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Aspectos legais e jurisprudenciais da inelegibilidade do analfabeto

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Agenda 05/03/2013 às 08:15

É ônus do candidato que pleiteia o registro de sua candidatura perante o Juiz Eleitoral, a comprovação de sua escolaridade, mediante a apresentação do comprovante de escolaridade e caso não o faça, cabe ao Magistrado buscar meios para formar seu convencimento a respeito da instrução do pretenso candidato.

I. INTRODUÇÃO

Como notoriamente se sabe, vasta parcela da população, mais precisamente cerca de 14,6 milhões de brasileiros são analfabetos, sendo que 1/3 (um terço) da população é formada por analfabetos funcionais, ou seja, que somente sabem ler e escrever, sem que consigam interpretar o que leem, podendo-se dizer que “desenham” e não escrevem.

O voto é direito de todo cidadão, seja ele alfabetizado ou não. Frise-se que, em se tratando de iletrado, é direito, mas não dever, haja vista o caráter facultativo do mesmo.

Por outro lado, é incontestável a importância do exercício de cargos públicos, em especial nos Poderes Executivo e Legislativo cuja ocupação deriva de eleição direta, sabendo-se que a atuação de seus membros influencia diretamente no rumo do país e, por conseguinte, na vida de cada um de nós.

Nesse passo, a Carta Magna vigente estabelece como pressuposto para que se vislumbre a elegibilidade do cidadão, dentre outros, a imprescindível alfabetização do mesmo. Contudo, não estabelece parâmetros para a aferição da alfabetização do indivíduo candidato. Assim, resta dúvida do “quantum” da língua portuguesa deverá ser sabedor o cidadão para caracterização de sua condição de alfabetizado.

Diante da lacuna legislativa acerca da alfabetização necessária para os fins de elegibilidade para cargo público, a doutrina e a jurisprudência ocuparam-se de atividade criativa, não alcançando, porém, um consenso acerca da definição do termo analfabeto, sendo inúmeras as dificuldades para os Juízes Eleitorais responsáveis pela análise dos pedidos de registro de candidaturas.

O trabalho em epígrafe almeja explanar o tema e alcançar uma conclusão lógica dentre as tantas posições doutrinárias e jurisprudências que existem na área do Direito Constitucional e na Legislação Eleitoral, tentando delimitar parâmetros que facilitem aferir a capacidade do indivíduo frente ao seu grau de alfabetização e o direito constitucional de ser votado (elegibilidade).


II. INELEGIBILIDADES

A inelegibilidade consiste na ausência de capacidade do cidadão ser votado, constituindo-se, portanto, cf. Alexandre de Moraes “em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania” (apud. pag. 219).

Assim, Inelegibilidade significa a restrição do direito político de um determinado indivíduo em ser votado ou de praticar atos de campanha, por força de circunstâncias previstas em lei. Tais normas estão previstas na Constituição Federal e na lei complementar nº 64 de 1990.

Não se devem confundir as Inelegibilidades, com as condições de elegibilidade, que são requisitos constitucionais determinados para que os cidadãos possam se candidatar, pois estas devem estar preenchidas no momento da candidatura para que seu registro seja deferido, enquanto aquelas (Inelegibilidades) não podem estar vinculadas ao sujeito que pretende se constituir em candidato a pleito eleitoral. 

2.1. Classificação das Inelegibilidades

Reduzindo ao quadro das inelegibiliidades todas as situações a ela equiparáveis, como a ausência de condições de elegibilidade (equiparação feita a nível constitucional) e como as situações de incompatibilidade (equiparação feita pela Lei Complementar nº 64/90, com respaldo no § 9º do art. 14 da CF), percebe-se que nem todas as inelegibilidades se submetem ao mesmo regime para o fim de se tornarem operantes no curso do processo eleitoral.

Para melhor compreensão do tema, necessário promover-se a classificação das inelegibilidades. Existe divergência doutrinária quanto à classificação das inelegibilidades, portanto, serão expostas duas correntes de iminentes doutrinadores.

2.1.1. Classificação segundo Alexandre de Moraes

a) Inelegibilidades Absolutas

São aquelas previstas expressa e taxativamente na Constituição Federal e são excepcionais, uma vez que somente poderão ser estabelecidas pela própria Constituição.

A inelegibilidade absoluta consiste em impedimento para concorrência a qualquer cargo, e refere-se a determinada característica da pessoa que pretende se candidatar e não ao pleito ou cargo pretendido.

