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A responsabilidade subsidiária trabalhista e o dever de a administração contratante adotar medidas efetivas que afastem o prejuízo dos trabalhadores no caso de inadimplemento da contratada

Agenda 19/06/2013 às 09:15

Em razão dos contratos de prestação de serviços continuados, a Administração Pública possui responsabilidade subsidiária em relação aos débitos trabalhistas, o que pode gerar duplo gasto ao erário público.

Há tempos o tema da responsabilização subsidiária trabalhista da Administração contratante tem sido um dos principais assuntos envolvendo a gestão dos contratos de prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra.

São inúmeras as ações na Justiça do Trabalho em que a Administração Pública é chamada a participar do polo passivo e, ao final, com esteio na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, resta condenada subsidiariamente ao pagamento de verbas que deveriam ter sido adimplidas pela empresa contratada com valores pagos pela Administração a título da execução contratual.

Esse não é um fato recente. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que, a partir de meados da década de 90, a adoção desmedida e descontrolada da terceirização no âmbito das atividades administrativas foi incrementada, acentuou-se também a condenação subsidiária da Administração pela Justiça Trabalhista.

Objetivando conter esse efeito e dotar a Administração tomadora dos serviços de instrumentos aptos para precaver sua responsabilização e minimizar seus prejuízos no caso de inadimplência da contratada, a IN nº 02/08, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do Planejamento, foi alterada em 2009, passando a prever a possibilidade de o edital para contratação de prestação de serviço continuado com dedicação exclusiva da mão de obra exigir a obrigação da contratada de, no momento da assinatura do contrato, autorizar a Administração contratante a fazer o desconto na fatura e o pagamento direto dos salários e demais verbas trabalhistas aos trabalhadores, quando houver falha no cumprimento dessas obrigações por parte da contratada.

O objetivo do presente trabalho é avaliar se seria possível (e, caso positivo, como), nos contratos em que não conste cláusula nesse sentido, a Administração adotar procedimento similar, capaz de impedir o dano aos empregados e afastar sua responsabilização.

Conforme dito acima, o art. 19-A da IN nº 02/08 assegura para a Administração a possibilidade de prever em seus contratos cláusula que lhe permita reter créditos da empresa contratada e efetuar o desconto na fatura e o pagamento direto dos salários e demais verbas trabalhistas aos trabalhadores, quando houver falha no cumprimento dessas obrigações por parte da contratada.

Nesse caso, não parece haver qualquer dúvida acerca da possibilidade jurídica de a Administração realizar o desconto na fatura e o pagamento direto dos salários e demais verbas trabalhistas aos trabalhadores, no caso de inadimplemento dessas obrigações por parte da contratada. Trata-se de reconhecer a força vinculante dos contratos (pacta sunt servanda), também consagrada pela Lei nº 8.666/93, na forma do seu art. 66:

Art. 66 O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.

Contudo, a falta dessa autorização não parece impedir a adoção da mesma conduta por parte da Administração, fazendo-se necessária, contudo, a observância de alguns cuidados e requisitos.

Para justificar as razões que legitimam a adoção desse procedimento, mesmo se não previsto contratualmente, devemos, primeiro e brevemente, fixar o atual contexto da responsabilização subsidiária da Administração Pública tomadora de serviços.

No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, o qual prevê:

A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Contudo, segundo o próprio Presidente do STF à época, Min. Cezar Peluso, isso “não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa”.[1]

Isso porque, no cenário em que se formou, mesmo atestada a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, a imposição da responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pela contratada encontra fundamento em outras normas de Direito, mais especificamente em um dos pressupostos da responsabilidade civil, qual seja, a ação ou omissão culposa da Administração tomadora do serviço no cumprimento de seu dever de fiscalizar.

A relação jurídica formada entre a Administração contratante e a empresa contratada é de natureza contratual. A ela se aplicam as disposições da Lei nº 8.666/93 e, “supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.[2]

Nesses termos, não se deve perder de vista que, na forma do art. 186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Para o desenvolvimento do raciocínio pretendido, parece possível e útil compreender a culpa como sinônimo de desconformidade com um dever de conduta assumido pela parte.

