3 A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO
3.1 Parte histórica
Para entendermos o princípio do estudo do trabalho feminino é de suma importância que analisemos as causas do aparecimento da mulher no mercado de trabalho.
A primeira forma de divisão do trabalho nas sociedades primitivas ocorreu entre os dois sexos, sendo aos homens confiadas as atividades de caça e pesca e, à mulher, a coleta dos frutos, evoluindo para a cultura da terra. Na antiguidade, a história registra, sobretudo no Egito antigo, que as atividades eram divididas entre homens e mulheres. Dada a mediocridade de suas pretensões militares, as mulheresnãoeramconsideradasumserinferioretinham participação na divisão do trabalho, sobretudo na tecelagem. As mulheres mais pobres chegavam a trabalhar em grandes obras de construção. Na sociedade cretense a mulher ocupava lugar de destaque, desfrutando de uma certa liberdade, tendo papéis nas peças de teatro e nas celebrações religiosas. Por sua vez, a sociedade grega do período clássico não permitiu o acesso da mulher ao conhecimento, excetuado algumas cortesãs, situação que só começa a mudar um pouco com o helenismo, quando as mulheres passam a ter acesso à filosofia e às artes. Do século X ao XIV, as profissões comuns aos dois sexos se avolumaram, havendo mulheres escrivãs, medicas e professoras. No renascimento, as mulheres vão perdendo varias atividades que lhes pertenciam e se confinam nas atividades domésticas. Posteriormente, os trabalhos da mulher e do menor passam a ser solicitados na indústria têxtil da Inglaterra e da França. Com a descoberta de novas fontes de energia e com a migração de grandes contingentes humanos do campo para as cidades em busca de condições melhores de vida no século XVIII, ocorre a Revolução Industrial. As condições a que estavam submetidos os trabalhadores, com jornadas de até 16 horas diárias em condições absolutamente insalubres, mostrou a necessidade de normas que disciplinassem a exploração do trabalho humano. (NETO, 2011, p.1).
3.1.1 Período anterior à Proclamação da República
Nem sempre tivemos a igualdade de gêneros positivada na norma jurídica como temos hoje em dia no mercado de trabalho, senão vejamos:26
No período colonial, as mulheres livres eram minoria, tendo como único papel social o de esposa. As negras trabalhavam como escravas e laboravam ao lado dos negros, tendo, por vezes, trabalhos mais leves pela sua complexão física, morfológica. Os trabalhos mais penosos na extração do ouro são executados pelos negros e os mais fáceis pelas negras. Os primeiros tiram o cascalho do fundo do poço, as mulheres o carregam em gamelas, para ser lavado. Ainda no período colonial, a participação feminina era limitadaàpequenasindústriasdomésticas,emofícios predominantemente masculinos como panificação e alfaiataria ou ainda em atividades consideradas à época como exclusivamente femininas como doceiras, rendeiras e no comércio ambulante, quando recebiam a denominação de negras de tabuleiro. No Império, valorizou-se o papel da mulher como guardiã do lar, ao ponto que a medicina incentivava as mulheres a fazerem o máximo de atividades domésticas com o fim de combater o ócio. Porém, às mulheres pobres e escravas restava apenas trabalhar pelo sustento seu e de sua família enfrentando o preconceito de uma sociedade que via o espaço público como domínio privativo dos homens. (CALIL, 2007, p.19).
3.1.2 Período após a Proclamação da República
Somente após a Proclamação da República é que vivenciaríamos as primeiras normas de proteção ao trabalho laboral feminino, tornando possível a contratação de emprego pela mulher independente da autorização do marido, porém limitando ainda o horário noturno.
Mesmo assim, se analisarmos friamente, qual era a mulher que entraria em rota de colisão com seu marido por trabalho? Àquela época a mulher desquitada era extremamente repudiada pela sociedade, fazendo com que a norma nada mais fosse do que uma procrastinação para a mente feminina de que tempos melhores viriam.
