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A pesquisa como mediação do ensino e instrumento promotor da autonomia acadêmica

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Agenda 16/10/2013 às 14:51

3 A formação do professor pesquisador como profissional reflexivo

Contreras[9] analisa sob a dimensão da profissionalidade do professor, a perspectiva de três modelos de formação docente: especialista/técnico, Profissional/reflexivo e do intelectual/crítico no contexto das contradições geradas pelas mudanças paradigmáticas que lhes deram origem, mostrando, ao final das suas discussões que é a perspectiva da democratização da educação, que de fato contribuirá para substantivar a autonomia profissional. Essa premissa tem no âmbito da reflexão que aqui se faz um valor inestimável, pois nos permite sublinhar questões que nos interessa na perspectiva da abertura educacional mais recente. O autor defende em sua concepção de ensino enquanto profissão, três importantes dimensões: obrigação moral, compromisso com a comunidade e competência profissional. Nesse contexto analisa a necessidade de autonomia como reivindicação trabalhista, qualidade profissional, distanciamento crítico do objeto de trabalho e consciência da parcialidade de si mesmo. A perspectiva trabalhista, fundamental para assegurar a autonomia profissional deve ser vista como um direito e uma necessidade educativa.

A análise da proletarização do ensino, baseada nos estudos sobre a proletarização em geral, indica a perda de autonomia no trabalho como perda humana em si, que supõe realizar uma tarefa reduzida ao seguimento de prescrições externas, perdendo o significado do que se faz e as capacidades que permitiam um trabalho integrado, com uma visão de conjunto e decisão sobre seu sentido.[10]

Vê-se, portanto, que a autonomia profissional exige, além do domínio adequado de competências técnicas necessárias para orientar decisões inovadoras e coerentes no ambiente do trabalho, a visão de conjunto da organização institucional, especialmente das finalidades que deverão ser cumpridas com base nos valores eleitos. Isso para “que não sejam coisificados em produtos e estados finais, mas que atuem como elementos constitutivos, como orientadores internos da própria prática.”[11]

O ensino não pode ser concebido em sua dimensão estritamente técnica, especialmente considerando-se a complexidade das circunstâncias que envolvem o ato educativo no contexto das relações que se estendem entre professores e alunos. Autonomia não é um requisito que se adquire antecipadamente ao contexto das ações; é uma dimensão a ser construída permanentemente através das relações pedagógicas em desenvolvimento. Pode ser considerada como uma qualidade que supõe e concretiza a possibilidade de adequação e avanço profissional – constituindo-se como um elemento que se configura no âmbito das interações sociais que vão se consolidando cotidianamente no exercício das práticas educativas. Assim, pode-se ressaltar que

A autonomia do professor em sala de aula, como qualidade deliberativa da relação educativa, se constrói na dialética entre as convicções pedagógicas e as possibilidades de realizá-las, de transformá-las nos eixos reais do transcurso e da relação de ensino. Porém, tal possibilidade de realização só pode se dá se os estudantes entenderem seu propósito e seu plano, e se o professor entender as circunstâncias e expectativas daqueles. Somente com a possibilidade de tal conversação reflexiva, somente com o diálogo, com a busca de entendimento, é possível um juízo profissional deliberativo; e só compreendendo as circunstâncias do caso e as conseqüências dos processos que se colocam em andamento pode o professor construir e reconstruir sua atuação autônoma, aquela que reflete sua compreensão da situação e suas possibilidades de defender nela suas convicções profissionais.[12]

Sob condições favoráveis a autonomia docente, reconhecida como qualidade deliberativa se contrapõe a ação pedagógica impositiva, contribuindo para concretização da emancipação individual e social dos estudantes universitários.

Porém, o processo deliberativo que inclui a capacidade de decidir a favor da transformação de uma situação circunstancialmente determinada, exige que o professor esteja convicto de suas posições políticas e seguro quanto às referências pedagógicas adotadas para refletir criticamente sobre a melhor forma de organizar a ação educativa. Somente assim, poderá expressar e defender, com propriedade, sua opção pedagógica em favor de uma educação emancipadora.

Como assinala Contreras, a partir do pensamento de Giroux,[13] - é a possibilidade de conversação reflexiva que promove o diálogo e facilita a negociação e o entendimento, permitindo uma tomada de posição mais autônoma, face às circunstâncias sociais e pedagógicas conhecidas - pelo professor e pelos alunos -, no cotidiano das salas de aula.

A capacidade de reflexão crítica do professor, tanto sobre as contradições das diversas abordagens teóricas existentes no contexto da evolução do conhecimento, quanto sobre as condições do ensino, aumentam as chances de resistência à aceitação impositiva de processos educacionais que representam os equívocos de uma pedagogia meramente instrumental e a-histórica. Uma pedagogia disjuntiva, descolada de uma visão crítica dos fatores sociais e políticos que condicionam o ato educativo não é capaz de promover a consciência crítica.

