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A nova redação do Art. 3° da Lei 8.666/93 e outras políticas públicas sustentáveis

Agenda 04/11/2013 às 15:16

Uma análise da nova redação do art. 3° da Lei 8.666/93 como fator contributivo às políticas públicas sustentáveis já existentes.

A nova redação dada pela Lei 12.349/2010 ao art. 3° da Lei 8.666/93 é um marco importante para a inserção dos critérios de promoção do desenvolvimento sustentável no âmbito das licitações públicas.

Na verdade, a “normatização” da sustentabilidade apenas é o reconhecimento jurídico de uma necessidade há décadas detectada pelos organismos internacionais da área ambiental que, em esforço sem precedentes, conseguiram incorporar no senso comum que a adoção de condutas sustentáveis, mais do que uma necessidade, representa também uma economia de larga escala a médio e longo prazo.

Mas o tema da sustentabilidade, não obstante ser uma aparente novidade, já é discutido há mais de 40 anos.

O primeiro evento de grande repercussão a tratar do tema foi a Conferência de Estocolmo, em 1972, realizada na Suécia. No Brasil, o assunto somente começou a ser debatido em 1992, na Eco-92, um grande evento realizado no Rio de Janeiro, cujo objetivo era fazer um diagnóstico, um balanço dos usos dos recursos naturais pelas grandes nações mundiais, além de propor condutas que, livremente, as nações poderiam aderir ou não.

Em paralelo à Eco-92, diversas ONGs realizaram também o Fórum Global, que resultou na Declaração do Rio.

Além disso, na Eco-92 foi também assinada a Agenda 21, aprovada a Convenção sobre Biodiversidade e aprovada a Convenção sobre Mudanças Climáticas.

Somente 18 anos depois, ou seja, não tão rápido como deveria, mas antes tarde do que nunca, foi alterado o art. 3° da Lei de Licitações, de forma a torná-lo compatível com as diversas políticas de sustentabilidade em voga.   

Diz a nova redação do art. 3o da Lei 8.666/93 que:

Art. 3°  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010).   

Desta forma, a Lei 12.349/2010 modernizou o art. 3° da Lei 8.666/93, adequando-o às necessidades da sustentabilidade, já há muito tempo insertas nas políticas públicas de países mais desenvolvidos.

A partir de então, surgiu o conceito de “licitação sustentável”, que nada mais é do que a licitação tradicional, tendo por obrigatoriedade a observância dos princípios já em vigor, mas somados aos postulados sociais, ambientais, econômicos e desenvolvimentistas.

Segundo o Governo Brasileiro, através de exposição constante no site do Ministério do Meio Ambiente[1], o tema é tratado da seguinte forma:

“De uma maneira geral, trata-se [a licitação sustentável] da utilização do poder de compra do setor público para gerar benefícios econômicos e socioambientais (...). As compras e licitações sustentáveis possuem um papel estratégico para os órgãos públicos e, quando adequadamente realizadas promovem a sustentabilidade nas atividades públicas. Para tanto, é fundamental que os compradores públicos saibam delimitar corretamente as necessidades da sua instituição e conheçam a legislação aplicável e características dos bens e serviços que poderão ser adquiridos. O governo brasileiro despende anualmente mais de 600 bilhões de reais com a aquisição de bens e contratações de serviços (15% do PIB). Nesse sentido, direcionar-se o poder de compra do setor publico para a aquisição de produtos e serviços com critérios de sustentabilidade implica na geração de benefícios socioambientais e na redução de impactos ambientais, ao mesmo tempo que induz e promove o mercado de bens e serviços sustentáveis.

Assim, segundo consta no citado documento, o Governo resolveu utilizar seu poder de compra, que é imenso (cerca de 600 bilhões de reais por ano) para incentivar o desenvolvimento das políticas de sustentabilidade. E isso tem funcionado.

Na medida em que as empresas licitantes usuais têm incentivo para adoção de procedimentos ecologicamente adequados, sendo o poder público um gigante comprador e contratante, um verdadeiro movimentador da economia, os materiais e procedimentos ecologicamente adequados se popularizam no mercado e sua inserção acaba sendo incentivada também no universo das empresas que trabalham exclusivamente para a iniciativa privada.

De certo modo, a adoção de procedimentos sustentáveis pode até parecer mais cara, principalmente para o Poder Público, que arcará com os custos de materiais ainda não produzidos em larga escala. No entanto, o próprio Governo expõe que o aumento de custo pode ser revertido. Assim também consta nas informações do referido site do Ministério do Meio Ambiente:

A decisão de se realizar uma licitação sustentável não implica, necessariamente, em maiores gastos de recursos financeiros. Isso porque nem sempre a proposta vantajosa é a de menor preço e também porque deve-se considerar no processo de aquisição de bens e contratações de serviços dentre outros aspectos os seguintes: a) Custos ao longo de todo o ciclo de vida: É essencial ter em conta os custos de um produto ou serviço ao longo de toda a sua vida útil – preço de compra, custos de utilização e manutenção, custos de eliminação. b) Eficiência: as compras e licitações sustentáveis permitem satisfazer as necessidades da administração pública mediante a utilização mais eficiente dos recursos e com menor impacto socioambiental. c) Compras compartilhadas: por meio da criação de centrais de compras é possível utilizar-se produtos inovadores e ambientalmente adequados sem aumentar-se os gastos públicos. d) Redução de impactos ambientais e problemas de saúde: grande parte dos problemas ambientais e de saúde a nível local é influenciada pela qualidade dos produtos consumidos e dos serviços que são prestados. e) Desenvolvimento e Inovação: o consumo de produtos mais sustentáveis pelo poder público pode estimular os mercados e fornecedores a desenvolverem abordagens inovadoras e a aumentarem a competitividade da indústria nacional e local. 

