfoque que disserta José dos Santos Carvalho Filho:

Primeiramente, cabe sublinhar o fato de que a prescrição administrativa exibe em seu núcleo a ideia de prazo extintivo.  Quer dizer: quando se faz alusão àquela figura, tem-se em vista o sentido de que inexistiu, na via administrativa, manifestação do interessado no prazo que a lei determinou. Portanto, está presente o fundamento que conduz aos prazos extintivos: a inércia do interessado.(CARVALHO FILHO, 2010, p. 1051).

Nessa matéria, há a Lei 9873/99 que trata sobre a prescrição intercorrente. Ocorre que a Lei impõe o prazo de cinco anos, contados da data da realização do ato infrativo, para que a Administração instaure procedimento administrativo punitivo. Todavia, não basta que o órgão punitivo tão somente instaure o procedimento para impedir a prescrição, é necessária a movimentação processual.

Na hipótese de inércia da Administração durante o procedimento, deverá ser declarada a prescrição intercorrente, conforme previsto no artigo 1º da Lei 9873/99, em seu § 1º.

Art. 1º  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Noutro giro, trata o Direito Tributário sobre o tema, ao ter mencionada em sua legislação sobre a execução fiscal a hipótese específica de prescrição intercorrente. A previsão está na Lei de Execução Fiscal.

A norma mais interessante está disposta no artigo 40, que declara que o Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nesses casos, não correrá prazo de prescrição (há plena equivalência com a norma constante do inciso III, do art. 791/CPC). E os seus incisos preconizam que, uma vez suspensa a execução deverá ser dada vista ao Procurador da Fazenda Nacional, obviamente para que este possa diligenciar no sentido de encontrar o devedor ou seus bens, somente podendo haver o arquivamento da demanda após um ano. Todavia, sobrevindo um ou outro, o processo poderá ser desarquivado, também como já restou demonstrado. E aí fica a perniciosa ideia de uma eterna indefinição, fato totalmente contrário ao direito, que só serve para alimentar a ânsia da administração pública em arrecadar, em passividade censurável. (EÇA, 2008, p. 80).

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Na jurisprudência, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento no tocante à prescrição intercorrente na execução fiscal, representado pela súmula 314 daquele Tribunal Superior.

Destarte, a aplicação no Direito Tributário da prescrição intercorrente é direcionada para a situação da ausência de bens e de não localização do devedor. Mas e no Processo Civil? Como esse instituto é tratado?

Relativamente ao Direito Processual Civil, constata-se que a principal norma sobre esta disciplina, o Código de Processo Civil, não trata sobre a prescrição intercorrente. Nesse sentido, a relevância deste artigo é comprovada, especialmente pelo fato de o contexto reformista atual exigir intenso debate acerca da norma vigente e do projeto do novo CPC.

Contudo, necessário ponderar sobre como a lacuna é solucionada, ao menos parcialmente, pela prática do direito. Para isso, é importante ressaltar previamente que o instituto deve ser analisado no processo como um todo, o que inclui a fase cognitiva e a executória.

Na fase de execução, o abandono da causa pelo exequente por mais de seis meses configura o arquivamento provisório, sem, no entanto, ser mencionada a prescrição intercorrente.

A questão é que na jurisprudência limita-se a aplicar a prescrição intercorrente na fase de execução, partindo da súmula 150 do STF. Segundo o entendimento da corte suprema, a prescrição na execução tem o mesmo prazo que a prescrição da ação do direito de ação que gerou o título executivo, seja ele judicial e extrajudicial.

Ainda na fase de execução, frise-se a hipótese em que a paralisação se dá em virtude de circunstâncias alheias à vontade do executado, que consiste na situação em que não são encontrados bens penhoráveis.

Nessa linha, o projeto do Novo Código de Processo Civil visa suprir a omissão e aplica a prescrição intercorrente para tal fato, incluindo essa hipótese no artigo 845, que, se aprovado, tratará sobre as causas da extinção da execução.

Noutra banda, no tocante à fase de conhecimento, ainda não há previsão da prescrição intercorrente nem no código atual nem no projeto de reforma da legislação vigente.

Verifica-se que durante a fase de conhecimento, quando há o abandono de causa pelo autor a consequência é a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no artigo 267 do Código de Processo Civil.

Logo, extinguindo-se o feito, é possível que o autor ajuíze nova ação e uma nova citação provocará novamente a interrupção da prescrição. Desta feita, embora o primeiro processo tenha se findado por culpa do autor, uma nova ação ainda concede novamente o benefício da interrupção e reabertura de prazo para prescrição.

 Constatando tal omissão, Vitor Salino propõe uma solução para questão ao sugerir que o abandono da causa em fase cognitiva gere tão somente o arquivamento provisório até implantação da prescrição.