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A assunção de um posicionamento favorável a construção de uma educação crítico-reflexivo, promove autonomia de pensamento e amplia a capacidade de questionamento. Ao contrapor as teorias explicativas da realidade e a própria realidade, concorre-se para superação das distorções ideológicas que subjazem às práticas pedagógicas coercitivas e mecanizadas que culminam, quase sempre, na perspectiva da submissão e da passividade.

Portanto, a formação do professor como pesquisador e intelectual reflexivo, minimiza os efeitos negativos que resultam da dependência às regulamentações acadêmicas externas, abrindo espaço para incorporação de novos procedimentos e valores fundamentais para construir uma prática educativa mais autônoma e capaz de substantivar a dignidade humana.


5 A pesquisa como mediação educativa na construção da autonomia acadêmica

Com base nas considerações já tecidas, percebe-se a necessidade de se repensar o perfil do professor e seu processo de formação inicial e continuada. Confirma-se então, que a qualidade profissional do professor universitário se sustenta na relação ensino-pesquisa como estratégia de inovação que perfaz o avanço do conhecimento socialmente responsável.

No entanto, é importante considerar que, apesar dos avanços teóricos já conquistados e exigências avaliativas legalmente postas pelo MEC, a simples observação das práticas educativas cotidianas nas instituições de ensino superior – públicas ou particulares - poderá evidenciar o distanciamento que ainda existe entre o ensino e a pesquisa como princípio científico e educativo capaz de fortalecer a autonomia (docente/discente).

A partir dos estudos realizados sucessivamente por DEMO, com publicações que nos alcançam desde a década de 90, concordamos que o desafio central das instituições de nível superior situa-se na questão da pesquisa como princípio científico e educativo, estratégia de reconstrução do conhecimento e promoção da cidadania. Para DEMO [14]:

Em primeiro lugar, pesquisa significa diálogo crítico e criativo com a realidade, culminando na elaboração própria e na capacidade de intervenção (...) pesquisa funda o ensino e evita que este seja simples repasse copiado. Quem pesquisa tem o que ensinar; deve pois ensinar porque ensina a produzir, não a copiar.

É na confluência desses posicionamentos que situamos a perspectiva da pesquisa como mediação para realização de um ensino de qualidade e fundamento para consolidar a construção de conhecimentos necessários para um entendimento mais pleno da realidade social e educativa vivida na sociedade hodierna.

Uma vez que concordamos com a necessidade de superação do ensino instrumental e tecnicista e criticamos a didática reprodutiva pela via da aula expositiva como mero repasse de informação, é prudente optar pela pesquisa, vista especialmente como espaço de mediação educativa para construção de uma nova forma de ensinar e aprender. A pesquisa compreendida a partir dos princípios que a fundamentam como um labor criativo, a ser construída colaborativamente, no âmbito de uma comunidade de aprendizagem. Conseqüentemente exige autonomia e liberdade para mobilizar a capacidade criativa, possibilitando re-interpretação, avanço e inovação do conhecimento disponível, que agora, mais do que nunca, não deve ser compreendido de forma hegemônica, definitiva, acabada e imutável.

Nesse sentido, a pesquisa como estratégia didática deve ser valorizada, mediando uma proposta de ensino capaz de resultar num processo de formação que auxilie o estudante a se tornar um ser pensante, de “cabeça bem feita”, capaz de mobilizar todo o seu potencial humano criativo e sua competência questionadora e inovadora.

A busca da qualidade nos processos de formação profissional rejeita a tutela do ensino sob um modelo didático instrucionista, baseado no repasse e na cópia, onde o professor figura como dono do saber. Está claro que não se pode considerar o conhecimento como um bem imutável que pode ser guardado para ser transmitido sem retoques, no sagrado ambiente da sala de aula, onde se dilui e se esgota. Esse modelo cartesiano já não é compatível com os avanços científicos e pedagógicos conquistados na atualidade. Demo (1993)[15] ao fazer a crítica da sala de aula como locus de passividade reprodutiva, ressalta os equívocos de uma educação instrumental e domesticadora, quando mostra que:

a) o aluno que apenas escuta exposições do professor, no máximo se instrui, mas não chega a elaborar a atitude do aprender a aprender;

b) o professor sem produção própria não tem condições de superar a mediocridade imitativa, repassando, pois, esta mesma;

c) é absurdo aceitar que, no percurso de um professor que lê em outros autores e repassa para alunos, que, por sua vez, também apenas escutam e copiam, aconteça qualquer coisa de relevante, sobretudo informação ativa;

d) reduzida a vida acadêmica a apenas isto, não acontece o essencial, seja na linha da qualidade formal (instrumentação técnica da auto-suficiência), seja na linha da qualidade política (fundamentação da cidadania);

e) quem permanece no mero aprender, não sai da mediocridade, fazendo parte da sucata.

