Resumo: Trabalho descritivo, cujo objeto se volta ao estudo da discriminação no mercado de trabalho, com enfoque voltado para o problema da mulher no referido mercado. Trata-se de estudo onde buscamos elucidar que as modificações nas leis, costumes e princípios protetivos dados à mulher ao longo dos anos não estão dando o resultado necessário à transformação da sociedade, pois se trata de forma reprimida o fato de que a pior discriminação é feita na mente das pessoas (homens e mulheres) que ainda acham que melhorar as condições da mulher no mercado de trabalho para que ela seja excessivamente protegida vai melhorar por si só a forma como as mulheres são tratadas no referido mercado. Ainda temos muito caminho a percorrer, tanto na mudança estrutural do Estado como na reestruturação das leis. As regras da Organização Internacional do Trabalho, através de suas convenções, estão sendo ratificadas, mas pouco está sendo feito no sentido de colocá-las em prática. Os artigos da norma consolidada recebem por vezes uma capa de proteção do entendimento jurisprudencial que choca com o pensamento doutrinário majoritário. Por outro lado, os empresários estão cada vez mais sendo exigidos para que a mulher ocupe o seu lugar sem ser discriminada, mas não levam a sério o problema e tentam burlar as normas de toda forma. De fato, a solução pode passar pelas normas protetivas, mas deve haver uma diferença entre quais as normas que tratam de proteção fisiológica e quais tratam de real discriminação. Mudar, criar e tentar executar leis por si só não resolve o problema. Nesse caso específico, os meios não estão solucionando os fins.
Palavras-chave: Trabalho e Mulher. Discriminação.Preconceito no mercado de trabalho.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO. 2.1. A diferença de conceitos e sua aplicação. 2.2. Princípios que norteiam a discriminação. 2.2.1. Igualdade. 2.2.2. Não discriminação. 3. A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO. 3.1. Parte Histórica. 3.1.1. Período anterior à proclamação da república. 3.1.2. Período após a proclamação da república. 3.2. Situação atual da mulher no mercado de trabalho. 3.2.1. O obstáculo da dupla jornada de trabalho. 3.2.2. A maternidade. 3.2.3. Mulher chefe do lar. 3.2.4. Trabalho de mulher. 4. NORMAS PROTETIVAS. 4.1. Constituições. 4.2. Artigos da CLT. 4.3. Convenções da OIT. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
As mudanças de comportamento da sociedade na seara laboral ao longo dos séculos é motivo de estudo em várias áreas, seja para incluir novos métodos e facilitar a vida social ou mesmo para normatizar costumes que surgem com o passar dos anos. Aliás, os costumes são o verdadeiro marco de criação das leis.
À medida que essas mudanças atingem um grupo de forma negativa, surgem novas maneiras de tentar equilibrar o convívio desse grupo discriminado ao restante da sociedade não atingida pelas mudanças. Nesse sentido, leis são criadas, revogadas, emendadas, e temos aqueles que apreciam as novas medidas, os que as repudiam e ainda os que são diretamente beneficiados ou prejudicados pela nova criação. No mercado de trabalho isso não poderia ser diferente, pois os costumes também atingem essa seara.
Historicamente, mulheres de todas as classes sociais e idade foram e são discriminadas no mercado de trabalho, inicialmente porque eram consideradas inúteis ou mesmo frágeis para a maioria dos trabalhos, depois por terem o valor de sua mão de obra desvalorizada a tal ponto que sequer atendia suas necessidades básicas de uma vida social digna, terminando por se esconderem atrás de maridos machistas que de uma forma ou de outra pretendiam excluí-las do seio laboral com escusas das mais variadas, como por exemplo a desculpa de que a mulher não precisava ganhar dinheiro.
Com as grandes guerras, as mulheres tiveram que, aos poucos, preencher lacunas no mercado de trabalho, e ali foram se consolidando, a despeito do gênero masculino que insistia em construir barreiras para que o inevitável acontecesse. Esse medo é justificável, pois as mulheres estão cada vez mais provando o seu valor e realizando as mais variadas tarefas que até bem pouco9tempo não seria aceitável ou mesmo imaginável, como pilotar caças da força aérea em combate.
