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A dignidade da pessoa humana como pressuposto para a legitimidade do direito democrático

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Agenda 02/07/2013 às 14:50

Jürgen Habermas busca legitimar o direito dentro de um Estado Democrático através da teoria da ação comunicativa, pois uma norma só se torna direito positivo quando ela obtém força através de um procedimento válido perante e quando se legitima pela aceitação social.

Resumo: O presente artigo procura demonstrar como Jürgen Habermas busca legitimar o direito, dentro de um Estado Democrático através da teoria da ação comunicativa. Para Habermas uma norma só se torna direito positivo quando ela obtém força através de um procedimento válido perante o direito e quando se legitima pela aceitação social. Uma norma jurídica é valida quando respeita os procedimentos formais estabelecidos legalmente, mas só é legitima a partir do momento que é fruto da ação social de cidadão que possui dignidade, traduzida em liberdade e autodeterminação para expressar suas verdades.

Palavras-chave: direito; legitimidade; Habermas; dignidade da pessoa humana


O direito é válido de maneira formal quando obedece determinadas normas para sua elaboração. Uma norma, para ser reputada como válida, necessita ser elaborada por um órgão competente respeitando regras de validade de elaboração.

Contudo, a norma não pode ser vista, somente quanto à sua validade. No que tange a eficácia da norma, esta se relaciona também com validade social. Uma norma será considerada legitima por parte de seus subordinados somente se eles se identificarem com ela.

Segundo a teoria de Habermas, quando o direito é resgatado da discussão social, ele se torna legitimo. Assim, somente a discussão da sociedade, dentro do processo de elaboração das leis, pode garantir que os cidadãos de identifiquem com a norma e lhe atribuam efetividade de cumprimento.

A elaboração do direito legitimo deve ser democratizada, levando em conta o pensamento social, não podendo se limitar apenas as casas legislativas. Neste sentido Habermas, descreve que o direito legitimo deve ser proveniente de uma elaboração normativa através do princípio da democracia, que protege a autonomia dos cidadãos e os seus direitos fundamentais.

A norma democrática deve assegurar a dignidade da pessoa humana e só assegurando essa dignidade o cidadão poderá ser livre para participar do processo legislativo, tronando-o democrático.


1. A RAZÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS

O filósofo do direito, Jürgen Habermas, tem seu nome associado à teoria crítica da Escola de Frankfurt, cujos principais representantes são Adorno, Marcuse, Horkheimer e Benjamin. Embora existam diferenças de pensamento entre esses filósofos, é notável que a crítica radical à sociedade industrial moderna é tema comum a todos. (GONÇALVES, 1999, p. 128).  

A teoria crítica traz o encontro da epistemologia de Kant com a economia política de Marx. Kant fazia crítica à razão pura, apresentando a definição do espaço público como correlato do esclarecimento. O Espaço público era valorizado como possibilidade de discurso livre, da argumentação sem perseguição ou cerceamento por nenhuma autoridade.

Contudo, dentro das sociedades industriais, que decorreram do processo de modernização, passou a prevalecer ideia da racionalidade instrumental, entendida como a organização de meios adequados para atingir determinados fins ou pela escolha entre alternativas estratégicas com vistas à consecução de objetivos (GONÇALVES, 1999, p. 128).  

Conforme a racionalidade instrumental transforma as próprias instituições sociais, às decisões racionais baseadas em necessidades sociais determinadas pelas maiorias afasta a reflexão e da discussão necessária para uma norma democrática e legitima.

Marx, defensor do materialismo histórico, apresentou a inversão da dialética Hegeliana, dizendo que tudo começa na prática, no trabalho, na produção e o espírito decorre disso. Neste momento o homem era visto como uma engrenagem, uma mercadoria, demonstrando a coisificação do ser humano na sociedade capitalista.

Partidário da Escola de Frankfurt, Habermas, diverge de Marx, afirmando que o trabalho não é a única forma de emancipação do homem, sendo que a emancipação humana depende da comunicação, pois existem aspectos do ser humano que não podem ser coisificados.

