V) CONCLUSÃO
Tratando-se, pois, a indústria petrolífera, de atividade de alto impacto ambiental, de um lado; e de extremas consequências sócio-econômicas para as populações que devem conviver com essa atividade, qual o sentido da compensação prevista no art. 20, § 1º, aos Estados e municípios, para o petróleo extraído da plataforma continental?
A despeito da riqueza proporcionada pelo petróleo, a compensação só pode ser aquela no sentido de reparar um dano ou um potencial dano. Dentre esses, destacam-se o risco ou os danos ambientais aos Municípios que sediem equipamentos vitais à indústria do petróleo ou sejam por eles afetados. Alternativamente a esse potencial dano, trata-se de distribuir os recursos com o propósito de preparar os municípios impactados pelas atividades petrolíferas, também por razões sociais, para a fase pós-esgotamento das jazidas.
Não haveria sentido em aplicar-se, nesse particular, a noção de uma compensação em vista da riqueza pertencente a uma determinada população, que é extraída de seu solo, como ocorre na lavra em terra. Se a exploração fosse equivalente apenas à extração de petróleo da plataforma continental, por que deveriam Estados e Municípios receber esses valores? Repita-se: a plataforma continental é bem da União; e o mero fato de serem confrontantes não faz com que esses Estados e Municípios sofram os efeitos da extração do petróleo.
A compensação serve, pois, justamente a isso: permitir àqueles Municípios afetados pela exploração na plataforma continental receber uma indenização (nome histórico dado à compensação, já na Lei 2004/53) em vista dos transtornos sofridos em vista do desenvolvimento de atividades correlatas à indústria do petróleo, em seus territórios.
De se notar, ainda, que toda análise jurídica deve pautar-se pela razoabilidade. Assim, que sentido haveria em proceder-se à compensação de um Município ou de um Estado que não tivesse nenhuma relação com a indústria petrolífera? Assim, também a razoabilidade impõe, como já bem destacou o Prof. Barroso, que haja um nexo entre um dano sofrido (ou o risco desse dano) e a compensação a ser paga, na modalidade royalties.
VI) BIBLIOGRAFIA
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Notas
[1] STF, MS 24312/DF, Rel. Min. Ellen Gracie (trecho do voto do Min. Nelson Jobim), DJ 19.12.2003.
[2] Art. 155..........
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
X – não incidirá:
.....................................
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
[3] Curso de direito constitucional, 6ª ed., p. 96.
[4] Canoas: REsp nº 1.103.921-RS; Paulista: REsp nº 1.089.319 – PE.
[5] Perceba-se que a Reclamação não discute o acerto ou não da suposta interpretação com base na Constituição. Cabe apontar, contudo, a necessidade de que tal construção, para sobreviver, requer ainda o afastamento da idéia de uma interpretação sistemática entre o art. 20, § 1º e as possibilidades de compensação por dano ambiental, situadas igualmente no nível constitucional. Enfim, é necessário restringir a liberdade de conformação legislativa, em clara afronta ao princípio democrático, consubstanciado nesse caso na atividade legislativa.
[6] Imbé – Resp 1.169.806; Camaragibe – Resp 1.115.194. No caso de Imbé, a decisão que citou o referido Resp foi anterior à suspensão. Já a de Camaragibe, posterior, o que gera uma incoerência, na medida em que se baseou em acórdão cujos efeitos estão suspensos. Importa referir também que ambos os Municípios ajuizaram Reclamação perante o STF, pelos mesmos argumentos constantes do caso de Osório, sem que fosse deferida a liminar pleiteada. Deve-se observar, contudo, que a Reclamação por ofensa à Súmula Vinculante 10 exige o exame detalhado de cada acórdão, a fim de verificar se houve ou não a declaração escamoteada de inconstitucionalidade.
[7] Parágrafo redigido em conjunto com o Dr. Ericson Meister Scorsim, a quem devo também a apresentação do referido acórdão.
