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Constitucionalidade da súmula vinculante número 5

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Agenda 24/09/2013 às 16:44

4. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Segundo Maria Sylvia[18], o Processo Administrativo Disciplinar é uma das formas de apuração de ilícitos administrativos, sendo obrigatório para aplicação de penas.

Processo Administrativo Disciplinar, segundo Hely Lopes Meirelles[19], "é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração". Podemos assim dizer que esta forma especial de processo busca manter um padrão mínimo nos serviços prestados pelo servidor público.

De acordo com o Art. 151 da Lei 8112 de 1990: “o processo administrativo se desenvolve nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, II – inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório e III – julgamento.”

O documento que dá início ao processo, a Portaria de Instauração, deve conter todos os elementos da “acusação”, tais como o nome dos envolvidos, a infração de que é acusado, descrição dos fatos e dispositivo legal infringido. Com base nisso, deve ser dada a possibilidade de defesa, de forma ampla e efetiva, visto que estabelece com detalhes os limites da controvérsia.

Na sequência, observamos a instrução, com a produção de provas pela acusação, podendo compreender depoimento da parte, inquirição de testemunha, perícias técnicas e até juntada de documentos pertinentes.

Posteriormente temos a oportunidade de defesa, que deve ser ampla e efetiva. No entanto, a autoridade pode e deve indeferir provas que tenham objetivo de protelar ou tumultuar o processo, desde que motive esta decisão. Neste momento, segundo o entendimento de Hely Lopes Meirelles[20], “é admissível a defesa pelo próprio acusado ou por advogado regularmente constituído para o processo.”

Esta parte em especial nos leva ao Principio do Contraditório e da Ampla Defesa, que gera a discussão em destaque neste trabalho. O que deve ser incluído na Ampla Defesa? Se o servidor apresentar sua defesa, mas sem a ajuda de um advogado, isto compromete sua defesa, podendo gerar a nulidade do processo?

 Estes princípios vêm descritos em nossa Constituição, Art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Será que estas regras são conflitantes com o Processo Administrativo Disciplinar, em especial para as punições disciplinares militares? Este inciso não faz referência expressa à presença de advogado no processo. A própria Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso LXI, estabelece exceção:“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”

Em seguida temos o Relatório, que é um resumo do processo. Esta parte não vincula as partes e a administração.

Por fim, a fase final é a do Julgamento.

Os Processos Administrativos Disciplinares podem ser revistos pelo Judiciário caso sejam ilegais. No Brasil não existe o Sistema Contencioso Administrativo, normal no Sistema Anglo Saxão. Neste sistema a decisão administrativa faz coisa julgada material. No Modelo Brasileiro, o Judiciário pode avaliar a legalidade do ato, todavia, não pode alterar a punição, tornando-a mais gravosa ou benéfica, pois do contrário estaria invadindo a discricionariedade da autoridade administrativa e até mesmo, violando o Princípio da Separação dos Poderes.

Um princípio específico dos Processos Administrativos Disciplinares é a sua Atipicidade, pois quase todas as infrações funcionais não estão tipificadas, estando a critério de a Administração determinar o que é ou não é falta grave. É claro que todas as decisões devem ser motivadas e ser pautadas na razoabilidade, possuindo uma adequação da ação com a punição aplicada.

O Processo Administrativo Disciplinar também se caracteriza pela Celeridade, já que os resultados costumam sair em um prazo muito menor que o utilizado nos Processos Judiciários. Em virtude disto, ele não apresenta todos os mecanismos disponíveis aos similares judiciais. Isto é fonte de críticas para muitos doutrinadores, afirmando que a Ampla Defesa e o Contraditório não são aí respeitados.

Todavia, no militarismo, por meio do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar – FATD -, é apresentado o fato passível de punição e o nome dos envolvidos. Cabe então, ao militar investigado, apresentar sua defesa, com razões, argumentos e provas. Nesta situação, o servidor público investigado conhece as nuanças de sua atividade, podendo provavelmente realizar a defesa de forma mais efetiva que um advogado, que não conhece as peculiaridades legais e normativas do órgão público. Resta ao final, a decisão da autoridade competente. Neste caso não cabe a punição de expulsão do serviço público aos militares com estabilidade, para esta situação é criada uma Comissão (Conselho) com Presidente, Secretário, Acusador e Defensor, além do próprio investigado. Em ambos os casos é apresentado de forma clara e precisa o fato punível, com ampla possibilidade de se defender: ou através de um advogado, ou com seus próprios argumentos.