Assim, o indivíduo que se encontrar em qualquer das condições de inelegibilidade absoluta, não poderá concorrer a eleição alguma. Os casos de inelegibilidade absoluta são:

1 -  Pessoas inalistáveis (estrangeiros e militares conscritos);

2 – Cidadãos analfabetos.

b) Inelegibilidades Relativas

Estas consistem em restrições à elegibilidade para determinados pleitos e mandatos eleitorais, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação a um cidadão especifico.

Trata-se da inelegibilidade, assim conceituada por Pedro Henrique Távora:

“A inelegibilidade consiste no obstáculo posto pela Constituição ou por lei complementar ao exercício da cidadania passiva, por certas pessoas, em razão de sua condição ou em face de certas circunstâncias. É a negação do direito de ser representante do povo no Poder”.[1]

O relativamente inelegível possui elegibilidade genérica, porém não a possui para um cargo específico em determinado momento e não poderá se candidatar. A inelegibilidade relativa pode ser divida em:

1 – Por motivos funcionais;

2 – Por motivos de casamento, parentesco ou afinidade;

3 -  Dos militares;

4 – Por previsões de ordem legal.

2.1.2. Classificação segundo Adriano Soares da Costa[2]:

a) Inelegibilidade inata

Aquele que não possui elegibilidade, por não possuir o registro de candidatura em razão da ausência de algum dos seus pressupostos, é originariamente inelegível, ou seja, não possui o direito de ser votado.

Trata-se da inelegibilidade inata, comum a todos aqueles que não preencham qualquer das condições de elegibilidade, próprias ou impróprias, ou mesmo que não preencham algum pressuposto de admissibilidade do processo de pedido de registro de candidatura.

b) Inelegibilidade cominada

Há a inelegibilidade decorrente de algum fato ilícito, aplicada como sanção que obsta o nacional de concorrer a um mandato eletivo, que apenas pode ser prevista por lei complementar, na forma do § 9° do art.14 da CF/88[3].

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Denomina-se essa sanção de inelegibilidade cominada, que pode ser subdividida em duas espécies: simples ou potenciada.

b.1) Inelegibilidade cominada simples

A inelegibilidade cominada simples é aquela que impede o nacional de concorrer na eleição em que o ato ilícito ocorreu.

b.2) Inelegibilidade cominada potenciada

A inelegibilidade cominada potenciada é aquela que obsta o nacional de concorrer ao mandato eletivo em um determinado espaço de tempo certo ou indeterminado, dependente de alguma condição extintiva.

A inelegibilidade cominada potenciada pode alcançar mais de uma eleição, dependendo do tempo de sua aplicação prevista pelo ordenamento. Essa a razão pela qual pode existir, em uma eleição seguinte àquela em que veio a ser aplicada, o obstáculo-sanção para o deferimento do registro de candidatura, ainda que o nacional seja portador de todas as condições de elegibilidade, típicas e atípicas, e preencha os pressupostos de desenvolvimento regular do processo, fixados pela legislação ordinária[4].

2.2. Inelegibilidades Constitucionais

É relevante a distinção entre as inelegibilidades constitucionais e infraconstitucionais, como bem ressaltado por José Jairo Gomes:

“A distinção que se faz entre inelegibilidades constitucionais e legais não é cerebrina, apresentando inegável relevância prática. Basta dizer que não há preclusão quanto às primeiras, as quais podem ser argüidas na fase do registro de candidatura ou posteriormente, antes ou depois das eleições. A argüição posterior pode ser feita no RCED (CE, art. 262, I). Já as inelegibilidades legais sujeitam-se à preclusão se não forem levantadas na fase de registro de candidatura. Ultrapassado esse momento, não mais poderão ser discutidas, salvo se supervenientes”.[5]

A Constituição estabelece os casos de inelegibilidades no art. 14, §§ 4º a 9ª. Por força deste § 9º, foi promulgada a Lei Complementar nº 64/90, de 18 de maio de 1990, que, aludindo ao dispositivo Constitucional, versa sobre casos de Inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências.

a) Inalistáveis:

Tem como pressuposto a alistabilidade (capacidade eleitoral ativa): aquele que não pode ser eleitor, não poderá ser candidato;

b) Analfabetos:

O analfabeto não possui capacidade eleitoral passiva apesar do direito ao exercício de voto (capacidade eleitoral passiva).

c) Por motivos funcionais

Conforme o § 5º do art. 14 da Constituição[6], com redação dada pela EC número 16, 4/6/1997.