Depois de uma guinada metodológica Habermas passa a acreditar na substituição da ação prática, pela ação comunicativa, tentando adequar a sua teoria do discurso a teoria do direito. Habermas substitui a razão prática pela razão comunicativa, sendo o agir comunicativo, um importante coordenador da ação humana (HABERMAS, 1997. p. 19-25).

Com o rompimento, o filósofo propõe a renovação da teoria crítica a partir da razão comunicativa e da emancipação humana pela comunicação. A Teoria da Ação Comunicativa, “tem por tarefa identificar e reconstruir condições universais do entendimento possível”. (DUTRA, 2005. p.42)

O pensador alemão busca superar o conceito de racionalidade instrumental, ampliando o conceito de razão. Para ele a razão que contém as possibilidades de reconciliação consigo mesma (GONÇALVES, 1999, p. 128).

Habermas tratará a noção de Estado de direito a partir do aspecto normativo do direito e do poder, o que remeterá, em sua concepção processual de legitimidade, para o princípio da democracia, já que é o modo como se dá conta da legitimidade do direito.

Para Habermas é através da comunicação que as relações humanas serão fundamentadas, delineando as condutas humanas. O agir comunicativo deve ser voltado para o entendimento na construção da Democracia.

A causa dos graves problemas da sociedade industrial moderna, para Habermas, não reside no desenvolvimento científico e tecnológico como tal, mas, sim, na unilateralidade dessa perspectiva como projeto humano, que deixa de lado a discussão sobre questões vitais em torno das quais uma sociedade decide o rumo da sua história (GONÇALVES, 1999, p. 128).

A teoria da ação comunicativa apresenta a emancipação da categoria humana pela comunicação, consolidando a proposta de renovação da teoria crítica da sociedade.

Toda comunicação conter a finalidade do entendimento dos endereçados da mensagem, sendo que o entendimento, derivado do discurso, da comunicação será o fundamento do pensamento democrático.

É pela comunicação que o cidadão alcança a liberdade, contudo, a comunicação deve pressupor a aceitação, como pretensões de validade a verdade, a correção e a sinceridade.

Os “Falantes que argumentam para defender seus argumentos [...] pressupõem como condição e possibilidade (esta é a dimensão utópica) a validade dos mesmos argumentos e a possibilidade de mutuo entendimento, a reciprocidade”  (INULIANELLI, 2003. p.30).

É através do discurso, modo reflexivo da ação comunicativa, que se desempenha o resgate argumentativo de pretensões de validade tacitamente aceitas na ação comunicativa.

A subjetividade do indivíduo não é construída através de um ato solitário de auto-reflexão, mas, sim, é resultante de um processo de formação que se dá em uma complexa rede de interações. A interação social é, ao menos potencialmente, uma interação dialógica, comunicativa (GONÇALVES, 1999, p. 129).

A sociedade democrática se valoriza pela ação comunicativa, que decorre da recusa da pretensão de validade para através do discurso atingir uma nova verdade que será valida para aquele momento.

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Tendo em vista que o homem não reage simplesmente a estímulos do meio, mas atribui um sentido às suas ações e, graças à linguagem, é capaz de comunicar percepções e desejos, intenções, expectativas e pensamentos, Habermas vislumbra a possibilidade de que, através do diálogo, o homem possa retomar o seu papel de sujeito (GONÇALVES, 1999, p. 128).

Na teoria de Habermas, é a razão comunicativa, o discurso, que vai iniciar a construção de um direito legitimo através do principio da democracia. A racionalidade discursiva na construção do direito é o exercício do principio da democracia e a fonte de legitimidade do direito.


2. A LEGITIMAÇÃO DO DIREITO PELA AÇÃO COMUNICATIVA

Uma norma deve ser avaliada a partir de dois aspectos: validade e legitimidade. Uma norma jurídica é válida quando respeita os procedimentos formais estabelecidos pela legalidade. Contudo, a mesma norma só será legitima se ela puder transmitir os anseios sociais.