[8] Trecho selecionado e escrito em parceria com o Dr. Ericson Meister Scorsim.
[9] Parágrafo redigido pelo Dr. Ericson Scorsim.
[10] Parecer divulgado no site: www.conjur.com.br. Acesso em 15.7.2010.
[11] Os Royalties do Petróleo na legislação brasileira e a Emenda Ibsen, In www.netlegis.com.br.
[12] Serra, Rodrigo; Leal, José Agostinho. Uma investigação sobre os critérios de repartição dos royalties petrolíferos, in Piquet, Rosélia (org.). Petróleo, Royalties e Região, p. 168-169. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. Vale referir que um desses autores (Rodrigo Serra) aponta, como se verá na seqüência, um fundamento econômico autônomo, ligado a esses apresentados, sem necessariamente excluí-los.
[13] Adiante será citada a referência específica de Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
[14] Royalties do petróleo e questões constitucionais. Interesse Público, 62, p. 126 e ss.
[15] Adiante, a citação de Smend, aplicável também à situação acima exposta.
[16] Sem falar na confusão que se pode estabelecer também do termo produção, consoante o art. 6º, inc. XXVII da Lei 9478/97. Vê-se ali que faz parte da cadeia produtiva o sistema de produção de petróleo, que inclui a distribuição, a revenda e a estocagem, bem como o consumo de petróleo. Ou seja, tudo isso faz parte da produção de petróleo, uma das causas que autoriza o recebimento pelos Municípios.
[17] Cf., por todos, Dimoulis, Dimitri (Coord.-Geral). Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional. Verbete: Interpretação Constitucional, p. 195 (por André Ramos Tavares). Saraiva: São Paulo, 2007.
[18] MÜLLER, F. Juristische Methodik, 4 ed., p. 173.
[19] Buarque de Holanda, Aurélio. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., Nova Fronteira, p. 743.
[20] E desconsiderando-se a liberdade de conformação legislativa do Parlamento, bem como o teor do art. 225, adiante explicitados.
[21] Cf. Müller, Friedrich. Juristische Methodik, 9ª ed., p. 269 e ss.
[22] Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 1, p. 154.
[23] O art. 1º da Lei 7453/85 deu nova redação ao art. 27, § 4º, da Lei 2004/53. Art. 1º...........................§ 4º - É também devida a indenização aos Estados, Territórios e Municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental, nos mesmos 5% (cinco por cento) fixados no caput deste artigo, sendo 1,5% (um e meio por cento) aos Estados e Territórios; 1,5% (um e meio por cento) aos Municípios e suas respectivas áreas geo-econômicas, 1% (um por cento) ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das atividades econômicas das referidas áreas, e 1% (um por cento) para constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios.
[24] Toma-se o termo de Rodrigo Serra e Carla Patrão, op. cit., p. 201.
[25] SMEND, Rudolf.. Das Recht der freien Meinungsäusserung, in: Staatsrechtliche Abhandlungen (und andere Aufsätze), p. 90-91 (tradução livre, objetivando menos a literalidade, e mais o contexto). No original: “Die Verfassung hat gar nicht in erster Linie spezialgesetzliche Normen in den Grundrechten setzen wollen. Die Grundrechte normieren privatrechtliche, verwaltungsrechtliche, strafrechtliche Verhältnisse nicht des Privatrechts, des Verwaltungsrecht, des Strafrechts, sondern der Verfassung wegen. Sie verfolgen nicht die technischen Sonderzwecke jener einzelnen Rechtsgebiete, sondern den konsttuierenden Gesamtzweck des Verfassungsrechts. (...) der abgescriebene Satz (des Privatrechts – R.B.) rückt in eine andere Ebene und in seinem ganz neuen, ihm bisher fremden Bedeutungszusammenhang und tritt infolgedessen zugleich in ein Verhältnis eigentümlicher Inkommensurabilität zu seiner Vorlage und der technisch gemeinten Umgebung, aus der sein Wortlaut stammt.”