Disto decorre a falta de sentido em limitar o processo de formação profissional ao ambiente controlado da sala de aula. A aula sem alma, como espaço onde o aluno aguarda, em inútil passividade, como um objeto que pode ser controlado, manipulado pelas regulamentações contidas na organização do trabalho pedagógico. As lições acadêmicas são retiradas do pergaminho curricular, como um breviário de conteúdos listados num cardápio repetitivo e insosso, que distancia o homem da diversidade que compõe a complexa e farta realidade.

Para ultrapassar esses limites construídos por uma pedagogia que ainda hoje nos constrange, é urgente questionar a relação professor-aluno na sala de aula, rever seus pressupostos e princípios norteadores, para enfrentar o desafio de redirecionar a prática educativa, abrindo novas perspectivas de emancipação para essa trilogia inseparável: professor-aluno-conhecimento -, mesmo em tempos de aprendizagem virtual.

Numa atitude ponderada, pode-se afirmar que sem prescindir radicalmente da sala de aula – como instância pedagógica que se afirma culturalmente, é mister compreendê-la como espaço que precisa ser renovado, aberto, transparente, ultrapassando as questões que envolvem estritamente o mundo acadêmico. É pacífico afirmar que o conhecimento extrapola o lócus controlado da sala de aula, pois que a vida se expande fora dos muros das academias. Assim, é preciso que o aprendiz na sala de aula adquira a passagem e chancele sua viagem em busca de outras fontes de conhecimento alimentando sua sede de saber. Nessa viagem a epistemologia da dúvida e da curiosidade, certamente o conduzirá através de novos cenários, igualmente importantes para seu processo formativo.

Vontade e persistência guiadas pela inteligência pedagógica para mudar seu jeito submisso de ser, serão forças mobilizadoras indispensáveis no processo de reinvenção da prática educativa. Ao distinguir a pesquisa como mediação para realização de um ensino com qualidade formal e política, educa-se o homem para viver o desafio permanente da autonomia e da liberdade que marcam a sua história no seio da sociedade, permitindo sua transformação e a transformação do espaço que habita.

Enfim, fica evidente, no âmbito da pesquisa como princípio educativo, a necessidade de se apostar na metodologia do aprender a aprender, uma vez que não nascemos feitos, nem somos folha branca, a ser impressa com um conhecimento já feito, proveniente das experiências do mundo exterior, que independem da nossa vontade política. E somente porque somos reconhecidos como seres eternamente aprendentes, desde o nascimento, sem possibilidade de esgotamento da capacidade de construir e reconstruir permanentemente o conhecimento deve-se adotar a pesquisa, como mediação didática para operacionalizar um ensino de qualidade.

Para finalizar, apresenta-se uma síntese das principais idéias contidas neste texto postas através dos seguintes destaques:

Com base nessas reflexões que evidenciam o valor da pesquisa como princípio educativo, - mais que a consideração da sua dimensão científica, tentou-se caracterizar diferentes estratégias e metodologias que poderão ser abordadas didaticamente, estabelecendo nexos, entre os campos de conhecimento e o cotidiano da sala de aula. O que nos lembra que toda metodologia de ensino se articula com uma opção política que envolve uma teoria para compreender e interpretar a realidade. Talvez por isso, SILVA[16] afirme que para o ato de educar duas opções são possíveis:

Educar para a adaptação ao meio, ou seja, submeter os educandos à ordem estabelecida, tornando-os dóceis e submissos às estruturas sociais vigentes. Neste caso, a pregação do conformismo e a obediência, com o objetivo de conservar ou reproduzir os valores vigentes, são a tônica das ações executadas pelos educadores; ou educar para a transformação e libertação, ou seja, submeter às contradições e os valores presentes à crítica, de modo que a convivência social possa ser melhorada e paulatinamente transformada.

As opções aqui apresentadas nos dão mais segurança para compreendermos a importância das diferentes abordagens teórico-metodológicas, subjacentes ao processo educativo. Tais abordagens exercem ainda, considerável influência sobre a organização do trabalho docente, norteando as práticas educativas.

Sendo assim, confirma-se a qualidade dos processos formativos desenvolvidos sob o enfoque da pesquisa como atitude cotidiana crítica e criativa, pilar de sustentação dessa nova ponte pedagógica, sobre a qual se alinham as mais recentes formas de ensinar e aprender, necessárias para garantir a construção da autonomia docente/discente.

Sobre o autor
Guilherme da Costa Nascimento

Pós- Graduado em Direito Público - UNIASELV-SC Mestrando em Direito Constitucional - UFS-SE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Guilherme Costa. A pesquisa como mediação do ensino e instrumento promotor da autonomia acadêmica . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3759, 16 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25525. Acesso em: 26 nov. 2024.

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