Ainda assim, o ruído causado por tal emancipação fora deveras assustador, pois os parlamentares da época achavam um absurdo a mulher trabalhar independente da outorga marital. Incluía-se nas reclamações o fato de que o valor do trabalho feminino era muito menor que o masculino em termos econômicos. Outros ainda defendiam que o amparo salarial no período que antecede e procede ao parto era tornar a gravidez rendosa e cômoda profissão. (CALIL,2007, p. 28).27
Em 1962, o então presidente da república João Goulart, sancionou a Lei 4.121 (Estatuto da Mulher Casada), e a partir daí a mulher deixou de ser relativamente capaz para assumir um papel diferente na sociedade, conforme vemos em parte de seu texto:
Art. 1º Os artigos 6º, 233, 240, 242, 246, 248, 263, 269, 273, 326,380, 393, 1.579 e 1.611 do Código Civil e 469 do Código do Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: I - Código Civil
Art. 6º São incapazes relativamente a certos atos (art. 147, nº I), ou à maneira de os exercer:
I - Os maiores de 16 e os menores de 21 anos (arts. 154 e 156). II - Os pródigos.
III - Os silvícolas.
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País.(BRASIL,1962).
Art. 248. A mulher casada pode livremente:
I - Execer o direito que lhe competir sôbre as pessoas e os bens dos filhos de leito anterior (art. 393);
II -Desobrigar ou reivindicar os imóveis do casal que o marido tenha gravado ou alegado sem sua outorga ou suprimento do juiz (art. 235, número 1);
III - Anular as fianças ou doações feitas pelo marido com infração do disposto nos números III e IV do art. 285;
IV - Reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo marido à concubina (art. 1.177).
Parágrafo .único. Êste direito prevalece, esteja ou não a mulher em companhia do marido, e ainda que a doação se dissimule em venda ou outro contrato;
V - Dispor dos bens adquiridos na conformidade do número anterior e de quaisquer outros que possua, livres da administração do marido, não sendo imóveis;
VI - Promover os meios assecuratórios e as ações que, em razão do dote ou de outros bens seus, sujeitos à administração do marido, contra êste lhe competirem;28
VII - Praticar quaisquer outros atos não vedados por lei. (BRASIL,1962).
3.2 Situação atual da mulher no mercado de trabalho
Alguns dados estatísticos servem para termos uma visão geral e atual do assunto acerca da importância do trabalho da mulher.
Assim é que o índice de desocupação entre as mulheres é mais alto do que entre os homens. [...] Mais de 70% das mulheres concentram- se na área de serviços, principalmente serviços domésticos. Outros serviços também contam com grande presença feminina como a educação, saúde e demais serviços sociais, o que explica a predominância de mulheres entre os estatutários. [...] Mesmo com a participação no mercado de trabalho menor que a masculina, as mulheres tem se tornado, cada vez mais, referencial da renda familiar. Em 20 anos, esse percentual cresceu 24,7%, alcançando em 2002 o percentual de 27,3%. Dentre tais famílias, 65,1% são compostas unicamente pela mulher, sem cônjuge, e filhos. As mulheres ganham menos que os homens em todos os estados brasileiros e em todos os níveis de escolaridade. No ano de 2002, a renda média da mulher era de R$ 505,00, enquanto a do homem era de R$ 719,00, o que resulta em 70,2% do salário masculino. Além disso, existem mais mulheres do que homens que ganham até 2 salários mínimos, e o quadro é inverso quando a renda é superior a 5 salários. E ainda, 90% das mulheres ocupadas também exercem serviços domésticos. (NETO, 2011, p.1).
A legislação avançou bastante na proteção ao trabalho da mulher. Contudo, avanços ainda devem ser feitos para que se consiga, finalmente, a mais completa e devida isonomia de direitos entre homens e mulheres.
Na parte diretiva das empresas a situação é ainda pior:
Estudo da OIT realizado em 1997 revelou que na Alemanha somente
12% dos postos diretivos de alto nível médio e 60% de nível superior são ocupados por mulheres; na Grã-Bretanha a proporção de mulheres entre diretores não passa de 40%, na França 13% dos cargos de nível executivo são exercidos por mulheres, na Holanda 18% e no Brasil só 3% dos diretores de grandes empresas são mulheres. Nos Estados Unidos e Austrália, 43% dos cargos de 29 diretoria e de nível superior da administração pública são ocupados por mulheres. (SUSSEKIND, 2001, p.279, grifo nosso).
