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Vocação hereditária do nascituro

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Agenda 25/10/2013 às 15:16

CAPÍTULO 2 -DIREITO DAS SUCESSÕES

2.1      IUS SUCESSORUM

Tendo em vista o tema Direito das Sucessões, devemos nos reportar ao alicerce do Direito Civil, o Direito Romano.

O legado marcante deixado pelos romanistas manifesta-se intensamente na nossa legislação atual em virtude da elevada contribuição para o desenvolvimento das ciências jurídicas. A perpetuidade do ius romanum dá-se em razão da supervivência, em séculos, das regras jurídicas inquestionáveis e aceitas pelos outros povos. Desse modo, alcança-se da tradição romana a melhor expressão das relações humanas, pois o seu direito revela traços de preceitos ético-jurídicos.

O simbolismo e o conservadorismo presente nas suas normas proporcionaram uma verdadeira gênese aos estudiosos das ciências sociais e jurídicas, uma vez que implementaram uma sistematização de textos legais com conteúdos extremamente organizacionais, dos quais anos de compilações resultaram num direito em alto grau de perfeição. Sendo, portanto, imprescindível aplicá-lo ao nosso estudo.

À luz da história, o Ius Sucessorum, também chamado de ius hereditatis, era uma porção do direito romano, mais precisamente no âmbito do seu direito privado, que dispunha sobre as relações jurídicas de uma pessoa após a sua morte. Envolvia, portanto, todo o acervo de direitos e obrigações deixados pelo de cujus[30], visto que os mesmos não se extinguiam com a morte de seu titular, diferentemente dos direitos e obrigações pessoais ou de direito público. Assim, o rito de passagem da herança do defunto ao sucessor era o objeto explícito desse ramo do direito.

2.1.1     Espécies

O processo de sucessão na Roma antiga era movido por uma causa mortis, no qual a sobrevivência de um herdeiro permitiria a possibilidade de transmissão do patrimônio ativo e passivo do falecido, para que, finalmente, o substituísse em seus direitos e deveres. Ocorre que para que tamanha delegação se fizesse juridicamente válida e segura teria que convocar aqueles os quais constavam na pretensão do de cujus. Dessa maneira, surgiram as espécies de aquisição da herança: a sucessão legítima (successio ab intestato) e a sucessão testamentária (successio secundum tabulas).

Da ordem natural em que a família continua a existir após a morte de um de seus membros, também subsiste, na cultura romana, a necessidade da manutenção do culto aos deuses do lar. Dessa maneira, o evento morte determinava no núcleo do paterfamilias o encargo da continuidade do fogo sagrado, bem como o direcionamento das atividades familiares. Adveio, pois, da co-propriedade familiar a idéia da sucessão legítima.

Também chamada ab intestato, ou seja, sem testamento, a sucessão legítima passou por diversas variações no decorrer da história do direito romano, sendo fundamental discorrê-la do sistema da Lei das XII Tábuas ao direito justinianeu.

Na Lei das XII Tábuas os herdeiros sucediam mediante três classes: Heredes sui, agnati proximi e gentiles.

Os sui eram os sucessores que herdavam por si próprios, visto o estado de subordinação que os sujeitavam ao paterfamilias, o chefe do lar. Dessa forma, corrobora Thomas Marky ao informar que eles:

[...] eram os descendentes sujeitos ao pátrio poder do de cujus e as mulheres casadas cum manu e assim fazendo parte integrante da família próprio iure, não, porém, os que, por emancipação ou casamento cum manu, tivessem saído da família.[31]

Nessa primeira classe, os herdeiros recebiam, portanto, o que já lhes pertenciam, pois eram os filhos, a esposa cum manu[32] e os descendentes do pater em outros graus. Todavia, obedeciam a uma ordem de sucessão, baseada na proximidade do parentesco. Assim, se no instante da partilha predominasse um mesmo grau herdariam todos por cabeça, independente do sexo, mas ao tratar-se de graus diferentes, a divisão era solucionada por estirpe, quando um neto substituiria seu pai pré-morto ou emancipado, recebendo na proporção que seu ascendente herdaria.