De acordo com o art. 67 da Lei nº 8.666/93, ao celebrar seus contratos, a Administração Pública tem o dever de acompanhar e fiscalizar a sua execução. Sendo o interesse público indisponível, esse é um dever de primeira ordem, pois somente assim se assegura sua satisfação e se afasta o risco de dano ao erário.

Esse dever legal impõe à Administração, no curso das contratações de prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, a obrigação de aferir se a empresa contratada é ou não idônea, se paga ou não seus encargos sociais.

A culpa da Administração como fator determinante para geração do dano pode, basicamente, decorrer da escolha de empresa inidônea (culpa in eligendo) que não cumpre suas obrigações ou “da falta de atenção com o procedimento de outrem”[3] (culpa in vigilando).

No caso, a omissão da Administração (falta de aferição do adimplemento das obrigações trabalhistas pela contratada) permitirá que a prestação dos serviços contratados se desenvolva em manifesto prejuízo aos trabalhadores. É exatamente essa omissão que configura a sua culpa in vigilando na formação do passivo trabalhista, ao passo que, se a Administração tivesse cumprido seu dever legal de fiscalizar o ajuste, poderia agir de modo tempestivo a evitar o dano.

E, constatada a culpa da Administração, na forma do art. 927 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

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A situação ainda se agrava, haja vista a Administração se beneficiar dos frutos e resultados da atividade laboral promovida. Não se mostra compatível com o princípio da moralidade a obtenção de benefício pelo Poder Público à custa da lesão de direito fundamental de terceiros, no caso, os trabalhadores. Lesão essa que poderia ser evitada se a Administração cumprisse o dever legal de fiscalizar o cumprimento pela contratada de suas obrigações decorrentes da execução do ajuste.

É justamente com base na aferição da culpa in vigilando, caracterizada pela omissão do tomador de serviços no que diz respeito ao exercício da fiscalização do cumprimento das obrigações legais da empresa terceirizada, que a Justiça Trabalhista vem atribuindo a responsabilidade subsidiária da Administração, tal qual se observa no julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-21-96.2012.5.14.0403, pelo Tribunal Superior do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA IN VIGILANDO. O Tribunal Regional decidiu a controvérsia em consonância com os artigos 186 e 927 do Código Civil, que preveem a culpa in vigilando. Ademais, os artigos 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93 impõem à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos de prestação de serviços por ela celebrados. No presente caso, o ente público tomador dos serviços não cumpriu adequadamente essa obrigação, permitindo que a empresa prestadora contratada deixasse de pagar regularmente a seus empregados as verbas trabalhistas que lhes eram devidas. Saliente-se que tal conclusão não implica afronta ao art. 97 da CF e à Súmula Vinculante nº 10 do STF, nem desrespeito à decisão do STF na ADC nº 16, porque não parte da declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, mas da definição do alcance das normas inscritas nessa Lei, com base na interpretação sistemática. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST, Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-21-96.2012.5.14.0403.)

Por via oblíqua, se não for reconhecida, no curso do processo trabalhista, a falha da Administração no cumprimento de seu dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações legais pela empresa terceirizada, restará inviável atribuir a ela responsabilidade subsidiária. Nesse sentido tem se formado a orientação adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho:

ACÓRDÃO (4ª Turma)

RECURSO DE REVISTA DO SEGUNDO RECLAMADO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. Para que seja autorizada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, conforme o disposto na Lei nº 8.666/93, deve ser demonstrada a sua conduta omissiva no que se refere à fiscalização do cumprimento das obrigações relativas aos encargos trabalhistas. Esse, aliás, foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal que, em recente decisão (ADC 16 - 24/11/2010), ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, asseverou que a constatação da culpa in vigilando, isto é, a omissão culposa da Administração Pública em relação à fiscalização quanto ao cumprimento dos encargos sociais, gera a responsabilidade do ente contratante. Assim, não estando comprovada a omissão culposa do ente em relação à fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas, não há de se falar em responsabilidade subsidiária.

