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Análise jurídica do instituto da desaposentação

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Agenda 21/04/2013 às 16:02

5.  VIABILIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO

Sob a ótica de Ibrahim (2005, p. 39):

A viabilidade da desaposentação cinge-se na análise de duas questões: a proteção ao segurado, que em tese seria prejudicado com a perda de seu benefício, aviltando todo o ideário do direito social, e a questão do ato jurídico perfeito, materializado no ato de concessão do benefício.

As preocupações do autor, embora muito pertinentes, foram já bastante discutidas no presente trabalho, restando, inclusive, superadas.

Em primeiro lugar, é digno de nota que o instituto em análise tem os olhos voltados para o aposentado que retorna ou permanece trabalhando por necessidade de sobrevivência e continua vertendo contribuições ao órgão de previdência. Não há como se falar em desproteção ao segurado, uma vez que é ele próprio que busca a seara judicial, para renunciar ao primeiro benefício e realizar um recálculo deste com base nas contribuições ulteriores. O objetivo é, assim, conquistar uma aposentadoria de maior valor, para melhorar o status financeiro do segurado.

Acerca do segundo ponto abordado pelo autor, a tese de que a aposentação é ato jurídico perfeito e, assim, imutável, já foi apresentado aqui o plausível argumento de que,por ser ato patrimonial disponível, pode ser desconstituído, por interesse do próprio segurado, sem ofender a segurança jurídica.

Resta ainda discutir o cabimento da matéria, objeto da presente monografia, perante os regimes previdenciários pátrios, quais sejam,RGPS e os RPPS. Nesse sentido, são duas as situações clássicas de desaposentação. A primeirarefere-se ao segurado que se aposenta ainda jovem e continua na ativa, mantendo-se vinculado ao mesmo regime, contribuindo normalmente. Então, só depois que, de fato, encerrasse a sua vida profissional, buscaria tutela jurisdicional para ter assegurado o recálculo do benefício previdenciário que já percebia. (art. 12, § 4º, Lei nº 8.212/91).

A outra possibilidade, que é a mais comum, ocorre quando o segurado muda de regime previdenciário, notadamente quando se refere a segurado do RGPS, já aposentado, que é aprovado em concurso público, tomando posse em cargo efetivo, pertencente ao regime próprio de previdência. Neste caso, a tendência natural seria a averbação do tempo de contribuição no novo regime, contudo, isso não é possível em virtude do indivíduo já dispor de benefício do regime de origem. O papel da desaposentação na situação apresentada é o de excluir o vínculo do segurado com o regime de origem e viabilizar a emissão da certidão de tempo de contribuição, com a respectiva averbação em regime próprio.As decisões abaixo colacionadas expressam a referida hipótese:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. EFEITOS EX TUNC DA RENÚNCIA À APOSENTADORIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. A renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.2. O ato de renunciar ao benefício, conforme também já decidido por esta Corte, tem efeitos ex tunc e não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos. Inexistindo a aludida inativação onerosa aos cofres públicos e estando a decisão monocrática devidamente fundamentada na jurisprudência desta Corte, o improvimento do recurso é de rigor.3. Agravo regimental improvido.(328101 SC 2001/0069856-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 02/10/2008, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2008).

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O julgado acima tratou de um agravo regimental no recurso especial, perante o STJ, no qual o INSS pugnou pela devolução dos valores percebidos a título de aposentadoria posteriormente renunciada, sob o argumento de que há necessidade de compensação financeira do regime previdenciário que custeará a nova aposentadoria do segurado. Por outro lado, a ministra relatora destacou que a aposentadoria é direito patrimonial disponível, sendo plenamente possível a sua renuncia. E ainda que a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.

Sobre a forma de compensação financeira, a seguinte jurisprudência, da mesma corte:

PREVIDENCIÁRIO.  APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.  DIREITO DE RENÚNCIA.  CABIMENTO.  POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO.  EFEITOS EX NUNC.  DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS.  DESNECESSIDADE. PRECEDENTES.  CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO.  INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA. 1. É firme a compreensão desta Corte de que a aposentadoria, direito patrimonial disponível, pode ser objeto de renúncia, revelando-se possível,  nesses  casos,  a  contagem  do  respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. 2. Com efeito, havendo a renúncia da aposentadoria, inexistirá segundo o qual "não será contado por um sistema o  tempo  de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro", uma vez que o benefício anterior deixará de existir no mundo jurídico, liberando o tempo de serviço ou de contribuição para ser contado em novo benefício. 3. No ponto da renúncia, ressalto que a matéria está preclusa, dado que a autarquia deixou de recorrer. O cerne da controvérsia está na obrigatoriedade, ou não,  da  restituição  dos  valores recebidos em virtude do benefício que se busca renunciar. 4.  O Superior Tribunal de Justiça já  decidiu  que  o  ato  de renunciar  ao  benefício  tem  efeitos  ex  nunc  e  não  envolve  a obrigação  de  devolução  das  parcelas  recebidas,  pois,  enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos. 5. A base de cálculo da compensação, segundo a norma do art. 3º, § 3º da Lei nº 9.796/1999, será o valor do benefício pago pelo regime instituidor ouarendamensal  do  benefício segundo  as regras  da Previdência Social, o que for menor. 6.  Apurado o valor-base,  a  compensação  equivalerá  à multiplicação desse valor pelo percentual do tempo de contribuição ao Regime Geral  utilizado  no  tempo  de serviço  total  do servidor público, que dará origem à nova aposentadoria. 7.  Se antes da  renúncia  o  INSS  era  responsável  pela manutenção do benefício de aposentadoria, cujo valor à época do ajuizamento  da  demanda  era  R$316,34,  após,  a  sua responsabilidade  limitar-se-á  à  compensação  com  base  no percentual  obtido  do  tempo  de  serviço  no  RGPS  utilizado  na contagem  recíproca,  por  certo,  em  um  valor  inferior,  inexistindo qualquer prejuízo para a autarquia. 8. Recurso especial provido. (STJ - REsp  557.231/RS,  Rel.  Min.  PAULO  GALLOTTI,  SEXTA TURMA, DJ 16/6/2008).

Vê-se aí que entende o Ministro Paulo Galloti que tal compensação financeira, exigida pelo INSS quando o segurado pleiteia a desaposentação e migra de regime previdenciário, equivalerá à multiplicação do valor do benefício pago pelo regime instituidor pelo percentual do tempo de contribuição ao regime geral utilizado no tempo de serviço total do servidor público, que dará origem à nova aposentadoria. Menciona ainda, o Douto Ministro, que a base de cálculo da compensação está prevista no art. 3º, § 3º da Lei nº 9796/99[28].

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. DESAPOSENTAÇÃO E CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO LABORADO NO RGPS PARA FINS DE APOSENTADORIA NO REGIME PRÓPRIO. PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.

1 - Renúncia da aposentadoria percebida pelo regime geral de previdência social, com possibilidade de cômputo tempo de serviço para fins de aposentadoria estatutária, em respeito à finalidade do próprio instituto da aposentadoria no contexto social, como negar o direito ao segurado, conseqüentemente, ao recebimento da certidão de tempo de serviço.

2 - A renúncia à aposentadoria, com o fito de aproveitamento do respectivo tempo de serviço para fins de inatividade em outro regime de previdência, não obriga o segurado, em razão da contagem recíproca, a restituir os proventos até então recebidos. É que a Lei nº 9.796/99, que trata da compensação financeira para fins de contagem recíproca, não estabelece a transferência dos recursos de custeio do regime de origem para o regime instituidor da aposentadoria. 3. Agravo Legal provido.(TRF3 – OITAVA TURMA. REO - REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL – 1126575. Relator: JUIZ CONVOCADO RAFAEL MARGALHO. Data da decisão: 25/04/2012).

Tratou o presente julgamento de um reexame necessário de matéria cível, apreciado pelo Tribunal Regional Federal da terceira região, no qual o segurado pleiteava a renúncia do seu benefício, no RGPS, para fins de aposentadoria estatutária. O Relator destaca a norma mencionada alhures, que trata da compensação financeira dos regimes de previdência, qual seja, a lei nº 9796/99 e fala da desnecessidade de restituição dos proventos já percebidos no presente caso.