O estudo a seguir exposto, visa não apenas à demonstração do certo e do errado em relação à discriminação no mercado de trabalho feminino, mas, principalmente a demonstrar que a verdadeira mudança não está apenas no mundo das ações onde se criam leis e todo tipo de normas protetivas para desfazer injustiças seculares que foram impostas. Deve existir também uma transformação no mundo das ideias. Apenas dessa forma conseguiremos a verdadeira justiça social.
Denadaadiantaacriaçãodenormasprotetivasquegarantam imediatamente um amparo às mulheres, se essas normas não servirem a uma mudança de pensamento, para que futuras sociedades possam desfrutá-las por completo, sem ter que emendá-las ou revogá-las. Seguindo no nosso estudo, no capítulo dois, iniciamos com uma breve explanação da diferença de conceitos importantes para o entendimento do nosso trabalho, onde poderemos discorrer sobre a aplicação deles e os princípios constitucionais que os norteiam, basicamente atentando para os princípios da igualdade, com a utilização do conceito de discrímen, e o princípio da não-discriminação.
Já no capítulo três, abordamos de forma geral o problema principal do trabalho, iniciando com um corte histórico da discriminação sofrida ao longo dos tempos pela mulher, de forma a iniciar um entendimento formado desde muito antes das leis protecionistas existentes hoje em dia. Falaremos sobre a situação atual da mulher no mercado de trabalho, fazendo um contraponto com seus principais obstáculos, como por exemplo, a dupla jornada e a maternidade. Terminamos o alusivo capítulo tentando elucidar o que hoje ainda é chamado de “trabalho de mulher” e as sérias consequências que esse pré-julgamento pode trazer para as futuras gerações.10
No capítulo quatro falaremos das normas protetivas, constituições, artigos da CLT e convenções internacionais da OIT, tentando demonstrar se são suficientemente protetivas ou se necessitam de maior eficácia, tratando o que pode ser protetivo de modo fisiológico e o que é apenas protetivo, podendo se tornar discriminatório.
Por fim, no capítulo cinco, teremos a conclusão do ponto de vista prático, já que as soluções apresentadas até o presente momento resumiram-se à normatizações que nem sempre deram a resposta que a mulher precisava para acabar de vez com a discriminação na seara laboral a ponto de ser vista como igual, conforme determina a nossa constituição.
O discorrer desse trabalho aborda de forma sucinta um costume que deverá ser modificado, pois os valores adquiridos através de nossa educação e vivência são primordiais para a formação de nosso convencimento diante de situações contraditórias.
Sabendo que a nossa formação predomina de uma sociedade machista em sua maioria, cada vez mais tentamos criar leis para abrandar o passado vergonhoso e discriminatório vivido pelo até então conhecido como “sexo frágil”, porém, da forma como estamos enfrentando o problema, veremos que frágil mesmo é o nosso poder de mudança.
A comprovação de que vivemos em uma sociedade machista se vê no dia a dia, em várias situações. A discriminação pode estar banida nos textos, mas se encontra arraigada na sociedade.11
2 PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO
2.1 A diferença de conceitos e sua aplicação
Preconceito, nada mais é do que o juízo que fazemos antecipadamente, a forma como pensamos diante de situações que não conhecemos verdadeiramente. A discriminação é o preconceito sendo colocado em prática. Ou seja, se temos uma situação nova e achamos que ela não é boa, agimos com preconceito, porém quando resolvemos agir diante dessa mesma situação de forma negativa estamos aí discriminando.
Vamos citar como exemplo, presidiários e pessoas de determinadas “tribos sociais” que são cheias de tatuagens. Se não conhecemos essas pessoas, certamente teremos um preconceito sobre elas a ponto de nunca contratarmos essas pessoas para trabalhar na nossa empresa. Ou seja, quando pensamos em não contratá-las estamos apenas sendo preconceituosos, pois pensamos assim devido ao seu histórico, ou mesmo em relação às tatuagens, porém, quando não experimentamos uma eventual contratação para constatar se o preconceito estava certo ou errado, aí temos uma discriminação.
Assim, diante de tantos pensamentos acerca do favorecimento nas leis para facilitar a vida das mulheres, temos discriminações implícitas de legisladores que terminam por criar numa lei que deveria ser protetiva, a discriminação.
Trabalho:
Segundo a Convenção nº 111, de 1958 da Organização Internacional do
Art.1º1.Paraosfinsdapresenteconvenção,otermo “discriminação”compreende: a) Todadistinção,exclusão,ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir12
ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção; exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores,quandoestasexistam,eoutrosorganismos adequados. 2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação [...]. (OIT, 1958).
