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Neoconstitucionalismo: origens e aspectos relevantes

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Agenda 25/09/2013 às 07:07

Oposições à teoria neoconstitucionalista

Apesar de grande parte da doutrina acolher a teoria neoconstitucionalista e reconhecer suas peculiaridades e efeitos no constitucionalismo contemporâneo, a questão não é mansa e pacífica. Há autores que refutam, veementemente, sua existência, suas premissas ou, até mesmo, sua novidade.

Neste toar, sustenta-se que o ativismo judicial feriria o ideal de Estado Democrático, abriria precedentes para condutas arbitrárias e ilegais e violaria a autonomia privada.44

A “judiciocracia”45 limitaria o poder do povo em se autogovernar, visto que se estaria retirando das mãos de representante eleitos para o exercício da função legislativa importantes decisões da sociedade e as delegando ao Poder Judiciário que, obviamente, é composto por membros oriundos de concurso público ou indicação política. Assim, defende-se que, com a delegação de poderes concretos – para a materialização dos valores constitucionais – ao Poder Judiciário, estar-se-ia, na verdade, criando um poder de reforma constitucional permanente pelo Judiciário.

Outra crítica contumaz ao neoconstitucionalismo seria a possibilidade de deturpação de um sistema jurídico pautado por conceitos abertos e indeterminados, atribuindo-se ao Poder Judiciário a tarefa de substanciá-los, mormente no Brasil, pelo seu histórico de corrupção e patrimonialismo.46

Sob outro aspecto, advoga-se que a irradiação dos valores constitucionais por todo o ordenamento jurídico e, inclusive, nas relações travadas entre particulares, pode vir a representar uma unificação da conduta social, criando óbices à sua autonomia individual, o que tornaria tal movimento constitucional antidemocrático.

Ratificando as críticas ao neoconstitucionalismo, Dimitri Dimoulis assinala que os ideais neoconstitucionalistas estariam baseados em premissas já ventiladas no Direito Constitucional desde o século XIX, de maneira que o neoconstitucionalismo apenas agregaria “solução para problemas que acompanham o direito desde a sua estruturação com base na Constituição”. 47

De igual modo, Bulos entende que o neoconstitucionalismo apenas refletiria o desenvolvimento do constitucionalismo a partir do fim do século XVIII.48

Não obstante as críticas mencionadas, deve-se ter em mente que, apesar das semelhanças com o desenvolvimento do constitucionalismo e o ressurgimento de ideias já ventiladas em outros movimentos constitucionais, o modo de ver o constitucionalismo como se vê no neoconstitucionalismo, de fato, é inédito. Até porque, os problemas sociais que o movimento neoconstitucionalismo pretende elucidar também o são. Necessitou-se de um ambiente traumático pós-guerra para que se dê a devida atenção aos valores e princípios que devem reger uma sociedade – acima de qualquer documento formal –, muito embora isto não resulte, peremptoriamente, no abandono à subsunção como principal fonte de segurança jurídica para a coletividade. Como expõe Rafael Oliveira “divergências a parte, não se pode olvidar que a tendência hodierna é o estabelecimento de uma abordagem não positivista do Direito”49


CONCLUSÃO

Divergências à parte, o neoconstitucionalismo, inequivocamente, representa uma nova ordem constitucional. A Constituição emerge como centro efonte norteadora de todo o ordenamento jurídico. Releva-se o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos, sobrepondo-se o formalismo da subsunção pela ponderação racional da norma, diante dos valores constitucionais. Desconstrói-se o paradigma de aplicação cega da lei, de modo que esta encontre seu fundamento de validade diretamente na norma constitucional, entendida assim, como as regras e princípios constitucionais, notadamente o catálogo de direitos fundamentais.

O ordenamento resgata ideais jusnaturalistas, com a retomada da influência da Moral, da Ética e do primado da Justiça no Direito, de forma a concretizar os valores e princípios jurídicos que, muitas vezes, passam ao largo da lei.

Por fim, a separação de poderes na esquemática prevista por Montesquieu também sofre uma mudança substancial com o chamado ativismo judicial e a ideia de juridicidade administrativa. Entende-se, hodiernamente, que os poderes constituídos não mais se limitam – apenas e exclusivamente – pelas leis, mas sim, pelo Direito, vinculando agentes públicos e cidadãos, diretamente ao texto constitucional que irradia seus valores por toda a sociedade.

