Dia 05.10.2013, a nossa Constituição da República completa vinte e cinco anos de vigência. Embora o seu texto original tenha sido há muito tempo bastante remendado, contabilizando nada menos que 74 emendas e 6 emendas de revisão (em 1994), é certo afirmar que, de modo geral, o âmago da Constituição Cidadã (como foi chamada por Ulisses Guimarães quando de sua publicação) continua inalterado.
E mais. Há legítima certeza de que não seja alterado, na medida em que consta de maneira expressa como cláusula pétrea a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.
O aniversário de vinte e cinco anos traz implícito um dado interessante: é a segunda Constituição brasileira de maior vigência na nossa história republicana. De fato, a primeira vigorou de 1891 até 1934. Essa ainda está longe de ser batida. Mas, ao que tudo indica, a nossa atual tem condição de chegar lá mais do que qualquer outra do passado.
Vejamos. Publicada em um contexto histórico de redemocratização depois do Período das Trevas que o País viveu, incorporou em seu texto dispositivos hoje tidos como despiciendos, mas que, por alguma razão, se mostrou relevante na enorme discussão pública em torno da Assembleia Nacional Constituinte. Assim, há quem a critique dizendo que ficou demasiadamente prolixa.
Ademais, releva notar que a nossa Constituição logrou acomodar diferentes e variados cenários de crises durante todo esse tempo sem qualquer ruído em torno de sua vigência ou tentativa de golpe. Fatos políticos e jurídicos extremamente relevantes ocorreram nos últimos vinte e cinco anos da nossa História, sem que a imagem da Constituição tivesse sido arranhada. Ao contrário, em todos os principais episódios, a discussão girou em torno de seu cumprimento, variando, por vezes, as interpretações sobre a sua correta aplicação.
Exemplos pinçados aleatoriamente são suficientes para demonstrar a estabilidade institucional de nossa Carta Magna: impeachment do Presidente da República, plebiscito sobre o sistema de governo e forma de Estado, contenção da inflação com o lançamento do Real, privatizações, soluções de variadas questões eleitorais às vésperas e durante a corrida eleitoral (geralmente resolvidas em última instância pelo TSE e pelo STF), o maior julgamento da história do STF (Mensalão) com a condenação de diversos políticos em esquema de corrupção, dentre tantas outras.
Revisitar os principais julgamentos dos Tribunais Superiores seria equivalente a lembrar de toda a História do Brasil nesse período. Isso ocorre em razão do fenômeno do neoconstitucionalismo, que dentre tantas mudanças na forma de pensar o Direito, logrou sucesso no movimento de centralizar na ordem jurídica a Constituição, e não mais o Direito Civil, como fora em outrora.
No cenário político e jurídico, por vezes, surgiram boatos, rumores e até movimentos que pleitearam a substituição da nossa Constituição, total ou parcialmente. Foram tentativas mal sucedidas de romper com a atual ordem constitucional que nunca chegaram a ter força suficiente perante a sociedade civil organizada. A conclusão sempre foi a mesma: não precisa mudar tanto; basta cumprir, vale dizer, dar mais efetividade e maior concretude ao que já temos.
Além disso, o crescente acesso dos cidadãos à Justiça fez com que nesse tempo houvesse uma maior (e desejada) aproximação, de modo que hoje no Brasil a rotina do Poder Judiciário, de modo geral, e do STF, de modo particular, é bem acompanhada pelos órgãos da mídia que reverberam as decisões judiciais de acordo com o grau de importância e impacto na vida dos cidadãos. Questões relacionadas ao recolhimento legítimo de tributos, aposentadoria, vencimento de servidores, saúde, responsabilidade do Estado, conflitos federativos, direitos políticos e até sobre terras indígenas são frequentemente levadas e solucionadas perante a Justiça do Brasil, com ampla difusão por meio dos veículos midiáticos.
Durante todo esse período, os órgãos estatais lograram se desenvolver e especializar a ponto desejável (não sem alguns excessos, como tende a acontecer nessas situações). Hoje os principais órgãos de persecução penal (Polícia Civil e Federal e o Ministério Público dos Estados e Federal) são órgãos que atuam de modo independente e com desassombro. Na área arrecadatória, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional realizam excelente trabalho com recordes de arrecadação.
Todavia, nesse aniversário de vinte e cinco anos, nem tudo é só festa. Há pontos que precisam ser melhorados na aplicação da Constituição. O sistema previdenciário continua caótico, o sistema tributário precisa urgentemente de reforma para simplificar as obrigações tributárias e reduzir a enorme burocracia que insiste em emperrar o crescimento econômico do País, a propalada reforma política é urgente (como vimos a partir das manifestações que tomaram as ruas das principais capitais e cidades desde junho), a política econômica precisa ser mais claramente definida no médio e longo prazo (ao invés de se limitar a “apagar incêndios” com a adoção de medidas paliativas e pontuais, como desonerações setoriais e reduções de alíquotas precárias).
Enfim, é hora de o Brasil olhar para a frente e traçar os rumos para os próximos vinte e cinco anos. É hora de envolver toda a sociedade civil em um amplo debate em torno das principais questões que carecem de solução, com a definição clara das decisões estratégicas a adotar e seguir nos próximos anos (não com viés meramente eleitoreiro, como foi feito até hoje, mas com o estabelecimento de metas e objetivos a serem alcançados e mantidos pelos diferentes políticos e partidos durante o passar dos anos). Em resumo: é hora de acordarmos e nos mobilizarmos em torno do nosso futuro e, consequentemente, do futuro de nossa Constituição.