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A competência da Justiça do Trabalho em face dos dissídios coletivos dos trabalhadores regidos por estatuto.

Uma visão comparada Brasil - Itália, pós Emenda Constitucional nº 45 e Mandado de Injunção 712/PA

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Agenda 12/04/2013 às 16:00

2. O REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO DE TRABALHO

Inicialmente, destaca-se que para enfrentamento do tema não será necessário discorrer acerca de todos os regimes de contratação de trabalhadores a que está obrigada a Administração, visto que o regime que aqui interessa é somente o estatutário, tendo em vista que quanto aos demais a polêmica ora discutida não se aplica.

Antônio Álvares da Silva, define a Administração Pública:

“Administração provém do verbo latino minuo, minuis, minure, minutum, que significa diminuir. Da raiz mi ampliada pelo sufixo nu para mi-nu, temos na língua latina minutos e seus derivados; da raiz mim provieram varias palavras, entre os quais minister, ministerium e ad-ministare que significa originariamente “travailler sous lês ordres de quelqu’um” e, depois, “gouverner, administre. (SILVA, 2008)”.

Pode-se dizer que administrar é prestar serviço, executá-lo, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil14, traçar um programa de atuação e planejamento. Ou seja, é utilizar de forma racional os meios disponíveis em determinado momento e local para dali retirar os efeitos mais favoráveis.

DI PIETRO, em seu curso de Direito Administrativo, citando Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, indica ainda duas versões para o termo administração: “para uns vem de ad (preposição) mais ministro, as, are (verbo), que significa servir, executar; para outros, vem de ad manus trahere, que envolve ideia de direção e gestão”.

A Administração Pública, por sua vez, tem por finalidade a obtenção dos mesmos resultados práticos buscados pela administração privada. Da mesma maneira que o setor privado quer diminuir gastos e despesas, esforços e as perdas, especialmente após a Emenda Constitucional nº 19/1998 que alterou a ordem econômica da Administração Pública instituindo um novo paradigma de Estado, o Estado gerencial.

Logo, como salienta Antônio Álvares (SILVA, 2008), “administrar a coisa privada ou pública importa no mesmo esforço transformativo. O que muda é apenas o fim, e não os meios pelos quais se realiza”.

O termo servidor público, por sua vez, segundo Di Pietro (2003) é o termo utilizado, em sentido amplo, para designar "as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo de trabalho e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.

Ressalta-se que até a publicação da Constituição Federal de 1988, a Administração Pública adotava a CLT para regular as relações trabalhistas, com os então chamados empregados públicos. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se para a Administração Pública o Regime Jurídico Único, pela edição de lei específica de adesão obrigatória pela administração direta, pelas autarquias e fundações, extinguindo a possibilidade do ingresso em outro regime jurídico, que não fosse o estatutário, universalizando esse modelo de regime, contudo, a relação material-real em nada se alterou.

Por certo, o regime estatutário possui determinadas peculiaridades, contudo, a forma da prestação laboral continuou a mesma, senão mais subordinada, visto que, neste regime o servidor é nomeado através de um ato unilateral, ingressando numa situação jurídica já delineada por uma lei rígida, sendo impossível discutir as respectivas condições e regras da prestação do trabalho, cabendo até imputação criminal às condutas dos trabalhadores na Administração Pública.

Destarte, não nenhum elemento que diferencie a relação de trabalho privada da pública, que na seja o destinatário da força laboral, o que não serve de parâmetro para fixação de qualquer tratamento diferenciado perante a Jurisdição do Trabalho.


3. O DIREITO DE GREVE DOS TRABALHADORES REGIDOS POR ESTATUTO

A priori, destaca-se que o direito de greve é constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores que devem decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, conforme artigo 9º da CR/88.

No que tange aos trabalhadores públicos, a antiga redação do inciso VII do artigo 37 da CR/88 dispunha que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar. Contudo, a Emenda Constitucional 19/1998 alterou a redação deste inciso, passando o exercício, pelos servidores, do direito de greve a somente a depender de lei específica.

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Neste contexto a Suprema Corte Constitucional[4], declarou que o inciso VII, do art. 37 da CR/88 aplicação imediata, enquanto inexistente lei subconstitucional para conter seus limites.

Assim, reconhecida a eficácia contida, a norma constitucional incide imediatamente, por afastar o óbice representado pela proibição anterior (Magna Carta de 1969), ou seja, permite que os servidores façam greve desde logo.