No Capítulo seguinte, estudaremos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a Ampla Defesa no Processo Administrativo Disciplinar. A Súmula 343 deste tribunal, que trata do tema, foi aclamada pelos advogados e criticada pela Administração pública, como veremos a seguir.


5. ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça, de setembro de 2007, determina o seguinte: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Esta súmula é resultado da decisão, por maioria, sobre o Mandado de Segurança número 10.837 de 2006. O seu relator entendeu o seguinte:

“A falta de procurador constituído durante a fase de instrução do inquérito não configura nulidade, pois ao servidor acusado foi dada a oportunidade de acompanhar o processo pessoalmente, ou por intermédio de procurador, não podendo, em razão de sua própria omissão, pretender ver reconhecida pretensa irregularidade a que teria dado causa", trazendo em defesa de sua tese precedentes do STF (Sepúlveda Pertence – MS nº. 23.192/DF, DJ de 06/4/2001: "É de se notar que o impetrante foi cientificado da instauração do processo e de que poderia acompanhar pessoalmente ou por defensor todos os atos e diligências; teve acesso aos autos e às provas, quando entendeu oportuno constituir advogado que ofereceu defesa escrita, tendo igualmente presenciado depoimentos de testemunhas. Não pode agora se valer de sua omissão em acompanhar diligências das quais teve ciências para inquinar de nulidade o processo" e um dos precedentes agora argüidos pelo STF, o RE nº 244.027, Relatora Ellen Gracie: "A respeito do tema em questão, essa Primeira Turma, ao julgar o AGRAG 207.197, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 05.06.98, firmou entendimento contrário à pretensão do recorrente, no sentido de que a extensão da garantia constitucional do contraditório aos procedimentos administrativos não tem o significado de subordinar a estes toda a normatividade referente aos feitos judiciais, onde é indispensável a atuação do advogado", além de citar precedentes do próprio STJ.”

Entretanto, prevaleceu o Voto divergente da Ministra Laurita Vaz segundo o qual:

"Conquanto lhe tenha sido oportunizado o acompanhamento de todo o processo pessoalmente ou por seu procurador legalmente constituído também durante a fase instrutória, tendo sido devidamente notificado para tanto, e inclusive comparecido a algumas oitivas de testemunhas, o Impetrante somente constituiu defensor após finda a instrução, já na fase da defesa final.

Cabe esclarecer que, no decorrer do inquérito administrativo, o servidor que figura como acusado tem o direito de acompanhar o processo, produzir contraprovas, reinquirir testemunhas, consoante estabelecem os arts. 156 e 159, § 2.º, da Lei n.º 8.112/90[21], em cumprimento ao mandamento constitucional inserto no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

Desse modo, apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. Vale dizer, caso tivesse o Impetrante constituído advogado desde o início do processo, não se poderia cogitar de ofensa ao contraditório, na hipótese de nem o defensor nem o acusado optarem por não comparecer às audiências de instrução. Isso porque, embora os bens jurídicos envolvidos em ambos os casos sejam de valor relevante ("emprego" e "liberdade"), somente este último constitui direito indisponível, daí a obrigatoriedade da presença efetiva do defensor desde o início do apuratório em todos os atos do processo, sob pena de nulidade.

Entretanto, impende esclarecer que a constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental.

Dessa forma, por imperativo constitucional, à luz dos precedentes desta Corte de Justiça, com a qual não se compatibiliza a auto-defesa, em se cuidando de acusado sem habilitação científica em Direito, não há como deixar de reconhecer a nulidade ora pleiteada."

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Como podemos observar a própria turma do Superior Tribunal de Justiça apresentou divergências, o entendimento do Ministro Relator Paulo Galotti está em acordo com o entendimento jurisprudencial da Suprema Corte, que o funcionário acusado de infração disciplinar, ciente de todos os atos e elementos de sua acusação, que não apresentou defesa técnica, não pode se beneficiar da sua omissão. No entanto, não foi este o entendimento que prevaleceu. Foi decidido, de acordo com o voto da Ministra Relatora Laurita Vaz, que o advogado é essencial em todas as fases do Processo Administrativo Disciplinar. Para esta corrente, a Auto Defesa não pode substituir a defesa técnica de advogado constituído pelo acusado ou, na falta deste, fornecido pela Administração.

Podemos entender que não deveria ser estabelecida uma súmula para um tema que gera controvérsias entre magistrados do próprio tribunal.