Para Habermas uma norma só se torna direito positivo quando ela obtém força através de um procedimento considerado válido para o direito, porém sua força de cumprimento, somente poderá ser verificada através resgate social.

A legalidade da norma pode ser facilmente verificada quando submetida ao crivo da legalidade. Já a legitimidade, pede aceitação e cumprimento social.

Uma norma necessita da legitimidade para que os cidadãos optem pelo seu cumprimento. Muitas vezes, não ocorre a identificação dos anseios da sociedade com a norma posta, o que acaba gerando um descumprimento por falta de legitimidade.

Criar esta identificação do cidadão com a norma, segundo o que o autor alemão acredita, passa necessariamente pela ação comunicativa. Quando a norma é fruto de ação social, ela se torna legitima.

O direito democrático, base do Estado de Direito, deve reunir a validade formal e a resgatabilidade social na mesma norma.

o direito não é apenas constitutivo para o código do poder que dirige o processo de administração: Ele forma simultaneamente o medium para a transformação do poder comunicativo em administrativo. Por isso, é possível desenvolver a idéia do Estado de direito com o auxílio de princípios segundo os quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é novamente transformado em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizado (HABERMAS, 1997. p. 212.).

A teoria do discurso, não só apresenta uma forma de alcançar a democracia por meio da participação popular, mas também demonstra que o direito só se legitima, se baseado em leis que traduzam ao sentimento da coletividade.

Habermas procura democraticamente resolver o problema da legitimidade do direito a partir da própria legalidade. Ele pretende legitimar o direito através da perspectiva discursiva, pelo princípio da democracia. 

O princípio da democracia pressupõe preliminarmente a possibilidade da decisão racional de questões práticas, mais precisamente, a possibilidade de todas as fundamentações, a serem realizadas em discursos (e negociações reguladas pelo procedimento), das quais depende a legitimidade das leis (HABERMAS, 1997. p. 242).

A eficácia da norma, que se traduz na sua validade social, significa o cumprimento destas normas por parte dos afetados por ela. Para que além de legitima a norma seja valida socialmente é necessário veicular o cidadão a lei.

O cidadão vê a lei como ente oposto e exterior a sua vontade, somente com a participação, através da discussão social, o cidadão se vinculará.

A ação comunicativa se funda na intuição simples de que o reconhecimento dos indivíduos como pessoas responsáveis consiste em tomá-las  seriamente  como  agentes  que  podem  e  devem  ter  voz  na validação  de  normas  e  leis  às  quais  eles  próprios  estão  sujeitos.

 (...) destina-se a amarrar procedimentos de normatização legítima do direito. Ele significa, com efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva. O princípio da democracia explica noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente (HABERMAS, 1997. p. 242.).

O direito exerce uma força coativa sobre perspectiva de legitimidade, o que o faz perder seu poder de interação social. A democracia é condição que legitima o direito, interligando o princípio do discurso, a forma jurídica e o princípio da democracia.

Nesta esfera democrática destaca-se o paradoxo da legitimidade que surge da legalidade. Na visão de Habermas, o direito traz uma marca de legitimidade. Ele acha possível através de um processo democrático o respeito e a defesa das liberdades comunicativas.

O Estado deve garantir uma autonomia social que atribui a cada um, enquanto cidadão, as mesmas chances de utilizar-se de seus direitos políticos de participação e de comunicação, pois a discussão legitima a norma  e por consequência a impõe a aceitabilidade racional das decisões judiciais.

Desta forma, é preciso que a lei seja construída democraticamente, de forma participativa, para que o direito posto goze de legitimidade perante seus destinatários: os cidadãos.

A legitimidade do direito é encontrada quando este direito é resgatado da discussão social. O direito legítimo deve vir de uma elaboração através do princípio da democracia que protege autonomia privada e pública do cidadão e seus direitos fundamentais.

Habermas defende a positivação dos direitos fundamentais como forma necessária para a manutenção da democracia. Direito só é legítimo se positivar os direitos humanos.