Ora, sustentar entendimento contrário e negar o direito de greve aos servidores públicos significa negar a própria Constituição, em caráter duplo. Primeiro, porque o direito de greve é um direito fundamental, e a Carta Magna, em seu art. 5º, § 1º prescreve que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Segundo, porque o art. 9º constitucional estendeu, ainda que de forma implícita, aos agentes da função pública o exercício daquele direito fundamental originário da seara laboral privada, uma vez que não faz qualquer distinção sobre quais trabalhadores teriam a sua titularidade.

Com isso, o STF, apoiado em parte da doutrina, começou a entender ser cabível a aplicação da lei de greve - nº 7.783/89 – na seara pública, já que não existia lei complementar e/ou específica sobre a matéria.

Para pacificar a questão, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará – SINJEP – buscava, por meio da medida, conferir efetividade à norma esculpida no art. 37, VII, CR/88, uma vez realizada a suspensão coletiva do trabalho com o objetivo garantir a revisão anual da remuneração dos servidores.

Finalmente, em outubro de 2007, sob a relatoria do senhor ministro Eros Grau, foi proferida decisão em sede do referido mandado de injunção, na qual, por maioria dos votos, foi determinada a aplicação da lei geral de greve, a nº 7.783/89 (com as devidas adaptações), para a regulamentação do exercício de greve dos servidores públicos civis.

Veja-se, a seguir, a ementa da decisão:

EMENTA: “MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.” (MI 712 / PA; Relator(a): Min. EROS GRAU. Publicado em 30-10-2008; PP-00384).

Neste contexto inicia-se a aplicação da Lei 7.783/89 ao trabalhador público, obviamente com suas adaptações.

Impõe-se destacar que a referida decisão prolatada foi objeto de significativas mudanças sobre aquilo que vinha sendo decidido no assunto, o que acarretou em evoluções no entendimento jurisprudencial da Suprema Corte Constitucional. A começar, a discussão sobre a aplicabilidade e eficácia da norma do inciso VII, do art. 37, da Constituição, tornou-se algo superado e irrelevante diante da situação.

Se se tratava de norma de eficácia contida ou limitada, já não mais importava, pois o que deveria ser assegurado, segundo o relator do voto, era a efetividade do direito de greve dos servidores, estes, que até então, estavam mergulhados em tamanha insegurança jurídica em relação à questão.

Nestes termos, é inexorável que a decisão do órgão Supremo fora de extrema importância ao trabalhador público, bem como para efetivação dos direitos sociais e fundamentais, pois, como conclui o Professor Antônio Álvares da Silva:

A decisão é de suma importância para o servidor público e para todo o país, pois regula um tema que estava desenhado apenas em âmbito constitucional – art. 37, VII. Foi assim, pelo menos neste caso concreto, sanada a inconcebível contradição de alguns dispositivos da Constituição que, consagrando um direito, submeteu sua eficácia à norma jurídica inferior, que não é editada. (SILVA. 2008, pág. 119)

Cumpre frisar que a aplicação da Lei nº 7.783/89 foi adaptada ao trabalhador público, tendo em vista as peculiaridades que abarcam o serviço público, como o princípio da continuidade das atividades públicas, bem como a relação existente entre o servidor e o Estado, que, no entendimento do ministro é bastante dispare daquela entre o empregado e seu patrão, acarretaram em alterações necessárias nos artigos 1º ao 9º e 14, 15º e 17º da Lei nº 7.783/89.

Eis o teor destes artigos, já com as principais alterações previstas no julgamento, em sublinhado:

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação parcial do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, da paralisação.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.

Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, exceto na ocorrência da hipótese prevista no art. 14.

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público.

Parágrafo único. É assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.

Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

No entanto, como é característico ao Direito, findada a questão atinente ao exercício do direito de greve pelo trabalhador público, eis que surge nova questão jurídica que permeia os direitos aqui discutidos, qual seja: De qual órgão judicial é a jurisdição sob as demandas decorrentes deste reconhecido direito de greve dos servidores regidos por estatutos? Eis que finalmente, discutiremos o problema central do presente trabalho.

Sobre a autora
Sabrina Colares Nogueira

Advogada. Mrestranda em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadoria de Publicação e Pesquisa do GEArb. Editora da Revista de Arbitragem do GEArb.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Sabrina Colares. A competência da Justiça do Trabalho em face dos dissídios coletivos dos trabalhadores regidos por estatuto.: Uma visão comparada Brasil - Itália, pós Emenda Constitucional nº 45 e Mandado de Injunção 712/PA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3572, 12 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24179. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Título original: "A competência da Justiça do Trabalho, pós Emenda Constitucional nº 45, Mandado de Injunção 712/PA, em face dos dissídios coletivos dos trabalhadores regidos por estatuto: uma visão comparada Brasil - Itália".

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