Muitas vezes a questão controvertida é muito simples: explicar a falta ao serviço, descumprimento de uma ordem direta ou então um serviço mal executado. Seria razoável exigir a formação de todo o aparato judicial mesmo para estas situações?

O mesmo entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça vem sendo aplicado na Justiça Federal, como podemos observar no Habeas Corpus número 2007.61.19.006832-9, decisão do Juiz Federal Substituto da Subseção Judiciária de Guarulhos, Fabiano Lopes Carraro:

“Tratam os presentes autos de ação de Habeas Corpus impetrado para afastar a penalidade aplicada, consistente em seis dias de prisão, em face de suposta transgressão disciplinar militar.

Alega o impetrante vício no ato punitivo disciplinar levado a cabo pela autoridade coatora, uma vez que o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – RDAER[22] não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, não lhe tendo sido assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa no procedimento administrativo que culminou na aplicação da referida sanção.

Ouvido o MPF, este opinou pela extinção do processo sem julgamento de mérito, pela perda superveniente do objeto.

A autoridade impetrada prestou informações, onde afirma haver justa causa para a punição disciplinar aplicada ao paciente, a qual fora realizada segundo os ditames da Constituição, tendo o impetrante usufruído do direito ao contraditório e a ampla defesa.

Asseverou que foi concedido um prazo de dois dias para o paciente apresentar justificativa.

Instado a se manifestar quanto ao mérito do presente writ, o Ministério Público Federal opina pela concessão do habeas corpus, para que seja anulada a punição imposta, bem assim o procedimento administrativo instaurado em face do paciente, a fim de que seja plenamente observado o devido processo legal.

É o relatório do necessário. Decido.

Conforme se verifica dos autos, a referida punição foi imposta ao paciente por ter prestado uma entrevista ao Jornal, o que teria ensejado a tipificação no artigo 10, número 61 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, editado em 22.09.1975, por regada “in fine” da autoridade militar, ex vi do artigo LXI da Constituição Federal de 1988[23].

Trago à colação jurisprudência sobre o tema:

“PENAL, HABEAS CORPUS. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. REQUISITOS FORMAIS. AUSÊNCIA. CONCESSÃO DA ORDEM. Sanção disciplinar militar, por ser ato administrativo, foge à competência da Justiça Militar (artigo 124 da CF[24]). A apreciação de habeas corpus em punição disciplinar militar limita-se ao aspecto formal do procedimento.” (TRF da 1ª Região, RHC número 2000.01.019651-3/RO, Relator Juiz Hilton Queiroz, publicado no DJU de 25.08.2000, p. 428).

“PROCESSUAL PENAL, RECURSO DE HABEAS CORPUS. PRISÃO DISCIPLINAR MILITAR. CONTROLE JUDICIAL. 1. Tem entendido a jurisprudência, interpretando o § 2º do artigo 142 da CF (“Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”  que o controle judicial da punição disciplinar militar na via do habeas corpus restringe-se à sua legalidade (competência, forma, devido processo legal, etc.) não se estendendo ao mérito, radicado na conveniência e na oportunidade da punição. 2. “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (CF – artigo 5º, LXI) exceto nos casos de transgressão militar. 3. Improvido o recurso.” (TRF da 1ª Região, Terceira Turma, Recurso em habeas corpus número 2002.34.00.035931-5, Relator Desembargador Olindo Menezes, publicado no DJU de 21.03.2003, p. 68).

Contudo, no presente writ não se pretende a incursão neste Juízo de conveniência e oportunidade, mas sim a nulidade do procedimento por vício formal.

Passo à análise do mérito.

No presente caso, verifica-se da documentação juntada que o procedimento administrativo, em verdade, consistiu no preenchimento do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD) seguindo-se à apresentação da Nota de Punição Disciplinar Militar.

Não há como compreender por devido processo legal o procedimento ora adotado. Conforme bem destacado pela Procuradora da República oficiante nos autos, “no procedimento administrativo em testilha, o ora paciente só teve acesso à autodefesa, sendo-lhes negadas as demais facetas da ampla defesa, o que fulmina de inconstitucionalidade o feito, tornando-o nulo.”

Logo, não tendo sido respeitadas as garantias constitucionais, não pode prevalecer o ato de punição imposto ao Impetrante.

Considerando que a liminar que determinou a soltura do paciente a fim de anular a punição, esgotou a análise do tema, reitero-a “in verbis” como fundamentação da sentença.