Desde a Constituição Republicana de 1891, não se admitia a reeleição para o chefe do poder executivo; tal tradição em nosso ordenamento constitucional buscava evitar a perpetuidade política no poder e o uso da máquina administrativa na busca de novos mandatos.

A Emenda Constitucional n.º 16 não determinava a desincompatibilização do titular do mandato executivo como requisito para candidatar-se à reeleição, com o intuito de manter a continuidade do Poder Executivo.

A hermenêutica constitucional, segundo a doutrina pátria reza que, no caso de vacância do cargo de chefe do poder executivo, em qualquer das esferas, não haverá impedimento de seus respectivos vices candidatarem-se, para o período subseqüente, independentemente de terem ou não substituído os titulares dos mandatos dos executivos no curso de seus mandatos.

Para outros cargos, o Chefe do Poder Executivo, deverá se afastar definitivamente, por meio da renúncia chamada desincompatibilização.

d) Por motivos de casamento, parentesco ou afinidade

Inelegibilidade reflexa se dá no território do titular do Poder Executivo, e abrange o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau por adoção, do Presidente da República, de governadores de Estado de Território, do Distrito Federal, de prefeito ou de quem os tenha substituído dentro dos seis meses anteriores as eleições, a mesma regra aplica-se à união estável.

Essa regra não se aplica em caso de falecimento do Chefe do Poder Executivo. Estando o Chefe do Executivo exercendo o segundo mandato consecutivo, a renúncia não terá qualquer efeito para a finalidade de desincompatibilização.

e) Militares

 Neste caso em específico estamos diante de um aparente conflito constitucional, pois determina o art. 142 § 3º, V, da Constituição Federal que aos membros das Forças Armadas é vedado estar filiado a partidos políticos, aí incluídos os militares dos Estados Distrito Federal e Territórios, entretanto o art. 14, pg. 8 enuncia que o militar é alistável podendo ser eleito.

A solução a que chegou o TSE foi de manter o candidato na condição de agregado, ou seja, afastado temporariamente. Se contar com mais de dez anos, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade; se contar menos de dez anos de serviço deverá afastar-se da atividade[7].

No capítulo final passaremos ao estudo aprofundado de uma das causas constitucionais de inelegibilidade disposta no § 4º do artigo 14 da Constituição Federal, qual seja a inelegibilidade do analfabeto.


III. A INELEGIBILIDADE DO ANALFABETO

3.1. Analfabetismo

Segundo o Anuário 2007: Qualificação Social e Profissional divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) publicado em 12 de maio de 2007, cerca de 12% dos brasileiros eram analfabetos[8].

Dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE apontam que, no ano de 2010, havia no Brasil mais de 14,6 milhões de analfabetos, A pesquisa refere-se a brasileiros com mais de dez anos de idade, o que representa 9,02% da população a partir desta faixa etária. .

Embora os dados fornecidos por institutos de pesquisas estatísticas apresentem-se de forma objetiva, não existe conceituação precisa do que vem a ser analfabetismo.

Adriano Soares da Costa com clareza nos ensina: "Não existe um conceito unívoco de alfabetismo, de modo a seguramente ser aplicado no Direito Eleitoral"[9].

Assim, nota-se que não existe, na doutrina pátria, um conceito unânime do que seja o analfabetismo, assim cabe buscar tal conceito fora da doutrina jurídica.

O Dicionário Aurélio[10] define analfabeto como aquele “que não conhece o alfabeto; que não sabe ler ou escrever; absolutamente ou muito ignorante".

Segundo a UNESCO:

“Em 1958, a UNESCO definia como analfabeto um indivíduo que não consegue ler ou escrever algo simples. Vinte anos depois, adotou o conceito de analfabeto funcional: uma pessoa que, mesmo sabendo ler escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer as demandas do seu dia-a-dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente.”[11]

Já na doutrina jurídica, Arruda Pedro Robert Deconain[12], preleciona:

"Por não alfabetizados devem ser havidos àqueles que nada, sabem ler, nem escrever. Os que, todavia, possuírem condições de escrita e leitura, ainda que rudimentares, devem ser considerados alfabetizados, para o fim de lhes ser permitida a candidatura a mandato eletivo".

O renomado professor Adriano Soares, novamente, ensina: "...é alfabetizado quem sabe ler e escrever, razoavelmente, ainda que com embaraços de gramática...". E arremata: "o grau de alfabetização exigido é mínimo, apenas para que se afaste a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível o analfabeto, e não, o semi-analfabeto..."[13].