Ora, vemos no texto acima, alínea a, que a preferência fundada em sexo é discriminação, fortalecendo nosso pensamento de que favorecer também é uma forma de discriminar. Logo, devemos ter muito cuidado ao criar normas que prestigiem determinado sexo em detrimento do outro, pois a simples falta de planejamento na elaboração das leis faz com que a ordem pareça bastante discriminatória.
Por exemplo, se criarmos uma lei protetiva e essa vir a cair no mundo real como uma norma difícil de ser cumprida, teremos uma forma de dificultar a entrada da mulher na seara laboral, ao invés de ajudá-la estamos prejudicando. A legislação protecionista deve ser eficaz, senão vejamos:
A discriminação ao trabalho da mulher é uma realidade no dia-a-dia da mulher que trabalha: se não uma realidade presente, há, pelo menos, a ameaça constante da discriminação. Seu combate se faz com uma legislação trabalhista eficaz e, acima de tudo, com educação formal, para que assim haja o devido respeito às diferenças. (CALIL, 2007, p.116).
Dessa forma, sabemos que existe o preconceito e a discriminação, e de certa forma acabamos por aceitá-los em nossas vidas, porém sem combatê-los diretamente e todos os dias, como deve ser feito.13
2.2 Princípios que norteiam a discriminação
2.2.1 Igualdade
Oconsagradoprincípioconstitucionaldaigualdadeédividido doutrinariamente em igualdade formal e material.
Vejamos o princípio abaixo, no estudo sobre a evolução do princípio da igualdade e sua aplicação sob a ótica material na Constituição Federal:
O princípio da igualdade impõe dois comandos, o primeiro, de que a lei não pode fazer distinções entre as pessoas que ela considera iguais, deve tratar todos do mesmo modo; o segundo, o de que a lei pode, ou melhor, deve fazer distinções para buscar igualar a desigualdade real existente no meio social, o que ela faz, por exemplo, isentando certas pessoas de pagar tributos; protegendo os idosos e os menores de idade; criando regras de proteção ao consumidor por ser ele vulnerável diante do fornecedor. (MARTINEZ,2012, p.1)
Nessa ótica, teremos no estudo em tela a verificação de que o mercado de trabalho no âmbito feminino vemsofrendo com a tentativa de igualar materialmente os gêneros, porém partindo de premissas validadas nos conceitos retrógrados machistas de legisladores que acham estar fazendo um bem às mulheres.
O estudo da igualdade vai muito além das leis, portanto devemos ter uma mudança de pensamento, de comportamento, para que a verdadeira igualdade seja posta em prática de forma correta. Vejamos o princípio abaixo, no estudo sobre a evolução do princípio da igualdade e sua aplicação sob a ótica material na Constituição Federal:14
O princípio da igualdade impõe dois comandos, o primeiro, de que a lei não pode fazer distinções entre as pessoas que ela considera iguais, deve tratar todos do mesmo modo; o segundo, o de que a lei pode, ou melhor, deve fazer distinções para buscar igualar a desigualdade real existente no meio social, o que ela faz, por exemplo, isentando certas pessoas de pagar tributos; protegendo os idosos e os menores de idade; criando regras de proteção ao consumidor por ser ele vulnerável diante do fornecedor. (MARTINEZ,2012, p.1)
Para desate do problema é insuficiente recorrer à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. (MELLO, 2003, p. 10).
Na busca de critérios que permitam inicialmente nos dizer quem são juridicamente considerados iguais, e quem são os desiguais, e de que forma poderíamos distinguir juridicamente leis para determinados grupos, temos no livro de Celso Antônio Bandeira de Mello:
A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres. (MELLO, 2003, p.11).
Porém, o princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das situações quando houver elemento de discrímen razoável. Discrímen é um ato, ou efeito ou faculdade de discriminar, discernir, discernimento, discriminação. É aquilo que é levado em consideração para dar tratamento diferenciado a certas situações.
Na Constituição e nas leis existem várias normas discriminadoras, mas que assim são para garantir proporcionalmente o princípio da igualdade e razoabilidade. Se o discrímen for utilizado dezarrazoadamente será inconstitucional,15 porém se for utilizado razoavelmente será constitucional. Como exemplo temos o art. 201, § 7, II da CF/88:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: [...] II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (BRASIL, 1988).