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Portanto, a modernização do art. 3° da Lei de Licitações foi apenas mais um fato propulsor (e muito forte, diga-se de passagem) de outras medidas administrativas tendentes a disseminar a cultura da sustentabilidade.

A atualização deste dispositivo, que é conceitual e balizador das licitações públicas, não veio desacompanhada. A alteração da lei veio num pacote de diversas medidas de sustentabilidade presentes em outras leis e em políticas públicas do Poder Executivo, a exemplo do Projeto Esplanada Sustentável (PES).


Projeto Esplanada Sustentável (PES).

Uma das mais importantes políticas públicas sobre sustentabilidade é o Projeto Esplanada Sustentável (PES), que é uma é uma iniciativa conjunta dos Ministérios do Planejamento, Meio Ambiente, Minas e Energia e Desenvolvimento Social e Combate à Fome, tendo como foco o estímulo, aos órgãos federais, da adoção de um modelo de gestão organizacional voltado ao uso racional de recursos naturais, com sustentabilidade ambiental e socioeconômica.

O PES integrou a Agenda de Modernização do Serviço Público, que foi apresentada em outubro de 2013 à Presidência da República.

Um dos fatores que contribuiu para a sua idealização foi o fato de que o país já chegou no limite do orçamento de custeio. E esse projeto visa atingir justamente o equilíbrio nas contas públicas. A sua meta genérica é “fazer mais com menos”. Fazendo mais com menos, o país pode ver crescente a confiabilidade internacional e atrair investimentos externos.

O projeto também inaugura uma meta a ser perseguida pelos gestores públicos, que é o abandono da visão de só pedir recursos, adotando o costume de melhor gerir recursos (aumentar os serviços sem aumentar as despesas).

Tendo o país se desenvolvido tanto nos últimos anos, cresceu também a oferta dos serviços públicos. E o crescimento dos serviços gera também a majoração das despesas administrativas (que funcionam como suporte das despesas finalísticas).

Mas como conjugar o crescimento das despesas administrativas (utilizadas para viabilizar o exercício da atividade-fim) sem cortar outras despesas e sem suplementar o orçamento? A resposta é: tornando os gastos mais eficientes.

Por isso o PES visa trazer uma cultura maior de eficiência. Mas não só de maior eficiência, mas também de sustentabilidade.

O Poder Executivo desperdiça milhões de reais por ano com gastos de despesas administrativas inadequadas (despesas-meio que poderiam ser evitada).

Para se ter uma idéia, em 2001 os gastos com as despesas administrativas foram de 7,1 bilhões de reais. Em 2012 de 24,7 bilhões. E de 2001 para 2012, houve um crescimento anual de mais de 9% ao ano.

Ocorre que não dá para aumentar, nessa proporção, os gastos com atividade meio em detrimento da atividade-fim. 

Assim, com base em uma indicação do Tribunal de Constas da União, que previu a necessidade de um programa de gestão sustentável dos gastos do governo, surgiu o PES, coordenado pela Câmara de Gestão da Presidência da República.

Segundo consta no site http://www.orcamentofederal.gov.br/projeto-esplanada-sustentavel, os objetivos do PES são:

·    Melhorar a qualidade do gasto público pela eliminação do desperdício e pela melhoria contínua da gestão dos processos;

·    Incentivar a implementação de ações de eficiência energética nas edificações públicas;

·    Estimular ações para o consumo racional dos recursos naturais e bens públicos;

·    Garantir a gestão integrada de resíduos pós-consumo, inclusive a destinação ambientalmente correta;

·    Melhorar a qualidade de vida no ambiente do trabalho; e

·    Reconhecer e premiar as melhores práticas de eficiência na utilização dos recursos públicos, nas dimensões de economicidade e socioambientais.

Assim, o PES foi a mais recente e talvez a mais importante medida administrativa adotada pelo Poder Executivo no intuito de incentivar a eficiência nos gastos públicos, atendendo aos postulados de sustentabilidade, tão festejados nos dias atuais.


Outras Políticas Públicas de Sustentabilidade. 

Em harmonia com o novo art. 3° da Lei 8.666/93 e com o Projeto Esplanada Sustentável, o Poder Público tem adotado outras medidas que visam incentivar a popularização da sustentabilidade no país.