3.2.1 O obstáculo da dupla jornada de trabalho
Como costume, a mulher após um dia intenso de trabalho, ao chegar em casa assume tarefas domésticas que, na grande maioria dos casos, não são ajudadas pelo homem.
Se, antigamente, o espaço doméstico era o lugar privativo da mulher e os afazeres domésticos, sua obrigação, com a saída da mulher para o mercado de trabalho isto nada ou pouco mudou: na esmagadora maioria dos lares, o espaço doméstico e seus afazeres continuam sendo obrigação da mulher. [...] Assim, se o homem aceita de bom grado os rendimentos vindos do trabalho feminino para que este se junte ao seu para compor a renda familiar, a contrapartida não é verdadeira: poucos homens auxiliam no trabalho doméstica para diminuir a sobrecarga a que sua companheira é submetida ao tentar administrar seu trabalho e aquele que se acumula dentro de casa. (CALIL, 2007, p.80).
O que ocorre é que o homem pode levar serviço pra casa, aumentar sua produtividade, fazer um trabalho mais bem feito, pois além de sua jornada de 44 horas possui o tempo necessário a aperfeiçoá-la. Ao fazer isso, no dia seguinte, entrega um trabalho ou ideia para seu chefe, que o promove ou o tem como uma pessoa extremamente superior às outras.
A mulher, em contrapartida, sai do trabalho, vai pra casa, cuida do lar, lava roupa (ou coloca na máquina de lavar), faz jantar, limpa o que está sujo e às vezes ainda prepara almoço para o dia seguinte (muitas vezes dela e do marido). Não lhe sobra, desta forma, tempo pra trabalhos “extras”, criação de ideias novas e até de algum lazer que faça a sua mente “respirar” e atuar de forma mais tranquila no dia seguinte.
A jornada de trabalho das mulheres tornou-se muito extensa. A grande maioria dos homens não cozinha, não lava roupa, não passa,30 não limpa a casa e não faz as camas. Isso é feito por suas companheiras, ao longo de 30 horas por semana, em média, e que se somam a uma jornada de 44 horas, quando trabalham fora de casa. São quase 75 horas semanais. (PASTORE, 1998, apud CALIL, 2007, p.80).
Tomando essa maneira de pensar como o que mais acontece realmente no sistema, temos um homem que será valorizado acima da mulher porque teve tempo para realizar o seu trabalho, organizar suas ideias, e assim continuar o ciclo vicioso que logo se transformará em suposta “verdade” de que os homens são mais eficientes que as mulheres. Esse é apenas um exemplo que nos leva a pensar em como temos que mudar o pensamento e a forma de convívio com as mulheres.
A dupla jornada das mulheres é fator para que as mulheres recebam remuneração menor, pois sabendo desta carga maior que a mulher costuma ter, os empregadores deixam de promovê-las a cargos de maior responsabilidade e pagar salários maiores. Tudo faz parte de um ciclo vicioso, pois tendo a dupla jornada como obstáculo o empresário termina por ter receio de que isso prejudique o foco da funcionária no trabalho.
Apartirdessepensamento,oart.384daCLTfoiconsiderado constitucional pela nossa jurisprudência, conforme veremos a seguir:
Proteção do Trabalho da mulher. Elastecimento do intervalo intrajornada mediante acordo escrito. Impossibilidade. Inteligência do art. 383 da CLT. A gênese do art. 383 da CLT, ao proibir, expressamente, a majoração do intervalo intrajornada para a mulher, não concedeu direito desarrazoado às trabalhadoras. Ao contrário, objetivou preservá-las da nocividade decorrente da concessão de intervalo excessivamente elastecido, que gera um desgaste natural pelo longo período de tempo em que a trabalhadora fica vinculada ao local de trabalho, uma vez que precisa retornar à empresa para complementarsuajornadalaboral.Essaprevisãolegislativa considerou, para tanto, a condição física, psíquica e até mesmo social da mulher, pois é público e notório que, não obstante as mulheres venham conquistando merecidamente e a duras penas sua colocação no mercado de trabalho, em sua grande maioria ainda são submetidas a uma dupla jornada, tendo que cuidar de seus lares e de suas famílias. O Comando do art. 383 da CLT, recepcionado pelo princípio isonômico tratado no art. 5º, I, da Magna Carta, é expresso 31 em vedar essa prática, ao dispor que o intervalo não poderá ser “inferior a 1 (uma) hora nem superior a 2 (duas) horas salvo a hipótese prevista no art. 71, § 3º”. A única exceção à aludida proibição, admitida pelo legislador ordinário, é a do § 3º do art. 71 da CLT, que autoriza a diminuição do intervalo mínimo, o que não é o caso. O descumprimento do limite máximo legal destinado ao intervalo para refeição e descanso da mulher, tratado no art. 383 da CLT, importa pagamento de horas extraordinárias do período dilatado, por se tratar de norma de ordem pública, dirigida à proteção do trabalho da mulher, infensa à disposição das partes. Recurso de embargos conhecido e provido. TST, E-RR 51/2002-028-12-00.1, SDI-1, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 7.8.09. (SAAD, 2012, p.384).