“Dos fundamentos invocados, ressalta a questão da não recepção, pela CF de 1988, da norma disciplinar infra-legal que prevê a prisão no caso em tela, qual seja o artigo 15, itens 2 e 3 do Regulamento disciplinar da Aeronáutica, verbis:

Artigo 15 – As punições disciplinares previstas neste regulamento são:

2 – Detenção até 30 dias.

3 – Prisão.

Trago à lume o teor do artigo 5º, LXI da CF:

“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”

Portanto, da leitura do texto constitucional se vê que as prisões em matéria militar por transgressões disciplinares somente recebem o manto constitucional quando lastreadas em lei.

Segundo o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci, no qual menciona Celso de Mello e Celso Bastos, colhido de sua obra Manual de Processo Penal:

“A única possibilidade de existência de prisão para averiguação ocorre nas transgressões militares e quando houver suspensão momentânea das garantias constitucionais, por força do estado de defesa ou de sítio. Esta é a posição de Celso de Mello e Celso Bastos, citado por este último (Comentários à Constituição do Brasil, v, p. 292).”

Quanto ao cerceamento do devido processo legal na esfera administrativa resta evidente a ofensa aos princípios constitucionais capitulado no artigo 5º, LVI e LV da Constituição Federal, cujos teores seguem transcritos face a clareza dos dispositivos em voga a elucidar a questão:

“Ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

“aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Em relação ao tema menciono trecho pertinente, da lavra de Alexandre de Moraes:

“o devido processo legal como corolários e ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em geral conforme o texto constitucional expresso (artigo 5º, LV). Assim, embora no campo administrativo, não existia necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa.”

Sobre o tema em questão segue julgado lapidar, da lavra da eminente Desembargadora Federal Suzana Camargo, cuja abrangência elucida o tema, a saber:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECURSO VOLUNTÁRIO DA AUTORIDADE COATORA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 142 § 2º, CF. HABEAS CORPUS EXAME DE MÉRITO. INVIABILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. REMÉDIO CONSTITUCIONAL. ARTIGO 5º, INC LXI, CF. TRANSGRESSÃO E CRIME MILITAR. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. HIERARQUIA E DISCIPLINA. ART. 47, LEI 6.880/80 (ESTATUTO MILITAR). OFENSA À LEGALIDADE. ART. 25 ADCT. EXALTAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. RECURSO IMPROVIDO.

1.    Em razão de ausência de legitimidade recursal de sentença concessiva de Habeas Corpus, o recurso interposto pela autoridade coatora, não deve ser conhecido. Seu papel fica restrito ao fornecimento das informações solicitadas pela autoridade superior e ao eventual cumprimento da decisão proferida. A União, da mesma forma, não tem legitimidade para recorrer da sentença de “habeas corpus”, eis que o Ministério Público já atua em nome do poder público.

2.    O recurso de ofício, nos termos elencados no artigo 574, I, do Código de Processo Penal, deve ser conhecido.

3.    A proibição inserta no artigo 142, § 2º da CF, relativa ao não cabimento de “habeas corpus” contra punições disciplinares militares é limitada ao exame do mérito, deixando de alcançar o exame formal do ato administrativo, tido como abusivo e, por força da natureza, próprio da competência da Justiça Castrense.

4.    A liberdade, na sua acepção mais ampla, é reconhecida e protegida por diversas legislações mundiais, inclusive a nacional, cujo conteúdo, por sua vez, tem por alvo todos os brasileiros, natos ou naturalizados, estrangeiros e mesmo militares. No que toca, especificamente, ao direito de locomoção, o texto constitucional dispões que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, sendo que o remédio para sanar eventuais ilegalidades ou abuso de poder nas restrições à liberdade de locomoção é o “Habeas Corpus” (artigo 5º, LXVIII, CF).

5.    A expressão “definidos em lei”, do artigo 5º, inciso LXI do Texto Maior abrange as espécies legislativas que passaram pelo processo legislativo constitucional, haja vista estarmos em um Estado Democrático de Direito, onde o primado da democracia, vista sob o ângulo de representação, deve ser destacado.

6.    Ademais, transgressão militar e crime militar, só cabem quando presente a ofensa ao princípio da legalidade, e, portanto devem estar definidos em lei e passados em processo legislativo constitucional. Assim, malgrado exista diferença entre o crime militar e a  transgressão disciplinar, e que as punições disciplinares estão fundadas nos princípios da hierarquia e da disciplina, ambos visam à punição do infrator, ensejando, inclusive, pena restritiva da liberdade. Dessa maneira, a garantia do indivíduo está exatamente na estrita definição de conduta infratora prevista em lei, evitando com isso ser processado e penalizado por atos não previstos anteriormente em lei, mas em mero regulamento.