3. A DIGNIDADE DA PESOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO

A garantia dos direitos humanos a quem irá fazer parte da construção democrática da norma, que ocorre pela participação popular, atualmente pode ser traduzido, de forma abrangente como a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana, no ordenamento jurídico brasileiro é o princípio máximo, assegurado pelo artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal.[1]

Contudo, cabe lembrar que nem sempre foi assim. Somente a partir do século XX que a dignidade da pessoa humana passou a ganhar estudo mais vultuoso, embora possa ser visto, desde a Antiguidade, a tutela de aspectos emanados da personalidade do ser humano, por instrumentos isolados.

A tutela da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos e dos direitos de personalidade, por vezes, se confundem e se misturam, pois os direitos humanos são formas de exteriorização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Em verdade, foi particularmente, na Idade Média que se lançaram as sementes de um conceito moderno de pessoa humana, baseado na dignidade e na valorização do indivíduo como pessoa (SZANIAWSKI, 1993, p. 22).

Porém, foi a Escola Humanista ou Escola Culta de Direito que passou a afirmar que os direitos recaem, parte sobre a nossa pessoa, parte sobre coisas externas, tutelando direitos sobre a própria pessoa, a vida, a incolumidade física, a liberdade e a reputação (OLIVEIRA, 2000, p 174).

Posteriormente, o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII, desenvolveu a teoria dos direitos subjetivos, que consagra a tutela dos direitos fundamentais e próprios da pessoa humana (ius in se ipsum).

E, finalmente, a proteção da pessoa humana, veio consagrada nos textos fundamentais seguintes, como o Bill of Rights, em 1689, a Declaração de Independência das Colônias inglesas, em 1776, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, com a Revolução Francesa, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, verdadeiros marcos históricos da construção dos direitos da personalidade (AMARAL, 2002, p. 251).

Contudo, foi na metade do século XX que a tutela dos direitos da personalidade  realmente  ganhou  importância, tendo seu marco fixado no pós-guerra, a partir da consagração do princípio da dignidade da pessoa humana como valor fundante dos Estados Democráticos.

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro a Constituição Imperial apresentava alguns precedentes referentes aos direitos da personalidade, como a inviolabilidade da liberdade, igualdade e o sigilo de correspondência. A estes direitos, a Constituição Republicana de 1891, acrescentou a tutela dos direitos à propriedade industrial e o direito autoral. Contudo, o Código Civil de 1916 silenciou quando aos direitos de personalidade e a dignidade da pessoa humana.

Foi a Constituição Federal de 1988, que acolheu de forma mais ampla os direitos da personalidade, através do primado da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental da República Federativa do Brasil.

A Constituição Cidadã resguardada a democracia e a proteção da dignidade da pessoa humana e coloca o povo como titular do Poder, consagrando-se assim a soberania popular necessária para o exercício da democracia.

Atendendo aos ditames constitucionais, o Código Civil Brasileiro de 2002, tutelou os valores essenciais da pessoa e dedicou capítulo especial (Capítulo II, artigos 11 ao 21) sobre os direitos da personalidade. Atente-se que as normas não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Elas servem como ponto de referência interpretativo e oferecem critérios axiológicos e limites para a aplicação das demais disposições normativas (TEPEDINO, 2003, p. 29).

O Código Civil vigente refere-se especificamente ao direito de proteção a inviolabilidade da pessoa natural, à integridade física, o nome e a imagem, intimidade, entre outros.

A personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, sendo anterior a capacidade. É valor objetivo, interesse e bem juridicamente tutelado. Preleciona Fernanda Borguetti Cantali que a personalidade está ligada a “posições jurídicas fundamentais do homem, as quais lhes são inerentes, já que os homens as têm pelo simples fato de existir” (CANTALI, 2009, p. 65).

Os direitos de personalidade são direitos que se traduzem como um mínimo necessário e imprescindível, sem os quais a personalidade seria algo carente de conteúdo (DE CUPIS, 1961, p. 27).

