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A legitimidade ativa do Ministério Público em caso de ações civis públicas que pretendam tutelar interesses individuais homogêneos

Agenda 18/03/2013 às 16:58

Os tribunais superiores acatam que a defesa dos direitos individuais homogêneos pode ser feita pelo Ministério Público quando houver relevante interesse social.

1 – Breve intróito.

1.1 – Natureza jurídica da Ação Civil Pública.

A Ação Civil Pública possui raiz constitucional (artigo 129, inciso II, Constituição Federal), de forma que constitui em adequado instrumento processual para concretizar o direito das massas. É dizer que a referida class action sintoniza-se com a necessária preservação de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, revelando-se em direito fundamental da própria sociedade. Possui, portanto, natureza constitucional.

Todavia, em que pese existir regulamentação infraconstitucional, por intermédio da Lei Federal nº 7.347/1986, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, há muita controvérsia acerca da utilização da ação civil pública para tutelar interesses individuais homogêneos.

O presente ensaio visa não esgotar o tema, mas apresentar argumentos suficientes para registrar o interesse processual do Ministério Público na aludida questão, aceitando-se, democraticamente, as críticas vindouras.


2 – Da controvérsia.

2.1 – Da normatização infraconstitucional.

Na redação original da Lei Federal nº 7.347/86, não havia previsão de proteção a direitos individuais homogêneos.

O ingresso no ordenamento jurídico brasileiro da aludida espécie de direito ocorreu com a vigência do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990), expressamente no seu artigo 811.

Verifica-se que a reforma inovou na criação de outro tipo de direito a ser defendido, qual seja, os interesses individuais homogêneos que se distinguem dos direitos difusos e coletivos.

Nessa linha de raciocínio, José dos Santos Carvalho Filho leciona que:

“A categoria dos interesses individuais homogêneos guarda distinção fundamental em relação aos interesses coletivos e difusos: enquanto estes são transindividuais, porque o aspecto de relevo é o grupo, e não os seus componentes, aqueles se situam dentro da órbita jurídica de cada indivíduo. Por outro lado, os direitos transindividuais são indivisíveis e seus titulares são indeterminados ou apenas determináveis, ao passo que os individuais homogêneos são divisíveis e seus titulares são determinados2”. (Destacado).

Para Ada Pellegrini Grinover:

“O art. 117 do Código de Defesa do Consumidor, ao ampliar a competência do Ministério Público no que toca à interposição de ação civil pública, legitimando-o a atuar postulando a proteção de direito individual homogêneo, peca por inconstitucionalidade, pois a Lei Maior só permite ao Ministério Público agir em defesa de interesses individuais indisponíveis (art. 127) e dos direitos difusos e coletivos (art. 219, inciso III)3”. Destacado.

Entretanto, a doutrina de igual quilate ensina que inexiste previsão constitucional, não estando os interesses individuais homogêneos enquadrados no termo “outros interesses difusos e coletivos”.

Quem analisa esse assunto é Hugo Nigro Mazzilli, em três linhas de pensamentos. Veja-se:

“Numa primeira linha, mais restritiva, afirmam seus defensores que a Magna Carta não deu legitimidade ao Parquet para defender os interesses individuais homogêneos; na segunda linha, ampliativa, “permite ao Ministério Público ajuizar ação coletiva para zelo de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, não só em matéria atinente às relações de consumo, mas também em qualquer outra área que envolva interesses transindividuais; na terceira linha, os interesses individuais homogêneos só serão tutelados pelo Parquet quando for de conveniência da sociedade como todo. Hugo Mazzilli adota esse último entendimento4. Destacado.

Na defesa de seu pensamento, Mazilli afirma que “se em concreto a defesa coletiva de interesses transindividuais assumir relevância social, o Ministério Público estará legitimado a propor a ação civil pública correspondente. Convindo a coletividade como todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, não se há de recusar ao Ministério Público assuma sua tutela”.

2.2 – A jurisprudência.

Na esteira do raciocínio acima referido, nossos Tribunais Superiores acatam que a defesa dos direitos individuais homogêneos pode ser feita pelo Ministério Público quando houver “relevo social”, “relevante interesse social”. Veja-se:

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“O Supremo Tribunal Federal reconhece legitimidade do Ministério Público para ajuizar Ação Civil Pública, que trata de direito individual homogêneo de “relevante interesse social”, como defender o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. (RE 472.489-AgR, rel. Min. Celso de Mello, 29/04/2008).

Ministério Público é parte legítima para propor ACP voltada a infirmar preço de passagem em transporte coletivo” (STF, 1ª Turma, RE 379.495/SP, Min. Marco Aurélio, 20/04/2006).

O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidade escolares." (SÚMULA 643, STF).

O Ministério Público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação." (RE 470.135-AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, 22/05/2007).

O Ministério Público possui legitimidade ativa para promover a defesa dos direitos difusos ou coletivos dos consumidores,bem como de seus interesses ou direito individuais homogêneos, inclusive no que se refere à prestação de serviços públicos, haja vista a presunção de relevância da questão para a coletividade. Precedentes do STJ.” (STJ, Min. Herman Benjamin, RESP 605.755/PR, 22/09/2009). Destacado.

Além da argumentação acima expedida, há que se lembrar da máxima efetividade dos direitos fundamentais5, o qual consiste em

"um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)6”. Destacado.

Veja-se que a legitimação que se defende é em benefício social, não podendo vaidades e restrições limitar a atuação do Ministério Público, em flagrante prejuízo da sociedade.


3 – Conclusão.

Em conclusão, a atuação ministerial está voltada para defesa social7, como quis o Legislador Constituinte, sendo certo que sua missão deve ser cumprida, da forma mais sublime e em prol de uma sociedade tão carente de luz, como a brasileira.


Notas

1Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

2 Ação Civil Pública. 6ª ed. rev., ampl. e atual.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 30.

3 A Ação Civil Pública e a defesa de interesses individuais homogêneos. Revista de Direito do Consumidor, n. 5, São Paulo.

4 (Mazzilli. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:Saraiva, 2005, pgs. 96-98).

5Artigo 5º § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

6 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição, 6ª edição, p. 227.

7CF/88. Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Sobre o autor
Rodrigo Leventi Guimarães

Promotor de Justiça na Comarca de Buritis (RO). Pós-graduado em Direito Público. Membro do Instituto Rondoniense de Direito Eleitoral - IDERO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Rodrigo Leventi. A legitimidade ativa do Ministério Público em caso de ações civis públicas que pretendam tutelar interesses individuais homogêneos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23984. Acesso em: 22 dez. 2024.

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