Recurso de Revista conhecido e provido. (TST, Processo nº TST-RR-123200-74.2007.5.15.0125)

ACÓRDÃO (8ª Turma)

RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE Nº 16. CULPA IN VIGILANDO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Nos termos da Lei 8.666/1993 e dos arts. 186 e 927 do Código Civil, para que a responsabilidade subsidiária seja aplicada à Administração Pública, é necessária a comprovação da sua conduta omissiva no tocante à fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato entre tomador e prestador de serviços quanto às verbas trabalhistas. Esse é o entendimento que se extrai da decisão (ADC 16 - 24/11/2010) do STF ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, acentuando que, uma vez constatada a culpa in vigilando, gera a responsabilidade do ente público. No presente caso, o Regional acolheu a responsabilidade subsidiária tão somente porque o recorrente foi beneficiário da prestação de serviços, sem demonstração de que ela incidiu na culpa in vigilando, hábil a justificar a atribuição da responsabilidade subsidiária; o recurso merece provimento.

Recurso de revista conhecido e provido. (TST, Processo nº TST-RR-46600-16.2008.5.04.0761)

Assim, a partir do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a imposição de responsabilidade subsidiária trabalhista à Administração Pública tomadora de serviços continuados que envolvem dedicação exclusiva de mão de obra, em face de verbas inadimplidas pela empresa contratada, passou a exigir, indispensavelmente, a comprovação de ação ou omissão culposa da Administração, capaz de contribuir para a geração do resultado danoso aos empregados.

Em termos práticos, a decisão da ADC nº 16/DF pelo STF impôs ao Poder Judiciário Trabalhista a impossibilidade de generalizar os casos e o dever de aferir com mais rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante, sob pena de não ser devida a responsabilização subsidiária da Administração.

Não por outra razão, o Tribunal Superior do Trabalho conferiu nova redação à Súmula nº 331:

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.

A partir desse contexto, seria possível cogitar o dever de a parte reclamante provar em juízo a conduta culposa da Administração, sob pena de não se obter a sua condenação subsidiária. Uma interpretação literal e apressada dos julgados do TST acima colacionados permite essa compreensão, ao empregarem as seguintes expressões, respectivamente: “deve ser demonstrada a sua conduta omissiva” e “é necessária a comprovação da sua conduta omissiva”.

Contudo, não parece ser esse o melhor entendimento, pois, desse modo, incidiria sobre o empregado parte hipossuficiente da relação processual trabalhista, o ônus de gerar prova da conduta culposa da Administração, encargo esse deveras complexo e que não se revela compatível com o princípio protetivo.

De acordo com o art. 818 da CLT, “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Dada a insuficiência dessa disciplina, que se mostra simplista em face das dificuldades formadas no curso da dinâmica processual trabalhista, tem-se reconhecido a incidência supletiva do disposto no art. 333 do Código de Processo Civil, segundo o qual o ônus da prova será do autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito, e do réu quanto aos fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do autor.

É sob esse enfoque que reputamos mais adequada, em sede de Justiça Trabalhista, a aplicação do princípio da melhor aptidão para a prova, segundo o qual o ônus da prova caberá àquele que se mostrar mais apto a demonstrá-la em juízo. A hipossuficiência do trabalhador, reconhecida pelo Direito Processual Trabalhista, não pode se resumir à questão econômica, alcançando também os meios e recursos para a produção de provas.

Nesse sentido, caberá à Administração, e não ao empregado reclamante, comprovar ter agido de modo compatível com o cumprimento de seu dever legal de fiscalizar a execução dos contratos.

Atente-se que, no citado Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-21-96.2012.5.14.0403, a Ministra Relatora Dora Maria da Costa, adota essa mesma ordem de ideias na construção de seu Voto:

Entende-se que o ônus da prova, no particular, é do ente público, porque é deste a obrigação de fiscalizar o contrato firmado com a empresa contratada, nos termos da Lei nº 8.666/93, além do que, na seara trabalhista a jurisprudência majoritária reconhece que o fornecedor da mão de obra e o tomador dos serviços possuem maior aptidão para a produção da prova, pois são os detentores da documentação relativa ao contrato firmado entre estes para a execução dos serviços, além da documentação referente ao vínculo trabalhista com o obreiro.

Assim, pelo princípio da aptidão da prova, o ente público deveria trazer aos autos a documentação referente à licitação e fiscalização acerca do regular pagamento das verbas trabalhistas aos empregados da fornecedora de mão de obra. Entretanto, apesar de ter apresentado o contrato firmado com a primeira reclamada (fls.69-84), o Estado do Acre não apresentou documentos relativos a efetiva fiscalização desse contrato.

