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A desaposentação sem restituição do valor recebido durante a aposentadoria e o julgamento do Recurso Especial 1334488

Agenda 10/05/2013 às 15:09

O STJ decidiu que é possível a desaposentação pelo INSS, mesmo sem devolução prévia dos valores recebidos na aposentadoria.

No dia 8 de maio de 2013, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (competente para uniformizar as decisões das 1ª e 2ª Turmas sobre benefícios previdenciários, conforme os arts. 9º, § 1º, XIII, e 12, IX, do RISTJ), decidiu no REsp 1334488/SC que é possível a desaposentação no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) brasileiro e que esse ato não é condicionado pela devolução prévia dos valores recebidos na aposentadoria.

A desaposentação é, basicamente, a abdicação da aposentadoria, com o objetivo de substituí-la por uma nova, aproveitando o tempo de contribuição e os salários-de-contribuição posteriores ao início daquela. Logo, é diferente da renúncia à aposentadoria, consistente no pedido de encerramento sem o interesse na concessão de outra. A desaposentação compreende necessariamente a substituição de uma aposentadoria por outra, e pode resultar no acréscimo de tempo de contribuição posterior ao início do benefício, ou somente o aumento da idade (e redução de expectativa de sobrevida), para a ampliação do fator previdenciário e da renda mensal do segurado aposentado.

Esse instituto é polêmico, por não ter previsão legal expressa, e possui duas controvérsias essenciais: (a) a existência – ou não – de um direito à desaposentação; (b) e a obrigatoriedade – ou não – da restituição dos valores recebidos na aposentadoria de que se abre mão.

Sobre a primeira discussão, o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, prevê que “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.

Com base nessa norma, defende-se que, após o início de aposentadoria, não é permitido o retorno como beneficiário (além das exceções referidas), mas somente como contribuinte do RGPS. Em consequência, o ato de aposentação é irreversível, conforme prevê o art. 181-B do Decreto nº 3.048/99: “As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis”.

Também se afirma que, com fundamento no princípio da legalidade (administrativa), a falta de autorização legal expressa impede a desaposentação. Sustenta-se ainda que a aposentadoria é uma relação jurídica bilateral, entre o segurado e a Previdência Social, razão pelo qual a desconstituição do ato deve ser condicionada à aceitação das duas partes. Acrescenta-se que há uma burla ao fator previdenciário, pois o segurado pode se aposentar e manter o benefício até que o fator lhe seja favorável (igual ou superior a 1), pelo recolhimento posterior de contribuições ou apenas pelo aumento de sua idade, e pleitear o novo benefício.

Acerca da questão, o Enunciado nº 70 das Turmas Recursais do Rio de Janeiro dispõe que “é inviável a desaposentação no Regime Geral da Previdência Social para fins de aproveitamento do tempo de contribuição anterior para uma nova aposentadoria neste mesmo regime”.

Por outro lado, afirma-se que a aposentadoria é um ato voluntário, logo, o segurado pode desistir da continuidade dela, e que a proibição à renúncia é uma medida que protege o segurado, portanto, não pode ser interpretada no sentido de prejudicá-lo.

O princípio da legalidade também é utilizado como argumento, considerando que, aos particulares, o que não é expressamente proibido por lei é permitido.

Ao privilegiar a segunda corrente da primeira controvérsia, a 1ª Seção do STJ entendeu que a aposentadoria é um direito patrimonial disponível, o que autoriza a desistência por seu titular, independentemente de justificativa.

A segunda controvérsia diz respeito aos efeitos da desaposentação, ou seja, se o segurado retorna à situação jurídica anterior à aposentadoria, e deve restituir a quantia recebida (ex tunc), ou se incidem apenas a partir do pedido, dispensando-se a devolução dos valores (ex nunc).

Para quem segue a primeira posição, a indenização dos valores recebidos é imprescindível para a preservação do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, pois o INSS efetuou o pagamento do benefício durante determinado período, e não há no sistema previsão para, posteriormente, se conceder nova aposentadoria, em valor maior do que a cancelada.

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De outro lado, quem defende o segundo entendimento afirma que, se não houve ilegalidade na concessão do benefício, não há razão para o reembolso. Ainda, sustenta-se que não ocorre prejuízo ao equilíbrio atuarial, tendo em visa que as contribuições posteriores à aposentadoria não são projetadas pelo sistema.

Conforme a Súmula nº 3 das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul, “o tempo de serviço prestado após a aposentação somente poderá ser contado para concessão de nova aposentadoria se houver renúncia ao benefício ou desaposentação, com restituição de todos valores já recebidos”.

Complementando a concepção da aposentadoria como um direito patrimonial disponível, decidiu-se no REsp 1334488 que o direito de abdicar ao benefício não pressupõe a restituição do que foi recebido.

Logo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1334488: (a) reconhece a existência de um direito à desaposentação; (b) e dispensa a necessidade de devolução da quantia recebida durante a aposentadoria.

Ainda, aplicou-se ao Processo o rito dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, que, apesar de não ser vinculante, limitará o uso de recurso especial contra as decisões judiciais que não seguirem o julgado do STJ.

Porém, o assunto não foi definitivamente resolvido, considerando-se que o Supremo Tribunal Federal começou a decidir o assunto, no julgamento do RE 381367, em 16/09/2010. O relator, Min. Marco Aurélio, deu provimento ao recurso (dos segurados) e decidiu ser possível a desaposentação, com o fundamento principal de que o art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, não pode ser interpretado no sentido de vedá-la, sob pena de contrariar o art. 201 da Constituição. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Min. Dias Toffoli e ainda não foi retomado.

Ressalva-se que a autorização da desaposentação, independentemente da devolução dos valores, deve conter regras e limites mínimos ao seu exercício, com a resolução de algumas questões: quantas desaposentações são permitidas para o mesmo segurado, uma ou mais? Sendo possível mais de uma, o segurado pode se desaposentar indefinidamente, em quantas oportunidades tiver interesse, ou isso deve ser limitado a um número máximo? No direito civil, a renúncia é um ato irrevogável, ou seja, uma vez realizado, não se admite a “renúncia da renúncia”; porém, considerando que é concedido um novo benefício, não há impedimento legal para a renúncia a ele, e sucessivamente para outros benefícios concedidos após novas desaposentações. Entretanto, isso pode criar situações abusivas (desaposentações mensais, anuais, etc.), sendo recomendável o estabelecimento (por lei, ou mesmo a uniformização pelos Tribunais) de limites objetivos para sua utilização pelos segurados do RGPS.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. A desaposentação sem restituição do valor recebido durante a aposentadoria e o julgamento do Recurso Especial 1334488. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3600, 10 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24408. Acesso em: 22 dez. 2024.

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