Os direitos de personalidade tem como objetivo salvaguardar a pessoa humana em qualquer circunstância, tanto mediante os especiais direitos da personalidade, consagrados pela legislação constitucional e infraconstitucional, como também diante de qualquer situação que não atenda à realização da personalidade (CANTALI, 2009, p. 82).

Assim, os direitos da personalidade constituem categoria própria de direitos segundo a qual a pessoa considerada em si mesma. A pessoa não é vista em meio às relações ou com a família, com a sociedade, com a profissão, ou com o Estado. Ela é vista pelo fato de se tratar de uma pessoa humana.

Estes direitos são caracterizados por se tratarem de direitos inatos, absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes (BITTAR, 1995, p. 11).

Os direitos de personalidade, entendidos como sendo direitos intrínsecos à pessoa humana, numa classificação usual, podem ser divididos em direitos físicos, relativos ao corpo e suas partes; direitos psíquicos ligados à liberdade, intimidade, sigilo e; os direitos morais da personalidade que dizem respeito a identidade, honra, intelecto, entre outros (BITTAR, 1995, p. 17).

A lei fundamental tendo reconhecido o direito do homem ao respeito de sua dignidade e o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, enquanto não infrinja os direitos de outros ou não contravenha a ordem constitucional (SZANIAWSKI, 1993, p. 32).

Os direitos de personalidade decorrem integralmente do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que norteia todo o direito, daí a dificuldade de estabelecer os limites seus limites, uma vez que limitá-los seria limitar, ainda que indiretamente, o postulado da dignidade da pessoa humana (BARBOSA, 1989, p. 86).

A dignidade é um valor inerente a todo e qualquer ser humano e, portanto, devendo ser respeitado por todos.

Explica Rizzatto Nunes que a

pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Essas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana (NUNES, 2002, p. 49/50).

A dignidade da pessoa humana como destaca Ingo Wolfgang Sarlet é a

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2009, p. 60).

A dignidade da pessoa humana é intrínseca ao homem, acompanhando-o desde antes do nascimento e até a morte, garantindo direitos que englobam seus aspectos sociais, morais, físicos e psíquicos.

A dignidade pode ser considerada a essência do ser humano, sendo que no âmbito do Direito precisa dar conta da heterogeneidade e da riqueza da vida, que integra um conjunto de fundamentos e uma série de manifestações (SARLET, 2009, p. 17).

Cumpre lembrar que

A dignidade da pessoa humana constitui-se em uma conquista que o ser humano realizou no decorrer dos tempos, derivada de uma razão ético-jurídica contra a crueldade e as atrocidades praticadas pelos próprios humanos, uns contra os outros, em sua trajetória histórica.

O fato de o princípio da dignidade da pessoa representar uma conquista do homem torna-se ainda mais preciosa e mais merecedora de proteção do que se tivesse sido outorgada por uma razão divina ou natural (VAZ; REIS, 2012, p. 190).

A dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de tosos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade.

Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gera direitos fundamentais (negativos) contra atos ou a exponham a graves ameaças”. (SARLET, 2009, p. 32).

Sabe-se que quanto a dignidade da pessoa humana o Estado possui o dever de guiar “suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade.” (SARLET, 2009, p. 33).

Em resumo, a pessoa, é um indivíduo acrescido de uma certa dignidade que lhe provem da forma, podendo afirmar-se que a dignidade está presente antes mesmo do direito a reconhecer, sendo um dado prévio (SZANIAWSKI, 1993, p. 23).

De qualquer modo, o que se percebe – e os desenvolvimentos posteriores pretendem demonstrar isso – é que o reconhecimento da dignidade como valor próprio de cada pessoa não resulta, pelo menos não necessariamente (ou mesmo exclusivamente), em uma biologização da dignidade, no sentido de que esta seria como uma qualidade biológica inata da natureza humana, geneticamente pré-programada, tal como, por exemplo, a cor dos olhos ou dos cabelos, tal como, entre tanto outros, bem o sustentou um Jurgen Habermas. (SARLET, 2009, p. 23).