7.    Se ao paciente foi imposta pena de prisão, de quadro dias, por conduta incompatível prevista no Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, Decreto número 76.322/75, denota-se que sua liberdade de locomoção foi afetada, Nada obsta, neste particular, aplicação deste princípio penal às transgressões militares, que estão relacionadas ao Direito Administrativo, eis que está se tratando do direito de locomoção do indivíduo.

8.    Os princípios da hierarquia e da disciplina, ínsitos na seara militar (artigo 142, “caput” da CF) e necessários à estrutura organizacional miliciana, são dotados, na sua axiologia, de menor intensidade daqueles conferidos aos direitos e garantias fundamentais do homem, não chegando, assim, a ponto de retirar a validade plena e imediata destes. Os militares, conquanto insertos numa estrutura administrativa própria, são, antes de tudo, cidadãos cujos direitos e garantias estão amplamente assegurados em nosso Direito Constitucional.

9.    O artigo 47 da lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares) tão somente menciona que “os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares”, sem descrever, contudo quais condutas são transgressões militares. Ofensa ao princípio da legalidade.

10. O artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, ao determinar que ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que toca à ação normativa, demonstra a preocupação do constituinte em não deixar nas mãos do Poder Executivo a regulamentação de matérias que sejam da mais alta importância para a democracia, especialmente quando se trata de ação normativa, de modo que imperiosa, nesses casos, a edição de lei stricto sensu, com obediência ao processo legislativo constitucional.

11. Recurso voluntário não conhecido. Recurso de ofício a que se nega provimento.

Dessa forma, presente a coação ilegal cometida pela autoridade coatora, como previsto nos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, impõe-se a concessão do “habeas corpus”.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido, CONCEDENDO a ordem de “habeas corpus” ao paciente.”

A Jurisprudência até então vigente no Superior Tribunal de Justiça entendia que a bastava a presença de um defensor dativo, não sendo indispensável o advogado. Por defensor dativo devemos entender um servidor de mesma ou superior hierarquia ou com a mesma ou superior escolaridade, não se exigindo a formação técnica especifica. Todavia, contrariamente a este entendimento, a súmula estabelece que apenas o advogado pode realizar a defesa.

A Súmula também estabelece que o defensor deve participar de todas as fases do processo disciplinar, no entanto, podemos observar que ele só será necessário e útil a partir da instrução. Se seguirmos o estabelecido pela súmula 343, a Administração terá que se antecipar, designando defensor dativo antes mesmo de ofertar ao servidor a oportunidade de defesa.

A lei 8112 de 1990 estabelece em seu artigo 164: “Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal. § 1º A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa. § 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.”

Dessa forma, a súmula 343 torna sem valor o § 2º acima citado; enquanto a lei exige defensor dativo apenas em caso de revelia, a súmula não o aceita em nenhuma hipótese, apenas o advogado pode efetuar a defesa. Para esse Tribunal, a afronta à lei 8112 se justifica na interpretação do texto constitucional, mesmo que já tenhamos demonstrado que o próprio texto constitucional apresenta exceções explícitas, e não é explícita a exigência de advogados[25]. Parece-nos que esta súmula representa uma declaração de inconstitucionalidade, “erga omnes”, atribuição específica do Supremo.

Nesse contexto, fundamentado pela Súmula 343, o servidor investigado será considerado indefeso, se não possuir um advogado. Cabe a autoridade responsável pelo processo declarar o defeito processual, refazendo todos os procedimentos, exceto se os vícios forem sanáveis, o que pode convalidar os procedimentos já executados. Contudo, apenas a demonstração do efetivo prejuízo ao investigado poderia gerar a anulação do processo.

Por fim, devemos lembrar que a ampla defesa possui duas possibilidades: a defesa técnica e a auto defesa, e esta pode ser também bastante eficaz, embora o entendimento da súmula a desconsidere.

A teoria que norteou o processo administrativo disciplinar veio do Direito Penal, no qual as penas são mais gravosas que no Direito Administrativo. A maioria dos processos disciplinares tem por objetos fatos simples, não exigindo nenhum conhecimento especial para a defesa, por isso a exigência de advogado em todos os processos nos parece excessiva.

Na sequência observaremos o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, em especial a Súmula Vinculada número 5, que contraria frontalmente a Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o autor
Sandro Zancanaro

Advogado, especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANCANARO, Sandro. Constitucionalidade da súmula vinculante número 5. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25389. Acesso em: 19 dez. 2024.

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