A sucessão dos agnados era estabelecida na falta dos herdeiros próprios, eram o que chamamos hoje de parentes colaterais, isto é, um parentesco sob a égide da lei. Estes, até o fim da república[33], abrangiam os tios, os irmãos e os sobrinhos do chefe supremo da família, de forma a ser estabelecido de varão para varão, sendo a partilha realizada per capita.

Já a classe do gentiles, determinava a reunião das pessoas que estavam associadas ao grupo familiar do morto, e também eram convocadas quando o grupo de herdeiros anteriores se demonstrasse ausente, ou seja, na falta dos heredes sui e dos agnati proximi.

No Direito Pretoriano o sistema quiritário demonstrou-se ultrapassado e injusto, pois retirava da ordem hereditária indivíduos de origem consanguínea, dignos de uma tutela jurídica. Dessa forma, o processo sucessório passou a valorizar os parentes naturais ou cognados. Nesse diapasão, sustenta Fustel de Coulanges:

À medida que esta antiga religião enfraquece, a voz do sangue fala mais alto e o parentesco pelo nascimento surge reconhecido em direito. Os romanos denominaram cognatio a esta espécie de parentesco absolutamente independente das regras da religião doméstica. Quando se lêem os jurisconsultos, desde Cícero a Justiniano, vêem-se os dois sistemas de parentesco rivalizando-se entre si e ambos a disputarem-se no domínio do direito. Porém, ao tempo das Doze Tábuas só o parentesco da agnação era ainda conhecido e só ele conferia direitos à herança.[34]

Essa ampliação familiar ofereceu oportunidade aos parentes consaguíneos, desde que obedecessem previamente uma ordem de vocação hereditária. Com isso, os descendentes mantiveram o posto de herdeiros imediatos, ao serem colocados como os primeiros da sequência da transmissão do acervo, onde havia os heredes sui e os emancipados. A categoria era chamada de liberi.  Na falta destes, eram chamados os agnados, porém se, ainda assim, não existisse nenhum para suceder convocavam os cognados, até o sexto grau. E, por fim, não existindo qualquer herdeiro das classes anteriores, recebia o acervo o cônjuge sobrevivente de um casamento sine manu[35].

O sistema do Direito Imperial apenas inseriu a possiblidade de uma mãe suceder o seu filho que morrera sem a deixa testamentária, assim como um filho herdar de sua mãe à frente dos agnados dela. No restante, todavia, não trouxe significativas mudanças no âmbito do direito sucessório.

O Direito Justinianeu, do contrário, elaborou um complexo de normas jurídicas as quais continham compilações de todos os períodos estudados, pois evidenciou a comunidade de sangue (princípio cognatício), bem como a clássica idéia de uma reserva patrimonial aos herdeiros legítimos. Ou como melhor explica Souza Oliveira:

A codificação de Justiniano fez uma reestruturação no Direito Sucessório através das Novelas n°118 e 127 (novas constituições imperiais). Elas fundiram num só corpo os elementos do ius civile antiquum, do ius pretorianum, dos senatusconsultus e do ius imperialis, substituindo definitivamente o critério do parentesco agnatício pelo cognatício (por consanguinidade) na vocação hereditária. Também contemplaram de melhor forma as mulheres no Direito hereditário, criando um sistema que influenciou os códigos modernos.[36]

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A ordem do sistema de Justiniano passou a ser: os descendentes, inclusos os sui, os emancipados e os adotivos; os ascendentes em concorrência com os irmãos germanos (colaterais privilegiados); os irmãos consaguíneos, uterinos ou unilaterais[37]; e, finalmente, os cognados até o sexto grau, onde os mais próximos excluiriam os mais remotos.

Assim, notamos que a princípio o direito de testar não era conhecido pelas leis romanas, pois se opunha ao fundamento da religião doméstica, base do direito de propriedade. Enquanto a transmissão dos bens eram também vinculados ao culto familiar, o homem não poderia, por autonomia de vontade, escolher seus sucessores. Dessa forma, o morto não era tido como senhor dos bens que administrava, mas sim todo o conjunto familiar, dos ancestrais até a posteridade.