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Notas

1 CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 1941, p.51. In: LENZA, Pedro. Curso de direito constitucional esquematizado. .13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 4.

2 AUAD,Denise. A perspectiva dinâmica do constitucionalismo. Revista de direito constitucional internacional,nº.77,out./dez.2011,p.41-61.

3 BARROSO,Luís Roberto.Curso de direito constitucional contemporâneo.São Paulo: Saraiva,2009,p.6.

4 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 64.

5 Idem,p.65.

6 Ibidem,p.66.

7 BULOS, op. cit., p. 67.

8 LENZA,Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.5.

9 De acordo com Gilberto Salomão o Baixo Império seria “o período final do Império Romano do Ocidente, caracterizado por sua decadência e queda, em 453, em meio às invasões dos povos germânicos”. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/historia/roma-baixo-imperio.jhtm. Acesso em 08 de junho de 2012.

10 BULLOS,2011,p.66.

11 Idem.

12 LENZA, op.. cit., p. 6.

13 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 63.

14 A Constituição alemã, promulgada em 1949, tem a designação originária de "Lei Fundamental", que sublinhava seu caráter provisório, concebida que foi para uma fase de transição. A Constituição definitiva só deveria ser ratificada depois que o país recuperasse a unidade. Em 31 de agosto de 1990 foi assinado o Tratado de Unificação, que regulou a adesão da República Democrática Alemã (RDA) à República Federal da Alemanha (RFA). Após a unificação não foi promulgada nova Constituição. Desde o dia 3 de outubro de 1990 a Lei Fundamental vigora em toda a Alemanha (BARROSO, op. cit)

15 RODRIGUES, Marco Antônio dos Santos. Neoconstitucionalismo e legalidade administrativa: a juridicidade administrativa e sua relação com os direitos fundamentais. In: XXXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, Rio de Janeiro, 2007

16 BULOS,op.cit.,p.90.

17 DROMI, José Roberto. Lar e forma constitucional: El constitucionalismo del “por-venir”.In:LENZA,Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.7.

18 SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: SARMENTO: Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009 P. 114.

19 Idem.

20 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito>. Acesso em: 3maio2011.

21 BINENBOJM,op.cit.,p.62.

22 PADILHA,Rodrigo. Direito constitucional sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2011,p.5.

23 GUERRA FILHO, Willis Santiago. A pós modernidade do direito constitucional: Da gestação em Weimar à queda do muro de berlim e subsequente colapso das torres gêmeas. In: SARMENTO: Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009 P.

24 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. Constitucionalização do direito administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010,p.11.

25 Em especial a constituição do México de 1917 e de Weimar em 1919.

26 SARMENTO,op.cit.,p.117.

27 BARROSO,op.cit.

28 Ibidem.

29 SARMENTO,op.cit.,p.123.

30 Idem.

31 BARROSO,op.cit.

32 Nas palavras do presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães.

33 Consoante o disposto no Preâmbulo Constitucional.

34 LENZA,op.cit.,p.10.

35 BARROSO, Luís Roberto. A americanização do Direito Constitucional e seus Paradoxos: Teoria e Jurisprudência Constitucional no mundo contemporâneo. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009, p. 314.

36 BINENBOJM,op.cit.,p.65.

37 Termo utilizado inicialmente por de Konrad Hesse em sua obra. “A força normativa da Constituição”,traduzida por Gilmar Ferreira Mendes.

38 BARROSO,2005,p.209.

39OLIVEIRA,op.cit.,p.24.

40BARROSO,2005,p.220.

41SARMENTO,op.cit.,p.119.

42 Idem.

43Idem.

44SARMENTO,op.cit.,p.132.

45 Expressão utilizada por Daniel Sarmento.

46SARMENTO,op.cit.,p.141.

47DIMOULIS, Dimitri. Neo constitucionalismo e moralismo jurídico.In:SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009.

48BULOS,op.cit.,p.89.

49 OLIVEIRA, op. cit., p. 18.

Sobre o autor
Thiago Mello d'Almeida

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Residente Jurídico da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D'ALMEIDA, Thiago Mello. Neoconstitucionalismo: origens e aspectos relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3738, 25 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25205. Acesso em: 23 dez. 2024.

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