Conforme se depreende do dispositivo em comento, a finalidade é a defesa da diferença fisiológica entre homens e mulheres.
Desde que se atine com a razão pela qual em um caso específico o discrímen é ilegítimo e em outro legítimo, ter-se-ão franqueadas as portas que interditam a compreensão clara do conteúdo da isonomia. (MELLO, 1993, p.12).
Os critérios para identificação do desrespeito à isonomia são definidos da seguinte forma:
Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico especificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. Só a conjunção dos três aspectos é que permite análise correta do problema. Isto é: a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a exigências dos demais, porém, quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos16reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico. (MELLO, 1993, p.22).
Ainda citando Mello (1993, p.23), “Com efeito, a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual, [...] e, de outro, tolher favoritismos”. Para verificar a correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, temos:
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço deligualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. Exemplificando para aclarar: suponha-se hipotética lei que permitisse aos funcionários gordos afastamento remunerado para assistir a congresso religioso e o vedasse aos magros. No caricatural exemplo aventado, a gordura ou esbeltez é o elemento tomado como critério distintivo. Em exame perfunctório parecerá que o vício de tal lei, perante a igualdade constitucional, reside no elemento fático (compleição corporal) adotado como critério. Contudo, este não é, em si mesmo, fator insuscetível de ser tomado como fato deflagrador de efeitos jurídicos específicos. O que tornaria inadmissível a hipotética lei seria a ausência de correlação entre o elemento de discrímen e os efeitos jurídicos atribuídos a ela. Não faz sentido algum facultar aos obesos faltarem ao serviço para congresso religioso porque entre uma coisa e outra não há qualquer nexo plausível. Todavia, em outra relação, seria tolerável considerar a tipologia física como elemento discriminatório. Assim, os que excedem certo peso em relação à altura não podem exercer, no serviço militar, funções que reclamem presença imponente. (MELLO,1993, p.38).
Por fim, analisando através da ótica do ilustre autor Celso Antônio Bandeira de Mello, temos a consonância da discriminação com os interesses protegidos pela constituição:
Para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, consoantevistoatéagora,impendequeconcorramquatro elementos: a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre17os fatores diferenciais existente e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interessesconstitucionalmenteprotegidos,istoé,resulteem diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público. (MELLO, 1993, p.41).
O Supremo Tribunal Federal, em seu julgado abaixo, retrata seu pensamento acerca do princípio isonômico em estudo:
O Plenário julgou procedente ação declaratória, ajuizada pelo presidente da República, para assentar a constitucionalidade dos arts. 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). (...) No mérito, rememorou-se posicionamento da Corte que, ao julgar o HC 106.212/MS (DJE de 13-6-2011), declarara a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha (...). Reiterou-se a ideia de que a aludida lei viera à balha para conferir efetividade ao art. 226, § 8º, da CF. Consignou-se que o dispositivo legal em comento coadunar-se-ia com o princípio da igualdade e atenderia à ordem jurídico- constitucional, no que concerne ao necessário combate ao desprezo às famílias, considerada a mulher como sua célula básica. Aplicou-se o mesmo raciocínio ao afirmar-se a constitucionalidade do art. 1º da aludida lei (...). Asseverou-se que, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher e estabelecer medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como base o gênero da vítima, o legislador teria utilizado meio adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo referido preceito constitucional. Aduziu-se não ser desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação, visto que a mulherseriaeminentementevulnerávelnotocantea constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. Frisou-se que, na seara internacional, a Lei Maria da Penha seria harmônica com o que disposto no art. 7º, item c, da Convenção de Belém do Pará (...) e com outros tratados ratificados pelo país. Sob o enfoque constitucional, consignou-se que a norma seria corolário da incidência do princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais. Sublinhou-se que a lei em comento representaria movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à justiça. Discorreu-se que, com o objetivo de proteger direitos fundamentais, à luz do princípio da igualdade, o legislador editara microssistemas próprios, a fim de conferir tratamento distinto e proteção especial a outros sujeitos de direito em situação de hipossuficiência, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2012).18
No caso acima o que prevaleceu para a decisão foi o fato de que a mulher seria eminentemente vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado, em sua maioria.