Em apelação cível, julgado da magistrada Ramza Tartuce em 1997, citou o exemplo da dupla jornada em sua fundamentação para manter o direito da autora, vejamos:
PREVIDENCIÁRIO-APOSENTADORIAPROPORCIONALAO TEMPO DE SERVIÇO - COEFICIENTE - ART. 53 DA LEI 8213/91 - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5, I, E 202, PAR.1, DA CF - PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA - RECURSO IMPROVIDO-SENTENÇAMANTIDA.5382135I202PAR.1CF 1. CONSIDERANDO QUE O RELATÓRIO DA SENTENÇA ABORDOU TODAS AS QUESTÕES SUSCITADAS PELAS PARTES, ALÉM DO QUE A DECISÃO SE ENCONTRA FUNDAMENTADA, DE FORMA SUBSTANCIOSA E CONSISTENTE, É DE SER REJEITADA A PRELIMINAR DE NULIDADE, ARGUIDA PELO AUTOR. 2. O ART. 53 DA LEI 8213/91 NÃO AFRONTA OS ARTIGOS 5, INCISO I, E 202, PAR.1, DA CF, ANTES COMPLEMENTA-OS, ATÉ PORQUE A LEI MAIOR REMETE A FIXAÇÃO DOS COEFICIENTES À LEI ORDINÁRIA.5382135I202PAR.1CF. 3. O ART. 5, INCISO I, DA CF, VEIO INSPIRADO NA NECESSIDADE DE SE ELIMINAR TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO.5ICF. 4. A REDUÇÃO DO TEMPO DE ATIVIDADE PARA A AQUISIÇÃO DA APOSENTADORIA, DEFERIDA À MULHER, SE JUSTIFICA EM RAZÃO DA DUPLA JORNADA DE TRABALHO QUE ELA É OBRIGADA A CUMPRIR, DENTRO E FORA DO LAR, ALÉM DAS PECULIARIDADES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS QUE A DIFEREM DO HOMEM. 5. PRELIMINARREJEITADA.APELOIMPROVIDO.SENTENÇA MANTIDA. (22058 SP 97.03.022058-4, Relator: JUIZA RAMZA TARTUCE, Data de Julgamento: 30/06/1997, Data de Publicação: DJ DATA:26/08/1997 PÁGINA: 67657). (BRASIL, 1997).32
3.2.2 A maternidade
A maternidade é mais um obstáculo enfrentado pelas mulheres quando querem adentrar na seara laboral e que muitas vezes prejudica a contratação por parte dos empregadores pois acham que a mulher com filho será menos atenta ao trabalho por conta dos problema familiares. O que acontece na maioria das vezes é que nem sempre a mãe tem condições de trabalhar por conta de uma maternidade precoce, ou abandono do lar realizado pelo seu companheiro, ou até, em muitos casos, por não conhecer mesmo o pai da criança e ter que arcar com todo o arcabouço de problemas inerentes à função de chefe do lar.
A justiça de família nem sempre leva em consideração este problema para determinação da guarda, fazendo com que o homem saia com toda a liberdade para começar uma nova vida e a mulher arque com todo o ônus do relacionamento destruído. Nesse caso, é lógico que o homem tem muito mais chances de continuar no mercado de trabalho, pois a estrutura do nosso país para acolher a mãe obreira não permite, na maioria dos casos, que ela retorne ao mercado de trabalho de forma fácil. A mudança dessa estrutura, com criação de creches de qualidade para todos, iguais às nossas escolas particulares, com higiene, cuidados e excelente orientação e educação é de suma importância para trazer àquela mãe de volta ao mercado.