Em raciocínio semelhante, embora o enfoque seja as corporações, Peixoto menciona:

Segundo as idéias romanas, o herdeiro testamentário devia continuar a família do testador e as corporações, por sua natureza, não podiam cumprir tal missão. Somente quando essas idéias já não impressionavam a consciência jurídica romana é que se começou a admitir que as corporações podiam ser instituídas herdeiras.[38]

A sucessão testamentária, assim, surgiu como uma modalidade de disposição dos bens oriunda de um desejo de perpetuidade das delegações do falecido, onde a herança civil e demais atribuições poderiam ser deferidas por meio de um testamento.

Define-se testamento pela etimologia da palavra testamentum, que subveio de testatio mentis cujo significado é testemunho da vontade. Com isso, o termo passou a designar uma declaração unilateral, solene, revogável e personalíssima, na qual se atribuía as últimas determinações consonantes à vontade do de cujus, ou seja, era o instrumento em que se validavam as intenções daqueles que sucumbiam e deixavam atribuições para serem realizadas depois de sua morte, além, claro, da instituição dos seus herdeiros[39].

Ocorre que para tal feito, a lei romana exigia a capacidade jurídica para testar (testamenti factio activa). Em princípio, todos os cidadãos sui iuris apresentavam essa aptidão, excluindo-se, por óbvio, os escravos, os estrangeiros, os filiifamilias e as pessoas in manu e in mancipio. Todavia, ao passo em que a legislação evoluía, algumas regras tornaram-se atenuadas, atribuindo, assim, aos estrangeiros que possuíam o ius comercii a possibilidade de testar. Da mesma forma, também foram estendidos a tais faculdades os filiifamilias e os escravos do Estado (servi plublici).

Contudo, sendo imprescindível a presença do próprio testador para a realização do testamento, é de se compreender que, para determinado exercício subjetivo, havia a prerrogativa da capacidade de fato. Assim, os impúberes, os pródigos, os loucos (com exceção daqueles que passavam por intervalos de lucidez) e aos que perdurava uma dúvida quanto ao seu próprio status não possuíam capacidade para fazê-lo.

Já no que concerne à capacidade para herdar (testamenti factio passiva), eram passíveis as pessoas físicas, dentre elas os cidadãos romanos, os estrangeiros com ius comercii e até mesmo os escravos; o nascituro, sendo gradativamente admitido até que na época de Justiniano qualquer postumi, isto é, qualquer nascido após a feitura do testamento, poderia adquirir a posição de herdeiro; as pessoas jurídicas, que também em Justiniano foram abrangidas todas as corporações lícitas; e as divindades, representadas pelas igrejas.

Além das condições estabelecidas acima, para que um testamento fosse considerado justo e eficaz deveria, como conteúdo primacial, designar pelo menos um herdeiro, muito embora possa o instrumento encerrar outros objetivos. Entretanto, um testamento válido podia tornar-se posteriormente inválido, são os casos de irritum, ruptum ou destitutum. Um testamento era írrito quando o próprio testador sofria uma capitis deminutio (perda ou diminuição da capacidade). Já o testamento rompido ocorria quando sobrevinha ao testador um herdeiro seu, como, por exemplo, um filho ou uma mulher in manu, ou, até mesmo, a própria revogação do instrumento. E, por fim, o testamento destitutum, nas ocasiões em que os herdeiros não aceitavam a herança[40].

De qualquer modo, independente das normas sucessórias vigentes na relação jurídica de cada período romano, a substituição ao direito do de cujus era compreendida pela característica pessoal do herdeiro ou da mera liberalidade na escolha do hereditando; assim, transmitindo ao nosso direito atual os pilares basilares de espécies de sucessões, quais sejam, testamentária ou legítima.

2.1.2     Legados e Fideicomissos

Antes de conhecermos os legados e fideicomissos, é necessário que façamos uma preliminar menção sobre codicilo.