Sobre ofensa ao princípio da igualdade:
Concurso público da Polícia Militar. Teste de esforço físico por faixa etária: exigência desarrazoada, no caso. Ofensa aos princípios da igualdade e legalidade. O STF entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável, tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função. No caso, se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária. (BRASIL, 2010).
No caso em comenta, o policial de idade jovem passou num concurso para policial militar e foi-lhe exigido exercícios por critério de idade. Logo, os mais velhos não necessitariam realizar alguns exercícios que eram “privilégio” dos mais jovens. Entende o STF, seguindo o princípio da isonomia, que se o exercício não é exigido para o mais velho é porque não é tão importante para exercer o cargo. Logo, negaram provimento ao recurso interposto.
Concurso público – Fator altura. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que implica fator de tratamento diferenciado com a função a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de altura mínima, considerados homens e mulheres, de um metro e sessenta para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado. (BRASIL, 2001).
O princípio da igualdade foi respeitado, vez que o recurso não foi conhecido pelo Ministro do STF, uma vez que para exercer o cargo de escrivã de polícia não é razoável fazer discriminação quanto à compleição física, vez que o cargo é burocrático e administrativo. Ainda podemos citar parte do texto de19reportagem em que o Ministro Joaquim Barbosa afirma que ações afirmativas concretizam princípio constitucional da igualdade:
O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ministro Ricardo Lewandowski, e afirmou que sua manifestação foi tão convincente e abrangente que praticamente esgotou o tema. “O voto de Vossa Excelência está em sintonia com o que há de mais moderno na literatura sobre o tema”, afirmou. [...] “Acho que a discriminação, como componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida, competição: é o espectro competitivo que germina em todas as sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o discriminado”, afirmou. [...] “É natural, portanto, que as ações afirmativas [...], sofram o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável resistência, sobretudo, é claro, da parte daqueles que historicamente se beneficiam ou se beneficiaram da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários”, enfatizou. O ministro Joaquim Barbosa definiu as ações afirmativas como políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. “A igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade”, ressaltou. [...] Ele ressaltou também que nenhuma nação obtém o respeito no plano internacional enquantomantém,noplanointerno,grupospopulacionais discriminados. “Não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de Nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão, aberta ou dissimulada – pouco importa! Legal ou meramente estrutural ou histórica, pouco importa! –, em relação a uma parcela expressiva da sua população”, asseverou. (BRASIL,2012).
Dessa forma, bem entendemos que o princípio da igualdade está cada vez mais exercendo sua missão maior, a de proteção àqueles que mais precisam dele.20
2.2.2 Não discriminação
Vejamos o que pensa Calmon de Passos:
O acesso ao ensino, em nível superior, no Brasil, é restrito (não formalmente,masmaterialmente)aosmelhoraquinhoados financeiramente. Sendo gratuito, ele finda por desigualar mais ainda os desiguais. Favorece os ricos pela concorrência desleal na competição do vestibular; e acresce esse favorecimento com proporcionar-lhes ensino gratuito, compelindo os economicamente menos favorecidos a se socorrerem das Universidades pagas. Esses dadosnãosãofantasiosos,mas elesestãoaí,apurados objetivamente e ao dispor de quem deles deseje se inteirar. Há consequentemente, uma prática social discriminatória, quando o preceito constitucional é impositivo no sentido de estigmatizá-lo. (PASSOS, 2002, p.1).
Ora, quantos de nós não visualizamos essa realidade em nossas vidas? Tínhamos colegas de turma, quando não nós mesmos, estudando em cursinhos preparatórios e em boas escolas particulares, tirando completamente a chance daqueles que tinham apenas o ensino público como opção. E não é aqui para falar que o ensino nas escolas particulares deveria se rebaixar ao nível das escolas públicas, e sim o contrário.
Estudantes de escolas do governo deveriam ter professores bem remunerados que não quisessem ou tivessem que ir pra escolas particulares por motivos geralmente financeiros, e assim conseguirem o ensino adequado para uma futura concorrência que a vida exige nos dias atuais, concorrência essa que se torna cada vez mais desleal, dado o nível de insuficiência educacional que temos no setor público.