Apesar da proteção dada à mulher no mundo positivo, pouco ainda mudou na mente das pessoas. Para evitar a discriminação da mulher, é necessário haver escolas públicas de tempo integral, já que nem todos podem pagar uma empregada doméstica. O problema está na qualidade das escolas já existentes. Nenhuma mãe que tem maiores cuidados com seus filhos trabalha tranquila sabendo que teve que entregá-los à estrutura atualmente existente em nosso país.
A parte do Estado como protetor da dignidade da pessoa humana não está sendo bem cumprida, e por isso temos mães cada vez mais deixando de trabalhar para tentar dar o mínimo de conforto e educação para seus filhos, que o 33 Estado não consegue dar. No caso, não só a mulher seria beneficiada, mas o homem que cuida do lar e dos filhos também seria.
Em relação à mulher, o legislador, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento demográfico e diminuir as desigualdades sociais, cuidade preservarasuafunçãofundamental quandoda maternidade. É que as normas que versam a respeito do trabalho da mulher grávida são necessárias por que dizem respeito tanto à sua função biológica, quanto à perpetuação e conservação da espécie. Afinal, não se pode esquecer que a maternidade tem uma função social, motivo pelo qual a finalidade do instituto é garantir à mulher a proteçãonecessáriaduranteagestação,noperíodode amamentação e parto, evitando determinados riscos que poderiam ameaçar a sua saúde e o desenvolvimento da gravidez e da criança. Nessa linha, o legislador constituinte estabeleceu as diretrizes da proteção à maternidade, [...], deixando a cargo do legislador ordinário o tratamento da matéria, que o fez nos artigos 391 e seguintes da CLT, sob o título "Da proteção à maternidade", esmerando-se na defesa da integridade orgânica e moral da empregada gestante. Contudo, é de se ressaltar que, com o movimento em busca de igualdade de tratamento entre homens e mulheres, sobreveio a progressiva retirada das normas de proteção ao trabalho da mulher. Afinal, a proteção em excesso implicava, na prática, restrições à admissão das trabalhadoras, fazendo com que o empregador desse preferência aos homens. A legislação brasileira, inspirada em convenções internacionais, proíbe o trabalho da gestante no período compreendido entre 4 (quatro) semanas antes e 8 (oito) semanas depois do parto (artigos 392 e 393 da CLT). Entretanto, a CF/88 ampliou essa licença para 120 dias, além de não ter se referido à expressão "antes e depois do parto". Assim, poder-se-ia pensar que houve um permissivo para que as legislações ordinárias fossem mais flexíveis quanto à distribuição da licença, mormente antes do parto. No entanto, é de se ter em mente que a CF se referiu à licença gestante, o que pressupõe que tal licença seja concedida antes do parto. Registre-se que os tribunais têm admitido a prova de gravidez mediante o seu adiantado estado aparente, como tem feito em caso de despedida da empregada nas proximidades do parto, com fundamento em fraude à lei. (NETO, 2011, p.1).
Se dermos tratamento do problema feminino como se fosse um problema de ambos os gêneros, acabamos por unir forças e criar normas verdadeiramente eficazes, que cumpram o seu propósito e atinjam um nível maior do que simplesmente regular as ações, mas sim o de igualar pensamentos e acabar com as discriminações e disputas entre homens e mulheres, tornando-os sujeitos de uma única realidade e guerreiros de uma mesma batalha contra a injustiça social.34
A partir daí, teremos uma disputa laboral mais justa e acirrada, baseada na competência e não na desigualdade de gêneros. Ainda que existam leis que tentem igualar as condições da mulher no momento da admissão, sempre existirá quem passe por cima da norma por motivos pessoais. A Lei 5.473/68 prevê sanções para a discriminação contra a mulher no provimento de empregos:
Art. 1º: São nulas as disposições e providências que, direta ou indiretamente, criem discriminações entre brasileiros de ambos os sexos, para o provimento de cargos sujeitos a seleção, assim nas empresas privadas, como nos quadros do funcionalismo público federal, estadual ou municipal, do serviço autárquico, de sociedades de economia mista e de empresas concessionárias de serviço público. (BRASIL, 1968).