[26] Os autores analisam, sob o prisma da teoria econômica, os fundamentos para o pagamento de royalties. Concluem, quanto a Estados e municípios que, para além da peculiaridade da questão federativa e fiscal no caso brasileiro, devem receber todos os Municípios que efetivamente sofram os efeitos da indústria petrolífera, não apenas pelos impactos que causa, e também nem só pelo incremento de infra-estrutura necessária, mas fundamentalmente porque essa infra-estrutura, em determinado momento, se tornará obsoleta, dada a finitude dos recursos (Impropriedades dos critérios de distribuição dos royalties no Brasil, in: Petróleo, Royalties e Região, p. 191-192). Há, pois, um peculiar mecanismo de justiça intergeracional, cujas bases estão fincadas na teoria de Hotteling. Hartwick, baseado em Hotteling (pioneiro na análise de um peculiar conceito de renda mineral. Seus estudos baseavam-se na hipótese de um explorador privado, razão pela qual sua teoria sofre ajustes quando o bem é do poder público), sustenta que “a geração atual deixe, para a futura, capital reprodutível, humano ou natural, o suficiente para que esta mantenha um padrão de vida satisfatório”. Assim, “a geração atual deve converter parte da renda gerada (renda de Hottelling) pela extração de recursos não-renováveis em máquinas e trabalho... Lembrando Hotteling, se o valor do recurso é o valor futuro descontado para o presente e, uma vez aplicada a regra de Hartwick, estará preservando-se o montante total de capital.” Tudo em Rodrigo Serra e Carla Patrão, op. cit., p. 192.
[27] Serra, Rodrigo; Patrão, Carla, op. cit., p. 202-203.
[28] Como o objetivo do presente artigo é interpretar e concretizar o art. 20, § 1º, não se analisará em detalhes essa controvérsia.
[29] Op. cit., p. 203.
[30] Müller, Friedrich. Juristische Methodik, 9ª ed., p. 37. O autor destaca, porém, que se trata aqui de uma realidade recortada já pelo texto de norma. Para um singelo exemplo no direito brasileiro, quando a Constituição reconhece a existência da liberdade de associação para fins pacíficos, está já a excluir aquelas associações paramilitares, eventualmente encontráveis na realidade, mas não admitidas pelo direito.
[31] Cf., por todos, Daniel Yergin. O Petróleo. Scritta Editora, 1989.
[32] E novamente pertinente à citação de Müller, atrás referida, de que os conceitos assumem em direito outro significado.
[33] MONTEIRO, Alexandre Flávio Medeiros; BARROS, Felipe Maciel Pinheiro; JERÔNIMO DA SILVA, Keisson Cristiano; LEITE, Fábio Augusto de Castro Cavalcanti Montanha. Infrações Penais Ambientais Específicas: da poluição Mineral, Atmosférica, Visual, Sonora e Hídrica. Aplicação à Indústria do Petróleo e Gás Natural, in Direito Ambiental Aplicado à Indústria do Petróleo e do Gás Natural, p. 160-161.
[34] No mesmo sentido, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (10.12.1982) exige uma série de cuidados para o transporte de petróleo no mar.
[35] Apud Maria Augusta Paim: O petróleo no mar: o regime das plataformas marítimas petrolíferas no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 355.
[36] Devo essa argumentação, aí incluída boa parte da redação, à contribuição do Dr. Ericson Meister Scorsim.
[37] Conforme ainda Eros Roberto Grau: “Nesses termos, monopólio significa privilégio de ser titular do poder de relacionar-se economicamente com determinado mercado, de forma isolada e única, sem interferência de outros competidores, na venda (polein) de determinadas mercadorias, Trata-se, aqui, de monopólio de atividade econômica. Em Elementos de Direito Econômico.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 85.