Torquato Jardim destoa: "A tão só aptidão para a leitura, de quem já assina seu nome, é suficiente para afirmar, no Direito Eleitoral, pelo menos, grau de alfabetização e, assim, a elegibilidade"[14].

Filiando-se à maioria, Carvalho Santos, apud Pedro Henrique Távora Niess, estabelece: "... deve ser considerado analfabeto quem apenas sabe desenhar o seu nome, incapaz de ler o que está subscrevendo"[15].

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral:

ACÓRDÃO TSE N.º  12.952/92  - SP

Recurso Especial. TRE/SP. Registro de candidato. Analfabetismo. Desincompatibilização. Inelegibilidade. Considera-se alfabetizado aquele que não apenas escreve o seu nome, mas que também demonstre aptidão para a leitura. Comprovado o não afastamento, no prazo legal, do candidato que exerce função pública, há de considerar-se a inelegibilidade.

Aqui, cabe uma análise dos termos do Glossário Eleitoral Brasileiro disponível no sitio eletrônico do TSE (www.tse.jus.br/eleitor/glossario) para o verbete “analfabeto” :

“Para efeitos de registro de candidatura, é analfabeto aquele que, requerendo seu registro de candidato, e não tendo feito acompanhar o Requerimento de Registro de Candidatura de seu comprovante de escolaridade, submete-se a um “teste de alfabetização”, não sendo nele aprovado. Em não sendo aprovado e, em todas as instâncias recursivas, tiver confirmada a validade do teste é, para este efeito, considerado inelegível, de acordo com o art. 14, § 4º da Constituição Federal de 1988.

Não existe um conceito unívoco de alfabetismo, de modo a seguramente ser aplicado no Direito Eleitoral. Há gradações de analfabetismo, desde aquele que implica a impossibilidade de realização de mínima leitura, até aquele que implica a impossibilidade de mínima escrita. Ler e escrever são potenciais que comportam gradações: há os que soletram com dificuldade; há os que lêem razoavelmente, embora com limites de compreensão do texto lido; e há aqueles que lêem e entendem a extensão e sentido do que foi lido. Doutra banda, há aqueles que escrevem o nome, apenas; os que escrevem mal e com dificuldade gramatical; e os que escrevem bem, atendendo às regras ortográficas e reduzindo com clareza suas idéias por escrito. E, dentro desses casos, há ainda outras tantas gradações, que ocorreram na riqueza da vida e trazem implicações no cotidiano do período eleitoral.

É alfabetizado quem sabe ler e escrever razoavelmente. Escrever com sentido e concatenação das ideias, ainda que com embaraços de gramática; ler com compreensão do texto, do seu sentido, ainda que de modo rudimentar e turvo. É analfabeto, ao revés, aquele que não sabe ler nem escrever com um mínimo de sentido ou com total impossibilidade de externar pensamentos”.

Resta clara a falta de uniformização de um conceito para o analfabetismo, muito embora caminhe a maioria da doutrina e das Cortes para o estabelecimento de requisitos mínimos, quais sejam a capacidade de ler e escrever, exigindo-se, ainda, compreensão básica dos textos que lhe sejam apresentados, bem como condição de se expressar com o mínimo de sentido. Clara, ainda, é a responsabilidade estatal emanada da Carta Suprema de erradicação do analfabetismo, conforme preceitua o plano nacional de educação, na forma do artigo 214, inciso I, da CF/88.


IV. HistÓrico do voto do analfabeto no Brasil

Data de 23 de janeiro de 1532 o primeiro voto em terras brasileiras de que se tem notícia. Nessa data, os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa – São Vicente, em São Paulo – foram às urnas para eleger o Conselho Municipal, que detinha funções executivas e legislativas.

A votação foi indireta, com a eleição de seis representantes, que, em seguida, escolheram os oficiais do Conselho. As eleições eram orientadas por uma legislação portuguesa, o Livro das Ordenações, elaborado em 1603.

Eram votantes os chamados "homens bons", expressão ampla e ambígua, que designava, de fato, gente qualificada pela linhagem familiar, pela renda e propriedade, bem como pela participação na burocracia civil e militar da época. A expressão "homens bons", posteriormente, passou a designar os vereadores eleitos das Casas de Câmara dos municípios, até cair em desuso.