Eis porque cogitando da prescrição intercorrente durante a cognição preferimos sugerir que o julgador não mais extinga o processo na hipótese de abandono da causa pelo autor. Deverá mantê-lo arquivado provisoriamente, enquanto não se ultime o prazo prescricional, que terá seu curso retomado por inteiro a contar do momento em que exigido o comparecimento pessoal da parte ou de sua intimação a tomar as providências a seu cargo: será bastante que decorra o lapso prescricional atribuído pelo direito material à pretensão, para o pronunciamento, ex officio, da prescrição. (EÇA, 2008, p. 53)

Interessante a proposta trazida por esse autor, tendo em vista que parte de uma visão constitucionalizada do processo, com respeito às garantias e direitos fundamentais, notadamente a duração razoável do processo.

O exercício do direito à jurisdição não pode ser abusivo e utilizado como estratégia para prolongamento excessivo de direitos, já que o ajuizamento de mais de uma ação poderia interromper mais de uma vez a prescrição.

Dessa forma, necessária a revisão da prescrição intercorrente no Código de Processo Civil. Para justificar isso, imprescindível discorrer sobre o princípio da duração razoável do processo, como será feito em capítulo a seguir.


3 – O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO COMO MANTENEDOR DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Com o fim de conectar o tema abordado no presente artigo com a doutrina mais moderna do Direito Processual Civil, necessário tecer algumas considerações sobre o princípio da duração razoável do processo, fundamento jurídico principal para preocupação com o estudo da prescrição intercorrente.

Diante da implantação da ideia do Estado Democrático de Direito, introduzida no Brasil por meio da Constituição da República de 1988, os diversos ramos do direito sofreram alterações em sua doutrina, uma vez que o foco jurídico passou a ser voltado para o próprio cidadão, na qualidade de agente ativo na busca pela efetivação e defesa de seus direitos.

Defendendo uma nova releitura do Direito, Menellick de Carvalho Netto assim dispõe:

Em qualquer tema que formos abordar no Direito, a questão da interpretação, sobretudo a da interpretação constitucional, é sempre uma questão central. Isso porque estaremos sempre falando da reconstituição do sentido de textos e, desse modo, uma noção básica é hoje requerida: a noção de paradigma, que abre inclusive a nossa Constituição, a do Estado Democrático de Direito. (CARVALHO NETTO, 2001, p. 220)

Seguindo esta linha, o Direito Processual Civil reestruturou seu pensamento, partindo dos estudos de Elio Fazzalari, ao defender a oportunização da participação efetiva de todos os sujeitos processuais, precipuamente o juiz e as partes jurisdicionadas.

Fazzalari elaborou a Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório, aduzindo que a existência do processo pressupõe o respeito ao contraditório, sob pena de afetação do devido processo legal.

 Sobre o tema, disserta Aroldo Plínio Gonçalves, ao conceituar o que seria contraditório nos termos introduzidos por Fazzalari.

O contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os ‘interessados’, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor. (GONÇALVES, 1992, p. 120)

Assim, a preocupação é que o processo seja um exercício de debate entre todos os interessados que serão afetados pelo provimento final, de modo que os mesmos contribuam, ou ao menos que isso lhes seja oportunizado, para a construção da sentença de mérito. Logo, não se trata a sentença de ato única e exclusivamente advindo das compreensões do magistrado.

Por outro lado, a exigência de participação de oportunização do contraditório a todos os sujeitos processuais não pode implicar incondicionalmente na movimentação processual pelos mesmos.

Isso se mostra ainda mais preocupante no contexto brasileiro, em que a crise do judiciário é amplamente vinculada pelos críticos à morosidade na finalização do procedimento, o que muitas vezes pode até gerar a ineficácia da sentença.

Diante disso, o desafio é quanto à coexistência entre o devido processo legal, nos moldes apresentados por Fazzalari, e uma durabilidade do procedimento que seja satisfatória para parte.

Não se pode pretender uma celeridade processual a todo custo, como muitas vezes é defendido por críticos leigos, e até mesmos alguns juristas. A redução de prazos e de recursos, dentre outras garantias, implicará num suprimento de direitos em completa contrariedade à proposta do processo como espaço de exercício da democracia.

Contudo, por outro lado, não é aceitável a prolongação indevida do processo, na medida em que o direito constitucional à jurisdição pressupõe que tal atividade estatal seja prestada de forma eficiente, o que inclui a sua durabilidade em tempo razoável.