O contráriodasituação exposta seria a do segurado do RPPS que se aposenta e passa a contribuir para o RGPS. Um caso hipotético seria o seguinte: um indivíduo que ocupava um cargo público de nível médio, filiado a algum regime próprio, aposenta-se e é contratado por uma grande empresa privada, passando, assim, a verter contribuições ao INSS. Há, inclusive, um acórdão do Tribunal de Contas da União nesse sentido, observe-se:

Tribunal de Contas da União reconhece a possibilidade de renúncia a aposentadoria de servidor pelo regime próprio de previdência. A única ressalva deste órgão de controle externo é a necessidade de cancelamento do registro (na hipótese de a aposentadoria renunciada ter sido oriunda do RPPS federal): “Aposentadoria já considerada legal. Renúncia à aposentadoria, visando o aproveitamento do tempo de serviço e o exercício em outro cargo público para o qual prestou concurso público. Determinação para o cancelamento do registro da aposentadoria.” (Acórdão nº 885/2003, DOU 14/05/2003. Em<www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/.../006-312-2008-0.doc>. Acessado em 23.06.2012). Destaque do original.

O TCU, em decisão impar, reconheceua possibilidade de renúncia a aposentadoria do servidor pelo regime próprio, desde que haja o cancelamento do registro, na hipótese de a aposentadoria renunciada ter sido oriunda do RPPS federal.

Outro aspecto digno de nota é acerca da viabilidade atuarial e financeirado sistema previdenciário quando da desaposentação. A idéia é a de que quando o trabalhador aposentado migra de regime, precisaria efetuar a compensação financeira entre os regimes, pois do contrário haveria prejuízo ao primeiro.

Dispõe Cunha Filho (2004) que:

A compensação entre regimes decorre e tem como escopo a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial nos regimes de previdência social envolvidos na operação de contagem recíproca, pelo que a compensação entre regimes previdenciários compõe e viabiliza o procedimento de contagem recíproca. Constitui a compensação financeira entre regimes no reembolso que o regime previdenciário de origem, ou seja, o regime em que o segurado ou servidor esteve vinculado, paga ao regime previdenciário instituidor, que é o regime que irá conceder-lhe o benefício, conforme arts. 1º, § 2º e 4º da Lei nº 9796/99.

Defende o autor a necessidade da aplicação de parâmetros atuariais e financeiros entre os regimes, quando da desaposentação. Evitando-se assim até prejuízos em relação a terceiros segurados.

Há, contudo, opiniões divergentes da apresentada acima, como a de Ibrahim (2005, p. 55) que considera inexistente o prejuízo ao regime instituidor do benefício primeiro, pois ainda que o segurado já tenha recebido algumas parcelas do benefício, tal fato não terá impacto prejudicial, pois o montante acumulado será utilizado em período temporal menor, já que a expectativa de vida, obviamente, reduz-se com o tempo.

A opinião de Ibrahimaventada acima expressa que o acúmulo de contribuições será por um lapso temporal menor, se comparado com o primeiro benefício que o segurado percebia, devido à idade avançada deste. Não há que se falar em prejuízos ao sistema, até mesmo em virtude de o segurado continuar a contribuir, gerando, assim, renda em favor dos cofres previdenciários. 

Por fim, como forma de complementar o entendimento acerca da viabilidade da desaposentação, faz-se necessário que se retome a discussão sobre a necessidade de devolução dos valores recebidos pelo trabalhador a título de aposentadoria, agora sob o enfoque dos regimes previdenciários.

Relembrando, pois, duas são as modalidades de desaposentação, a primeira com permanência no mesmo regime e a segunda com migração entre regimes previdenciários distintos.

Com relação à primeira modalidade, não caberia a restituição dos valores recebidos, vez que o benefício em questão foi feito com o intuito de permanecer a vida toda do segurado. Se este deixa de receber as prestações vindouras, estaria, em verdade, desonerando o regime previdenciário. (Ibrahim, 2007, p. 60 e 61).

Acerca da desaposentação com manutenção do segurado em mesmo regime, há alguma celeuma na doutrina.Martinez (2007, p. 110 e 111) elenca alguns posicionamentos doutrinários acerca da restituição dos valores recebidos a título de proventos: a primeira, no sentido da não devolução dos valores; a segunda sustenta a devolução parcial; a terceira defende a devolução integral e a quarta defende a restituição apenas do necessário (atendo-se aos parâmetros atuariais indispensáveis). O citado autor filia-se a esta última corrente.

Restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de previdência social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros. (MARTINEZ, 2008, p. 36).

Sobre a autora
Aline Melo Braga

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Aline Melo. Análise jurídica do instituto da desaposentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3581, 21 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24220. Acesso em: 23 dez. 2024.

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