Somente em 1821, as pessoas deixaram de votar apenas em âmbito municipal. Na falta de uma lei eleitoral nacional, foram observados os dispositivos da Constituição Espanhola para eleger 72 representantes junto à corte portuguesa. Os eleitores eram os homens livres e, diferentemente de outras épocas da história do Brasil, os analfabetos também podiam votar. Os partidos políticos não existiam e o voto não era secreto.

Os períodos colonial e imperial foram marcados pelo chamado voto censitário e por episódios freqüentes de fraudes eleitorais. Havia, por exemplo, o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa. Também não existia título de eleitor e as pessoas eram identificadas pelos integrantes da Mesa Apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios. Somente em 1842 foi proibido o voto por procuração.

A legislação vigente durante o Império possibilitou à opinião pública exigir eleições diretas e criticar os abusos e as fraudes. O novo quadro eleitoral levou o Conselheiro Saraiva a reformá-la, encarregando Ruy Barbosa de redigir o projeto da nova lei, de n. 3.029/81, que ficou conhecida como Lei Saraiva. Ela aboliu as eleições indiretas e confiou o alistamento à magistratura, extinguindo as juntas paroquiais de qualificação.

A chamada Lei Saraiva foi marcante para o voto dos analfabetos ao estabelecer sua proibição para o futuro. No primeiro alistamento, qualquer cidadão poderia ser inscrito, se o requeresse por escrito "com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com os documentos exigidos nesta lei" (art. 6º, parágrafo 4º).

Depois da Proclamação da República, em 1889, o voto ainda não era direito de todos. Menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero estavam impedidos de votar.

Em 1916, o Presidente Wenceslau Brás, preocupado com a seriedade do processo eleitoral, sancionou a Lei n. 3.139, que entregou ao Poder Judiciário o preparo do alistamento eleitoral. Por confiar ao Judiciário o papel de principal executor das leis eleitorais, muitos percebem nessa atitude o ponto de partida para a criação da Justiça Eleitoral, que só viria a acontecer em 1932.

A Revolução de 1930 tinha como um dos princípios a moralização do sistema eleitoral. Um dos primeiros atos do governo provisório foi a criação de uma comissão de reforma da legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no primeiro Código Eleitoral do Brasil.

O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral, que passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais – alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. Além disso, regulou em todo o País as eleições federais, estaduais e municipais.

O Código introduziu o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional, em dois turnos simultâneos. Pela primeira vez, a legislação eleitoral fez referência aos partidos políticos, mas ainda era admitida a candidatura avulsa.

Na Carta de 1937, o art. 117 diz que são eleitores os brasileiros de ambos os sexos, maiores de dezoito anos. Os analfabetos, os mendigos, militares em serviço ativo e os que estivessem privados dos direitos políticos não tinham o direito de voto.

As Constituições de 1946 e 1967 são iguais quando se referem ao alistamento e ao voto. Ambos são obrigatórios para os brasileiros dos dois sexos; maiores de dezoito anos. Na Constituição de 1967, como ocorreu na de 1946, exclui-se distinção de sexos. Resta a parte da população que não tem direito de alistar-se: os que perderam os direitos políticos, analfabetos e os que não sabiam exprimir-se na língua nacional.

O direito do voto só foi permitido ao analfabeto com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 25, de 15 de maio de 1985, regulamentada pela Lei 7.332/85.

A Carta Magna de 1988, em seu artigo 14, estabelece que o alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os cidadãos analfabetos, que, no entanto, são inelegíveis.

Como se observa, o acesso dos analfabetos ao voto não se mostra um constante na história brasileira. Em verdade, a possibilidade de voto oscila de acordo com as vontades políticas dominantes em cada fase.

A CF/88 estabeleceu em seu artigo 60, § 4º, um rol de matérias que não poderão ser motivo de propostas para deliberação, nem sequer por emenda constitucional, não se permitindo tendência alguma para abolição.

Dentre essas matérias destacamos o voto direito, secreto, universal e periódico.

Trata-se, pois de cláusula pétrea que objetiva a preservação do regime democrático de sufrágio universal.

O sufrágio é universal quando se outorga o direito de votar a todos os nacionais de um país, sem restrições derivadas de condições de nascimento, de fortuna ou de capacidade especial.

Sobre o autor
Josué Teles Bastos Junior

Bacharel em Direito, Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, Especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS JUNIOR, Josué Teles. Aspectos legais e jurisprudenciais da inelegibilidade do analfabeto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3534, 5 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23878. Acesso em: 23 dez. 2024.

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