O codicilo, em um conceito breve, era um escrito de tamanho reduzido, onde nele se podiam fazer algumas disposições de última vontade, daí ter sido conhecido como pequeno codex[41]. Distinguia-se da modalidade testamentária pelo seu conteúdo, efeito e forma, bem como expressa José Cretella Júnior:

Era na origem um escrito sem formalismo algum, tomando a simples forma de uma carta. No baixo império, reveste as mesmas forma do testamento, mas Justiniano exige apenas 5 testemunhas em lugar de 7. No direito justinianeu, o codicilo pode conter legados válidos sem terem confirmação de testamentos, como os fideicomissos.[42]

Dentre as formas utilizáveis para a aquisição mortis causa dos bens do de cujus, encontramos o legado (legatum). De modo genérico, pode-se dizer que o legado era a disposição autônoma do testador, na qual se atribuía, a título singular, um direito de conteúdo patrimonial.

A liberalidade promovida mediante legado era estabelecida por testamento ou codicilo, e, necessariamente, era feito depois da instituição de pelo menos um herdeiro, em razão da não conferência de tal título ao beneficiário, diferenciando nitidamente o legado da herança, pelo fato de não subsistir direito de sucessão.

Nesse sentido, Ebert Chamoun pontifica:

No testamento pode o de cujus, além de instituir um herdeiro, fazer liberalidades em favor de terceiros. Tais liberalidades diferem da herança em que, sendo disposições a título particular, se traduzem na transmissão exclusiva do ativo ou de parcela dele, ao passo que a herança, sendo uma disposição a título universal, importa a transferência de todo o patrimônio, do ativo e do passivo.[43]

Fideicomisso (fideicommissum), todavia, referia-se à disposição de última vontade, sob forma de solicitação ao sucessor, na qual o disponente encarregava outrem, o que receberia os bens do de cujus, de transmiti-los a uma terceira pessoa, como forma de substituição[44]. Podia ser feito em testamento ou codicilo.

2.1.3     Transmissão da Herança

A transmissio hereditatis firmava o ato legítimo da aquisição da herança. O herdeiro, em virtude de tal fato, ocupava-se do patrimônio e da titularidade de direitos do de cujus.

Ocorre que dentre as categorias de herdeiros, uma delas contemplava-se com a aquisição automática da herança, são os chamados herdeiros necessários. Abrangiam esta classe os familiares com os liames mais íntimos de parentesco, cuja proteção patrimonial incluía a parte legítima e indisponível da herança. Já aos herdeiros estranhos, ou também conhecidos como voluntários, o benefício da herança advinha apenas por manifestação de vontade do de cujus, sem a premissa do pleno direito dos herdeiros necessários[45].

Porém, para que a transmissão da herança fosse efetivada, tornava-se imprescindível para os herdeiros o ato jurídico da adição da herança, isto é, o momento de aceitação da mesma, ou do repúdio.

2.2      O DIREITO SUCESSÓRIO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

A matéria sucessória no questionamento do direito civil brasileiro restringe a acepção da palavra sucessão. O termo, em geral, é utilizado para qualquer mudança na titularidade de direitos, no qual ocorre uma substituição nas relações jurídicas que competem a outrem. Entretanto, no rol de artigos do Código Civil Brasileiro, o vocábulo designa apenas a conversão de direitos através do evento morte. A referida alusão permite que essa parte especial do código em questão evidencie e regule a destinação dos direitos do defunto, de forma a realizar a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir. Desse pressuposto, a continuidade dos bens, bem como a possível pendência de débitos, permite que os sobreviventes atuem em substituição daquele.

O óbito, conforme o legislador, deve ser real ou presumido. É real quando há a incidência de uma morte natural, mesmo se tratando de suicídio. O motivo, na verdade, independe. Porém, é indispensável que pelo menos ocorra o fenômeno biológico certificado pela morte encefálica. Já no que concerne à morte presumida, dispõe o art. 6° do Código Civil que “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Todavia, ainda se estende a presunção da sucumbência nos casos em que a morte era provável através da grave exposição ao perigo, assim como o desaparecido após dois anos do término de uma guerra[46].