Em que pese saber que a dignidade possui várias graduações, é inegável que não pode afastar-se do mínimo essencial, devendo manter seu núcleo intacto. Sabe-se que

eventual relativização da dignidade na sua condição de princípio (de norma jurídica) não significa que se esteja a transigir com o caráter inviolável da dignidade considerada como qualidade inerente a todas as pessoas, que as torna sujeitos de direitos e merecedoras de igual respeito e consideração no que diz com sua condição humana” (SARLET, 2004, p. 143).

Dentro da ordem jurídica constitucional não é possível aceitar que o homem seja reduzido a condição de coisa, como resultada das ideias de Marx. Tal coisificação constitui justamente a antítese da dignidade da pessoa humana. Admitir esta redução permitiria submeter a atos degradantes e desumanos, restringindo demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade (SARLET, 2009, p. 35).

Habermas posicionou-se contrariamente a ideia de coisificação do ser humano, que a racionalidade instrumental apresentava.

Todo o poder do Estado vem do povo. É o poder comunicativo dos cidadãos, com capacidade de autodeterminação que legitima o direito. São os Direitos Fundamentais que proporcionam o fluxo livre de opiniões, pretensões de validade e tomadas de posição.

Percebe-se que a dignidade da pessoa humana, traduzida, seja em poder de autodeterminação, seja em direitos fundamentais, é a base tanto da democracia como da legitimação do direito.

As instituições do Estado de direito devem garantir um exercício efetivo da autonomia política de cidadãos socialmente autônomos para que o poder comunicativo de uma vontade formada racionalmente possa surgir, encontrar expressão em programas legais, circular em toda a sociedade através da aplicação racional, da implementação administrativa de programas legais e desenvolver sua força de integração social – atreves da estabilização de expectativas e da realização de fins coletivos (HABERMAS, 2000, p. 221).

Somente pessoas que possuem a sua dignidade assegurada podem sentir-se livres para manifestar suas opiniões dentro do processo legislativo democrático e somente leis criadas com base nos anseios da população serão legítimas.

A autonomia política dos cidadãos deve tomar corpo na auto-organização de uma comunidade que atribui a si mesma suas leis, por meio da vontade soberana do povo. A autonomia privada dos cidadãos, por outro lado, deve afigurar-se nos direitos fundamentais que garantem o domínio anônimo das leis. Quando é esse o caminho traçado, então uma das idéias só ode ser validada à custa da outra.”[2]

Para o cumprimento das leis é essencial que o cidadão se identifique com o conteúdo contido nos dispositivos e isso só ocorre se a lei derivar da vontade do povo que foi anteriormente ouvida.

A dignidade da pessoa humana “está, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente” (SARLET, 2004, p. 47).

Só existe efetivamente autonomia privada quando o agente desfrutar de mínimas condições materiais de liberdade.

Nos dizeres de Alessandro Zenni a liberdade deve ser vista “como condição sine qua non para a realização dos valores, portanto, guinada à garantia jurídica, indispensável na realização do homem ou impugnação de sua própria natureza de ser humano.” (ZENNI, 2006, p. 107).

 Isso não acontece em grande parte dos casos de aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares, nas quais a manifesta desigualdade entre as partes obsta, de fato, o exercício da autonomia (SARMENTO, 2006, p. 240).

Percebe-se que o Estado deve proporcionar e garantir ao cidadão a dignidade para o exercício da autonomia que permite que ele possa participar democraticamente da criação legislativa.

A dignidade da pessoa humana que se traduz como liberdade e autodeterminação é o que permite participação no processo de legitimação do direito. É a dignidade que garante que a sociedade possa participar do processo democrático que legitima e alcança validade ao direito.

Sobre a autora
Fernanda Menegotto Sironi

Advogada. Pós graduada em Direito público pelo Centro Universitário de Maringá-PR. Pós graduada em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Mestranda, como aluna especial, no Centro Universitário de Maringá-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIRONI, Fernanda Menegotto. A dignidade da pessoa humana como pressuposto para a legitimidade do direito democrático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3653, 2 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24842. Acesso em: 23 dez. 2024.

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