Além disso, como a ausência de culpa constitui-se em fato impeditivo do direito do autor, o ônus probatório é da parte recorrente, a teor do art. 818 da CLT c/c art. 333, II do CPC.

Neste diapasão, para afastar a responsabilidade subsidiária, deve o recorrente comprovar que realmente realiza tal fiscalização mês a mês, previamente ao pagamento dos serviços, conforme determina o art. 67 da Lei nº 8.666/93, demonstrando a idoneidade da empresa em face de suas obrigações trabalhistas.

A partir desse conjunto de elementos, entendemos que o afastamento de eventual responsabilização subsidiária trabalhista requer da Administração tomadora a adoção de ações tempestivas e suficientes para evitar que o inadimplemento da contratada no pagamento de seus encargos gere dano aos empregados envolvidos na execução do ajuste.

Dito de outro modo, a Administração Pública não deve ficar inerte diante da inadimplência da empresa contratada quanto às obrigações trabalhistas, sob pena de justamente essa inércia configurar omissão passível de determinar sua culpa in vigilando e incorrer em responsabilidade.

Se a Administração pode arcar subsidiariamente com o pagamento das obrigações trabalhistas tidas como não cumpridas quando incorre em culpa in vigilando, a única forma de afastar esse risco é adotando medidas acauteladoras do erário.

E nesse sentido, ao que parece, a medida mais eficaz para acautelar o erário do risco da responsabilidade subsidiária trabalhista é justamente garantir a promoção da satisfação dos créditos dos empregados envolvidos na prestação dos serviços objeto do contrato firmado entre a empresa devedora e a Administração tomadora dos serviços.

Diante desse breve delineamento do contexto da responsabilização subsidiária da Administração Pública tomadora de serviços prestados em regime de dedicação exclusiva da mão de obra, postulamos que, caso não conste do contrato firmado cláusula que assegure a possibilidade de a Administração efetuar o desconto das faturas devidas e o pagamento diretamente aos trabalhadores, nos termos do art. 19-A da IN nº 02/08, será necessário se valer de outros fundamentos e mecanismos jurídicos capazes de assegurar a satisfação desse direito fundamental dos trabalhadores.

Para tanto, tão logo aferida a inadimplência da empresa contratada no que diz respeito ao pagamento de seus encargos sociais, impõe-se à Administração contratante promover, imediatamente, a retenção de qualquer pagamento devido pelos serviços prestados.

A retenção tem a finalidade de assegurar a existência de créditos suficientes da empresa para o adimplemento de suas obrigações trabalhistas decorrentes da execução do ajuste. Não raras vezes, tem-se observado que, ao não suspender esses pagamentos, as empresas se apropriam indevidamente dos valores e não arcam com tais obrigações, deixando para a Administração o ônus da responsabilidade subsidiária, o que faz com que o erário tenha duplo prejuízo.

Registre-se que a retenção de pagamentos por serviços prestados constitui medida excepcional. Somente deve-se lançar mão desse expediente nas situações em que houver risco efetivo de prejuízo ao erário.

Nesse exato sentido posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a licitude da retenção de créditos da empresa contratada pela Administração quando aferido o inadimplemento de verbas trabalhistas pela primeira que possam alcançar a segunda:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ESTADO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS ENCARGOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93. CONSTITUCIONALIDADE. RETENÇÃO DE VERBAS DEVIDAS PELO PARTICULAR. LEGITIMIDADE.

1. O STF, ao concluir, por maioria, pela constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 na ACD 16/DF, entendeu que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade.

2. Nesse contexto, se a Administração pode arcar com as obrigações trabalhistas tidas como não cumpridas quando incorre em culpa in vigilando (mesmo que subsidiariamente, a fim de proteger o empregado, bem como não ferir os princípios da moralidade e da vedação do enriquecimento sem causa), é legítimo pensar que ela adote medidas acauteladoras do erário, retendo o pagamento de verbas devidas a particular que, a priori, teria dado causa ao sangramento de dinheiro público. Precedente.

3. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 1241862/RS)[4]

Feita a retenção, cumpre à Administração notificar formalmente a empresa contratada para que dentro de um prazo previsto regularize a condição de inadimplência. Esse prazo não deve ser superior a cinco dias úteis, pois, quanto mais tempo transcorrer, mais tempo os empregados permanecerão sem a satisfação de seus direitos.[5]

Uma vez regularizada a condição de inadimplência dentro do prazo concedido, a Administração pode avaliar a conveniência e a oportunidade de manter vigente o contrato.[6]

Não ocorrendo a regularização, sugerimos à autoridade responsável pelo contrato informar a situação à Procuradoria Jurídica, para que esta entre em contato com o sindicato da categoria envolvida e com o Ministério Público do Trabalho, entidades competentes pela tutela dos direitos dos trabalhadores, com o objetivo de informá-los e chamá-los a compor o valor devido pela empresa a cada um de seus empregados.

Definido o valor devido, julgamos possível e recomendável o ajuizamento na esfera judicial de medida cautelar inominada, visando ao bloqueio dos valores e à posterior expedição pelo juízo de alvarás individuais a cada um dos empregados, operando-se o desconto do valor retido.

Essa ação pode ser ajuizada pelo sindicato ou pelo Ministério Público do Trabalho, com a assistência da Procuradoria Jurídica do órgão tomador do serviço, e assim procedido, evitará o ajuizamento de inúmeras ações trabalhistas individuais que, certamente, envolveriam a Administração no polo passivo.[7]

À luz dessas razões, firma-se entendimento no sentido de, mesmo não constando do contrato firmado cláusula que assegure a possibilidade de a Administração efetuar o desconto das faturas devidas e o pagamento diretamente aos trabalhadores, nos termos do art. 19-A da IN nº 02/08, com base no procedimento ora ventilado, ser possível assegurar a satisfação desse crédito e o afastamento da responsabilização subsidiária trabalhista.


Notas

[1] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=166785>. Acesso em: 16 jan. 2013, às 9h30.

[2] Conforme art. 54 da Lei nº 8.666/93: “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Responsabilidade civil. 22. ed.  São Paulo: Saraiva, 2008. p. 44. v. 7.

[4] Em 2009, antes, portanto, da pacificação do alcance e dos limites para a responsabilização subsidiária da Administração Pública, o Superior Tribunal de Justiça havia adotado essa tese no julgamento do Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 16.257/SP – Segunda Turma.

[5] Não é demais lembrar que verbas salariais possuem natureza alimentar.

[6] Seja qual for a sua decisão (pela manutenção ou rescisão do ajuste), impõe-se a abertura de processo administrativo no qual se observem os postulados da ampla defesa e do contraditório, a fim de aplicar as sanções cabíveis em face do atraso no pagamento das ditas verbas aos trabalhadores.

[7] Cumpre observar que esse procedimento vem sendo adotado com êxito no âmbito da Procuradoria-Regional da União e da Consultoria Jurídica da União – 3ª Região, tendo, inclusive, sido inscrito na VIII Edição (2011) do Prêmio Innovare, como prática capaz de aumentar a qualidade da prestação jurisdicional e contribuir com a modernização da justiça brasileira: “Pagamento a trabalhadores terceirizados, na via judicial, de valores retidos pela Administração” (Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/pagamento-a-trabalhadores-terceirizados-na-via-judicial-de-valores-retidos-pela-administracao/>. Acesso em: 16 jan. 2013, às 15h.).

Sobre o autor
Ricardo Alexandre Sampaio

Advogado e Consultor jurídico na área de licitações e contratos. Especialista em Direito Administrativo. Diretor técnico da Zênite Informação e Consultoria S.A., Coordenador Editorial das Revistas Zênite de Licitações e Contratos - ILC e de Direito Administrativo e LRF - IDAF. Colaborador da obra: "Lei de Licitações e Contratos Anotada" (6ª ed., 2005, Zênite Editora). Autor de diversos artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Ricardo Alexandre. A responsabilidade subsidiária trabalhista e o dever de a administração contratante adotar medidas efetivas que afastem o prejuízo dos trabalhadores no caso de inadimplemento da contratada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3640, 19 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24728. Acesso em: 25 nov. 2024.

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