A dar-se ao princípio constitucional todo o alcance que precisa ter, teríamos, na espécie, uma inconstitucionalidade por omissão. O legislador deixou de promover a edição de leis que eliminem, na prática, esse tratamento desigual, constitucionalmente condenado, mas socialmente efetivado. (PASSOS, 2002, p.1).21
É muito importante a diferenciação dos conceitos e sua aplicabilidade no estudo da seara laboral feminina. Calmon fala da inconstitucionalidade por omissão, da mesma forma que atacaremos aqui a criação de normas sem a mudança de pensamento, o que poderíamos chamar de impulso com omissão de pensamento ou omissão de comportamento diante da realidade apresentada.
As mulheres estão cada vez mais conscientes de que as normas atuais não resolvem os seus problemas laborais, e estão correndo atrás do prejuízo.
Finalizando, Passos arrebata:
A magnitude do problema termina por convencer que, no mínimo, a inconstitucionalidade por omissão, em termos de não discriminação, redundará quase que em mero devaneio poético, se não houver, subjacente ao jurídico, uma forte e decisiva vontade política em condições de promover mudanças na correlação de forças existentes na sociedade, de modo a produzir condições materiais que eliminem, em termos substanciais, a desigualdade que o direito formalmente já proclama como inaceitável. Por força disso é que tenho insistido em dizer que constitui a mais perversa das alienações políticas o discurso mistificador, que transmite aos desfavorecidos a ilusória impressão de que obterão justiça com a só edição das leis, mesmo leis que por falta de suporte numa vontade política efetiva terminarão sendo apenas "lei para ler", como, entre surpreso, perplexo e revoltado me disse um ilustre mestre italiano, bom conhecedor de nossa realidade. (PASSOS, 2002, p.1).
Esse é o início de uma discussão de suma importância para o tema da discriminação da mulher no mercado de trabalho, pois ao citar que devem haver mudanças na correlação de forças existentes na sociedade, de modo a produzir condições materiais que eliminem, termina-se por aceitar que as leis criadas não resolvem o problema, pois não foram criadas de maneira a resolver inicialmente um problema de pensamento e atitude, mas sim de casos genéricos.
Quandoestamosrealmentecomprometidoscomareduçãodas desigualdades, tornando o mundo mais equilibrado, não podemos criar “leis para ler”, temos que mudar a forma de ver o problema, para não agirmos por omissão,22criando normas que de tão inúteis se tornam uma comprovação de omissão normativa, pois não foi pensada para resolver o problema, mas para protelá-lo.
Em seu estudo da interpretação de tratamento isonômico entre homens e mulheres com base no art. 384 da CLT, Maria Fernanda Pereira de Oliveira expõe que:
O art. 384 da CLT preceitua em seu texto, para a mulher, o direito ao intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária, conforme se infere através da leitura do dispositivo legal inserido no Capítulo III da Lei Celetária, que trata da proteção do trabalho da mulher. (OLIVEIRA, 2008, p.1).
Art. 384. Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos, antes do início do período extraordinário de trabalho. (BRASIL, 1943).
O estudo do art. 384 da CLT e de sua constitucionalidade, será feito em capítulo ulterior.
Porém, em recente julgado, o Ministro do TST Ives Gandra, ao apreciar o IncidentedeInconstitucionalidadeemRecursodeRevistan.TST-IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5, o Pleno do TST, em 17/11/2008, entendeu que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição da República, não obstante a igualdade entre homens e mulheres prevista no inciso II do art. 5º da Carta Magna, in verbis:
MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DO LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela ConstituiçãoFederal,dada a plenaigualdadededireitose obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em 23 seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção de aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de ser postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a maxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado. (Ministro Ives Gandra Martins Filho, DJ 13.02.2009). (BRASIL, 2008).
No caso do ilustre julgado, o MM Ministro, ao citar “a igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos”, terminou por não se expressar acerca da diferenciação psicológica citada, o que, por si só já poderia enfraquecer a sua tese, tornando-a discriminatória. Não há que se falar em igualdade quando o ministro cita no item três a licença maternidade e paternidade.
Éóbvioquetodoopesoserásuportadopelamulher,porém, indiscutivelmente a licença paternidade não deixa de ser discriminatória, não só pelo fato de que afasta o pai do momento crucial na vida do bebê, como faz com que a mãe suporte toda a carga de trabalho, em muitos casos, desumana, com a criança.24
Dessa forma temos mais uma norma discriminatória na seara laboral, só que desta vez para os dois gêneros.25