Atentando-se a esse fato, assim se posicionou Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:

Logo, com a publicação da Emenda Constitucional nº 45, por força da norma do art. 5º, inciso LXVIII, no Estado brasileiro, o povo tem não só o direito fundamental à jurisdição, como, também, o direito a que este serviço público monopolizado e essencial do Estado lhe seja prestado dentro de um prazo razoável. Contrapõe-se a este direito o dever do Estado de prestar a jurisdição mediante a garantia de um processo sem dilações indevidas, isto significando processos cujos atos sejam praticados naqueles prazos fixados pelo próprio Estado nas normas de direito processual que edita, evitando-se as ocorrências causadoras de suas costumeiras “etapas mortas”, as quais traduzem longos espaços temporais de completa inatividade procedimental. (DIAS, 2010, p. 154)

É justamente embasado por tal argumentação que se fala no chamado Princípio da Duração Razoável do Processo, fundamento jurídico para o combate ao que se chama de “etapas mortas”. Em sua doutrina, elucidou muito bem Humberto Theodoro Junior o significado desta expressão:

Os problemas mais grandes da Justiça, segundo Giuseppe Tarzia, e que provocam a enorme duração dos processos, dizem respeito ao tempo de espera (‘tempos mortos’), muito mais que aos tempos de desenvolvimento efetivo do juízo. A sua evolução depende, portanto, em grande parte, da organização das estruturas judiciais e não das normas do Código de Processo Civil ( O Novo Processo Civil de Cognição na Itália. R. Ajuris, 65/89). Esse mal que contamina o processo já foi detectado há muito tempo por Niceto Alcalá Zamora Y Castilho: a desejada rapidez da resposta jurisdicional somente se consegue evitando ‘etapas mortas’, ou seja, a inatividade processual durante a qual o autos ou expedientes forenses permanecem paralisados nos escaninhos forenses (Estudios de Teoría General Del Proceso, México, UNAM, 1974, apud PRATA, Edson. Direito Processual Civil, Uberaba. Ed. Vitória, 1980, p. 228). (THEODORO JUNIOR, 2006, p. 64)

Nesse passo, imprescindível se mostra a discussão acerca de tal princípio, uma vez que a jurisdição, enquanto atividade estatal, prevista como garantia constitucional no artigo 5º  da Constituição da Repúbica, deve ser eficiente, em obediência a um outro princípio, denominado Princípio da Eficiência, imposto à administração pública.

Desta feita, não basta apenas que haja a instauração do processo e seu desenvolvimento, mas é necessário que a atividade seja prestada em tempo razoável para que seja eficiente e eficaz o serviço público.

No tocante à legislação sobre o assunto, verifica-se que o artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal prevê expressamente a duração razoável do processo como garantia constitucional. E o fato é que a expressão advém do chamado Pacto de San José da Costa Rica, considerando-se a questão tema de direitos humanos, o que mostra sua relevância.

Parece-nos que o texto da Constituição tomou por paradigma o conteúdo normativo do art. 8º, alínea 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos, comumente chamada de Pacto de San José da Costa Rica, cujo texto foi aprovado pelo Estado brasileiro, mediante o Decreto Legislativo nº27, de 26/5/1992, sem reserva, depositando sua carta de adesão àquela Convenção em 25/9/1992, promulgado aquele texto legislativo por meio do Decreto nº 678, de 6/11/1992, verbis: Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza. (DIAS, 2010, p. 159)

Assim, a doutrina e legislação mais avançada combatem um procedimento excessivamente moroso. Entretanto, não se pode pretender um procedimento com uma celeridade incondicional, o que atacaria o requisito da razoabilidade, o que é muito bem lembrado por Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini ao dizer que “o direito de obter do órgão jurisdicional uma decisão legal dentro de prazos legais preestabelecidos ou, em não havendo prévia fixação legal de prazos, que o seja em um prazo proporcional e adequado à complexidade do processo.”

E como não violar o princípio da duração razoável do processo? Isto depende principalmente dos sujeitos processuais, precipuamente as partes e o juiz, e da matéria em debate.  

O fato é que a análise da razoabilidade está diretamente ligada às peculiaridades do caso concreto. Não se podem impor critérios previamente dispostos em lei, uma vez que estar-se-ia na iminência de ocorrência de desconexão entre a norma e justamente o tratamento particularizado e específico que cada caso exige.

Nessa linha, indica Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias três critérios principais para analisar a durabilidade processual.

A partir dessas premissas, o caráter razoável da duração de um processo ou sem dilações indevidas deve ser apreciado conforme as circunstâncias particulares do caso concreto em julgamento, levando-se em conta três critérios principais: a) a complexidade das questões de fato e de direito discutidas no processo; b) o comportamento das partes e de seus advogados; c) a atuação dos órgãos jurisdicionados. (DIAS, 2010, p. 162)

Diante disso, demonstrada a importância do princípio da duração razoável do processo para a preservação de uma atividade jurisdicional eficiente, necessário se faz retornar ao tema central do presente artigo, qual seja a prescrição intercorrente.

Mostrar-se-á no capítulo seguinte a relação entre o princípio da duração razoável do processo e a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito do processo civil, com a finalidade exaustivamente mencionada de manter a o processo como significado de efetivação de direitos.

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Sobre o autor
Diogo Henrique Dias da Silva

Pós-Graduado em Processo Civil no CEAJUFE. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Belo Horizonte. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diogo Henrique Dias. Da necessidade de revisitação da prescrição intercorrente no processo civil.: Uma defesa ao princípio da duração razoável do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23725. Acesso em: 2 nov. 2024.

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