A solução dada pelo nosso ordenamento jurídico é a abertura da sucessão, onde se transmite aos herdeiros o patrimônio do hereditando a partir do exato momento do seu falecimento, daí a importância do atestado de óbito, da justificação ou até mesmo da declaração judicial (conforme o caso). Nesse diapasão, nos deparamos com a regra do art. 1.784 do Código Civil com a declaração que “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”[47].

Do dispositivo supra mencionado retiramos o entendimento de que a transmissão da posse indireta do acervo hereditário é imediata, bastando apenas que seja configurada a morte do autor da herança e a sobrevivência dos herdeiros em questão, ainda que estes o superem por breves instantes.

Outra consequência advinda da abertura da sucessão é a petrificação do valor dos bens inventariados, pois a importância deles será determinada na época da morte do de cujus[48].

O interesse social e a proteção dos bens do hereditando, integrados ao art. 1.784, acolhem, ainda, o princípio de saisine, cujo fundamento está na continuidade do direito do antecessor no instante imediato em que este morre, transmitindo a posse indireta do somatório desde então. Tal princípio surge da necessidade da preservação da herança, uma vez que o processo sucessório demanda certo tempo. Através dele, é assegurada aos herdeiros a possibilidade de utilização dos institutos possessórios nos casos em que a posse e a integridade do patrimônio são ameaçadas.

Sobre o enfoque, expressa Gonçalves, tomando por base o pensamento de Giselda Hinoraka:

Embora não se confundam a morte com a transmissão da herança, sendo aquela pressuposto e causa desta, a lei, por ficção, torna-as coincidentes em termos cronológicos, presumindo que o próprio de cujus investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo.[49]

Em contraponto, a longevidade do processo de divisão dos quinhões e a precariedade do poderio fático dos herdeiros, em resguardar e administrar o acervo hereditário, como bem expressa o art. 1.791 do Código Civil informando que “A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”[50],  faz com que emerja a figura do inventariante, para que os bens não pereçam ou sofram qualquer intervenção. Vislumbra-se, dessa maneira, a necessidade prévia de um procedimento provisório para que sejam cumpridos os deveres de representação ativa e passiva do espólio.

Até o despacho da inicial que promove o processo de inventário, vale dizer, no prazo de sessenta dias da abertura da sucessão, no qual o juiz nomeia um inventariante, a administração da herança caberá, a título provisório aos seguintes, conforme declara o art. 1.797 do Código Civil:

Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:

I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;

II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;

III - ao testamenteiro;

IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.[51]

Nada obsta que o administrador provisório também se torne o inventariante, desde que preencha os requisitos estabelecidos pelo art. 990 do Código de Processo Civil, praticamente os mesmos elencados no artigo supra mencionado, como se pode ver:

Art. 990.  O juiz nomeará inventariante: 

I - o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; 

II - o herdeiro que se achar na posse e administração do espólio, se não houver cônjuge supérstite ou este não puder ser nomeado;

III - qualquer herdeiro, nenhum estando na posse e administração do espólio;

IV - o testamenteiro, se Ihe foi confiada a administração do espólio ou toda a herança estiver distribuída em legados;

V - o inventariante judicial, se houver;

Vl - pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial. Parágrafo único.  O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo.[52]

Pela sequência fatídica, envolta pelos contornos abstratos da normativa sucessória, com a qual nos deparamos, iniciada pelo evento causa mortis, instituidor da abertura da sucessão, torna-se imprescindível o conhecimento daqueles sujeitos a suceder. Sabemos que o herdeiro estando vivo no instante da morte do autor da herança, o patrimônio do falecido será transmitido, desde logo, pela posse indireta. Trata-se, portanto, do princípio da coexistência, no qual o hereditando e o herdeiro devem existir simultaneamente no momento preciso da morte do primeiro. Todavia, como explica Carlos Maximiliano, não basta “que no momento da morte do de cujus o sucessor já viva; é indispensável, também, que ainda viva”[53], retornando à regra base de que o herdeiro deve sobreviver ao falecido mesmo que por um curto espaço de tempo.