Sabemos que empregadores burlam as normas, seja por falta de maior fiscalização ou mesmo por desconhecimento das proteções existentes.
Na CLT, os artigos 391 ao 400 tratam sobre a proteção à maternidade e seráobjetodeestudoemnossoquartocapítulo,ondecitamosalgumas jurisprudências sobre o tema.
3.2.3 Mulher chefe do lar
No mesmo problema encontramos a mulher chefe do lar, porém, nesse caso específico suponhamos que ela tenha o marido dentro de casa para ajudá-la. Ora, é inegável que ela estaria em situação mais confortável que as mães solteiras ou separadas, pois o suporte emocional se encontra em casa, ao retornar do labor diário. Porém, será que a mãe chefe do lar, em seu trabalho, recebe igual aos homens chefe dos seus lares que labutam na mesma empresa? Na maioria dos casos não. E qual é a diferença entre essa chefe do lar e os demais? Apenas a questão de gênero. Portanto, se dermos sempre à mulher uma desvalorizada posição, estaremos por condenar a sociedade a injustiças.35
Veja como o ciclo termina prejudicando os dois gêneros, no último caso, por questões de preconceitos, o marido foi prejudicado, pois se a esposa ganhasse mais dinheiro, ele poderia estudar enquanto seus filhos estivessem numa creche bem organizada e estruturada. Ou seja, a discriminação termina por atingir ambos os sexos, não interessando de onde ela tenha sido criada. E é exatamente por isso que não adianta pensar em medidas protetivas apenas para beneficiar A ou B, pois será uma solução paliativa, que terminará por causar um mal maior nas sociedades vindouras.
Para exemplificar uma norma que pode ser eficaz temos o exemplo do Projeto de Lei do Senado (PLS 525/11) de autoria da senadora Ana Rita, que aumenta de quatro para seis meses o seguro-desemprego para as mulheres que chefiam famílias. Vejamos o que diz a ementa:
Acresce § 2º ao art. 4º da Lei nº 7.998/90 (regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT) para prever que o benefício do seguro- desemprego será concedido; no caso de tratar-se de trabalhadora desempregada chefe de família, que percebia até 3 salários mínimos por ocasião da demissão sem justa causa; por um período máximo de 6 (seis) meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo de 14 (quatorze) meses, contados da data de dispensa que deu origem à primeira habilitação. (BRASIL, 2011).
Esse projeto corrigirá uma desigualdade e será importante para que a mulher tenha um pouco mais de tranquilidade para de realocar no mercado de trabalho.
3.2.4 Trabalho de mulher
Trabalho de mulher é apenas uma expressão criada para dar o entendimentopreconceituosodequedeterminadasprofissõessão preferencialmente voltadas para o sexo feminino. Vejamos algumas opiniões:36
Ainda nos dias de hoje é recorrente a concentração de ocupações das mulheres no mercado de trabalho, sendo que 80% delas são professoras, cabeleireiras, manicures, funcionárias públicas ou trabalham em serviços de saúde. Mas o contingente das mulheres trabalhadoras mais importantes está concentrado no serviço doméstico remunerado; no geral, são mulheres negras, com baixo nível de escolaridade e com os menores rendimentos na sociedade brasileira. (CAMARGO, 2012, p.1).