Silvio Rodrigues também menciona o princípio quando afirma que:

Na sucessão hereditária, até por imperativo lógico, o herdeiro ou legatário tem de sobreviver ao de cujus. Trata-se do denominado princípio da coexistência: o sucessor (herdeiro ou legatário) e o de cujus devem coexistir no momento da morte, ao tempo da abertura da sucessão, em que, pela saisine, dá-se a transmissão da herança.[54]

Porém, quem serão os convocados para a sucessão? Sobre o questionamento, nos deparamos com a ordem da vocação hereditária, onde são reveladas as pessoas legitimadas para o posto de herdeiro. De forma genérica, o art. 1.798 do Código Civil revela que “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da sucessão”[55]. Ou seja, todas as pessoas, quer físicas ou jurídicas, poderão ser beneficiadas com a herança, desde que vivas ou já existentes em útero materno.

Com efeito, o art. 1.829 do Código Civil estabelece uma relação preferencial mais específica das pessoas chamadas a suceder, isto é, a ordem de vocação hereditária:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou na separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.[56]

O cuidado com o nascituro, portanto, é revelado como exceção, em razão da questão da personalidade jurídica estar agregada ao conceito de pessoa viva. Com isso, embora o nascituro não detenha personalidade, é um ente legítimo para suceder, mesmo faltando-lhe esse pressuposto. Consoante Silvio Rodrigues, o “que nasce com vida não é dono da herança a partir desse instante, mas desde a abertura da sucessão, tendo direito aos bens hereditários e a seus frutos, rendimentos e acréscimos”[57]. Assim, ratificando a idéia da transmissão imediata dos direitos do hereditando até mesmo para um sujeito em potencial. No caso, podendo ser herdeiro como descendente ou parente colateral.

Então, promovendo a morte do de cujus um condomínio em uma composse até mesmo para os já concebidos e ainda não nascidos no evento em questão, busca-se através do inventário a formulação de uma base gerencial favorável a divisão e individualização da quota de cada herdeiro, sendo, portanto, injustificável qualquer manutenção dessa comunhão, posto ser um atentado a economia, bem como um suntuoso berço para a inserção de futuros litígios.

Dessa forma, nos deparamos com a precisa definição de Maximiliano, citado por Gonçalves:

Inventário, pois, no sentido restrito é o rol de todos os haveres e responsabilidades patrimoniais de um indivíduo; na acepção ampla e comum no foro, ou seja, no sentido sucessório, é o processo no qual se descrevem e avaliam os bens de pessoa falecida, e partilham entre os seus sucessores o que sobra, depois de pagos os impostos, as despesas judiciais e as dívidas passivas reconhecidas pelos herdeiros. [58]

O inventário, em suma, soluciona as questões inerentes ao patrimônio do falecido que estão em situação de pendência para que, finalmente, possam distribuí-los entre os herdeiros. A partilha, pois, é que será o meio que incumbirá que o acervo seja transmitido concretamente entre aqueles legitimados ou escolhidos para tanto. Ou como expressa Rodrigues, “A partilha na maioria dos casos, determina materialmente o que compõe cada quinhão hereditário, realizando a divisão dos bens”[59].

Desse modo, pondo a partilha o fim da comunhão, os herdeiros passam a adquirir exclusividade sobre os bens que compõem a sua quota, deixando o anterior estado de indivisibilidade do acervo. Portanto, cada parte receberá o domínio direto e efetivo do bem fruto de uma deliberação pautada nos valores de igualdade, comodidade dos herdeiros e prevenção de futuros conflitos, tudo com o fito de proporcionar um estado permanente e inquestionável da divisão.

Todavia, a partilha marca apenas um estado de confiabilidade, em virtude da sua natureza meramente declaratória, a qual só confere ao sucessor a posse e o domínio da herança ficticiamente, pois a abertura da sucessão é que transmite de imediato os bens. Assim, a propriedade não é atribuída em razão dela, mas tão somente da morte do autor da herança, sendo sua parte homologar os herdeiros e o quinhão pertencente aos mesmos.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Giovana Deininger. Vocação hereditária do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3768, 25 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25613. Acesso em: 22 dez. 2024.

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