No serviço doméstico:
O trabalho doméstico sempre foi tido como um trabalho exclusivo das mulheres. Se antes era tratado como “ajuda” às donas-de-casa, hoje é determinante na vida de homens e mulheres que trabalham fora. Nenhumacategoriaprofissionalexpressatãoclaramentea discriminação no mercado de trabalho como a do trabalho doméstico, realizado em sua maioria por mulheres negras. Sintetizando, assim, os efeitos da dupla discriminação, de gênero e de raça, presente no mercado de trabalho brasileiro. Dados de 2006 da PNAD/IBGE revelam a existência no Brasil, de cerca de 6,7 milhões de pessoas no trabalho doméstico, deste total, 6,2 milhões são mulheres, ou seja, 93,2% e 6,8%, são homens. O maior contingente é o das mulheres negras: as domésticas são 21,7% das mulheres ocupadas, ou seja, de cada 100 mulheres negras ocupadas no Brasil aproximadamente 22 são empregadas domésticas. A grande maioria das domésticas, cerca de 72,5%, não tem carteira assinada, desse contingente, 57,5% são negras. Para as mulheres, esta tem sido uma ocupação relevante, muitas vezes servindo como porta de entrada no mercado de trabalho para as jovens. Em cidades como Salvador e Distrito Federal, o trabalho doméstico abriga mais de 20% do total de jovens ocupadas de 18 a 24 anos (OIT/DIEESE, 2006). Além das jovens, ingressam neste, mulheres de maior idade, muitas vezes, pela primeira vez ou que retornam após períodos de inatividade. Em sua grande maioria, essas trabalhadoras têm baixa escolaridade. Nas regiões metropolitanas, cerca de 60% têm o ensino fundamental incompleto. (SILVA, 2008, p.1).
Mesmo com essa realidade, as domésticas foram desprestigiadas pela CLT, senão vejamos:
Art. 7º - Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, nãoseaplicam:[...]aosempregadosdomésticos,assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. (BRASIL, 1943).37
O legislador deixou que a Lei 5859/72 tratasse dos empregados domésticos, e assim terminou por retirar proteções à mulher doméstica como, por exemplo, a fixação de jornada de trabalho para o cômputo de horas extraordinárias, o direito ao FGTS, entre outras. Ora, resta claro que a mulher ainda está presa a conceitos retrógrados que não mudam apenas com a criação de leis e sim com a forma de pensar. Os trabalhos ditos “de mulher” atravessaram épocas, desde o período colonial, passando pelo império, proclamação da república até os dias atuais.
Naquela época tínhamos as rendeiras, as negras de tabuleiro e hoje temos as professoras primárias, manicures, enfermeiras e empregadas domésticas em sua maioria exercendo as atividades que geralmente são as que menos remuneram no país. Quando falamos em arrumar uma empregada para exercer atividade doméstica, raramente pensamos em um empregado do sexo masculino lavando a louça, varrendo a casa. Quando falamos em enfermagem, é notório a maior quantidade de enfermeiras nos hospitais em relação ao paradigma do sexo oposto. O que temos mais nos hospitais em gênero masculino são médicos, refletindo claramente a diferença social que há em outras profissões, pois é essa a cultura.
As mulheres, por vários motivos já expostos aqui, (dupla jornada, maternidade, entre outros) aceitam ou aceitavam até pouco tempo, de bom grado, qualquer emprego que lhe venha a calhar na situação em que vivem, pois historicamente já sofreram a discriminação social. É como se o impacto de aceitar um trabalho humilhante fosse menor para elas do que para eles. Dados do IBGE confirmam isso:
Orendimentomédiodasmulherescorrespondea67%da remuneração dos homens no Brasil, a pesquisa realizada em 2003 revela que apenas 17% dos cargos executivos das 100 melhores empresas para trabalhar são ocupados por mulheres. (Guia Exame2003, apud CALIL, 2007, p.62).38
Isso porque estamos falando das melhores empresas para trabalhar, que já são bem menos preconceituosas. Em empresas menores a realidade é que essa percentagem cai bastante, fazendo com que o percentual de mulheres em cargos de direção seja mínimo.
Ao estudarmos esse assunto, devemos tentar mudar o pensamento no sentido de enfrentarmos o problema para ambos os gêneros. Ou seja, se um trabalho é indigno, que seja para as duas partes, homens e mulheres, apenas por ser indigno, e não porque é digno para as mulheres e indigno para os homens, pois essa mudança de pensamento deve ocorrer já, uma vez que não permanecem os motivos para a continuidade de retrógrados pensamentos.
Se não mudarmos essa realidade, é porque ainda não nos preparamos como devíamos para enfrentar o problema, e criar normas com esse preconceito embutido na alma certamente descambará em normas machistas e discriminatórias, onde por vezes achamos que estamos protegendo as mulheres, mas na verdade estamos é protegendo os homens da possível aceleração produtiva que as mulheres poderiam dar ao mercado de trabalho.39