Podemos citar como exemplo o Projeto Copa Verde, formalizado através de acordo de Cooperação Técnica firmado entre o Ministério dos Esportes e o Ministério do Meio Ambiente, que visa implementar ações de sustentabilidade ambiental para a Copa de 2014 e o Projeto Tal Ambiental, que objetiva incluir a sustentabilidade ambiental na formulação, desenvolvimento e implementação das políticas do Governo através de um programa de empréstimos junto ao Banco Mundial.

Além destes dois projetos, diversos outros relacionados à sustentabilidade constam do Programa de Governo brasileiro[2], tais como:

AGENDA 21

Programa de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

ÁGUA DOCE

Ação que visa o acesso à água de boa qualidade para o consumo humano, promovendo e disciplinando a implantação, a recuperação e a gestão de sistemas de dessalinização ambiental e socialmente sustentáveis para atender, prioritariamente, as populações de baixa renda em comunidades difusas do semi-árido.

ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

Programa voltado para os mecanismos de articulação entre os entes envolvidos com as águas subterrâneas e a gestão integrada deste recurso, haja vista que os aqüíferos quase sempre extrapolarem os limites das bacias hidrográficas, estados e países, embora a legislação determine que o domínio seja dos estados. Nesse contexto, também considera-se o papel dos municípios na gestão de recursos hídricos, pois são os responsáveis pela política de uso e ocupação do solo, que tem relação direta com a proteção das águas subterrâneas.

ARPA

O Programa Áreas Protegidas da Amazônia é o maior de conservação de florestas tropicais do Planeta e tem como objetivo proteger 60 milhões de hectares da Amazônia brasileira. A iniciativa combina  biologia da conservação com as melhores práticas de planejamento e gestão para criar, equipar e consolidar unidades de conservação.

BOLSA VERDE

O Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa Verde concede, a cada trimestre, um benefício de R$ 300 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas  consideradas prioritárias para conservação ambiental. A proposta, parte do Programa Brasil Sem Miséria, é aliar o aumento na renda dessa população à conservação dos ecossistemas e ao uso sustentável dos recursos naturais, destinado àqueles que desenvolvem atividades de uso sustentável dos recursos naturais em Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais, Reservas de Desenvolvimento Sustentável federais e Assentamentos Ambientalmente Diferenciados da Reforma Agrária.

CERRADO SUSTENTÁVEL

Tem o objetivo de promover a conservação, a recuperação e o manejo sustentável de ecossistemas naturais, bem como a valorização e o reconhecimento de suas populações locais, buscando condições para reverter os impactos sócio-ambientais negativos no bioma Cerrado.

COMBATE À DESERTIFICAÇÃO

Busca identificar os fatores que contribuem para a desertificação e as medidas de ordem prática necessárias ao seu combate e à mitigação dos efeitos da seca.

CORREDORES ECOLÓGICOS

Projeto voltado para efetiva proteção da natureza, reduzindo ou prevenindo a fragmentação de florestas existentes na Amazônia e na Mata Atlântica, por meio da conexão entre diferentes modalidades de áreas protegidas e outros espaços com diferentes usos do sólo, que possuem ecossistemas florestais biologicamente prioritários e viáveis para a conservação da biodiversidade, compostos por conjuntos de unidades de conservação, terras indígenas e áreas de interstício. A participação das populações locais, comprometimento e conectividade são elementos importantes para a formação e manutenção dos corredores ecológicos nestes biomas.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Programa destinado a assegurar, no âmbito educativo, a integração equilibrada das múltiplas dimensões da sustentabilidade - ambiental, social, ética, cultural, econômica, espacial e política - ao desenvolvimento do País, resultando em melhor qualidade de vida para toda a população brasileira, por intermédio do envolvimento e participação social na proteção e conservação ambiental e da manutenção dessas condições ao longo prazo.

FLORESTAS

o Programa Nacional de Florestas foi criado com o objetivo de articular as políticas públicas setoriais para promover o desenvolvimento sustentável, conciliando o uso com a conservação das florestas brasileiras.

MAIS AMBIENTE

Trata-se de uma ação do Governo Federal de apoio à regularização ambiental das propriedades e posses rurais em todo o território nacional. É uma oportunidade de legalização para proprietários e posseiros de terra que eventualmente avançaram no desmatamento além do que a lei permite, não conseguindo manter sua Reserva Legal (RL) ou Área de Proteção Permanente (APP).

PROJETO ORLA

Uma ação conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que busca o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando as políticas ambiental e patrimonial, com ampla articulação entre as três esferas de governo e a sociedade.

PROTEÇÃO DAS FLORESTAS TROPICAIS

É uma iniciativa do governo brasileiro em parceira com a comunidade internacional na procura por soluções que combinem a conservação da floresta Amazônica e da Mata Atlântica com o uso sustentável de seus recursos naturais, ao mesmo tempo em que melhoraram as condições de vida da população local. A maior parte dos subprogramas e projetos já está encerrada e uma parte pequena caminha para a consolidação, mas trata-se de programa de referência para criação de políticas públicas ambientais voltadas para o desenvolvimento sustentável.

REVITALIZAÇÃO DE BACIAS

O Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas em Situação de Vulnerabilidade e Degradação tem ações voltadas às bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Tocantins-Araguaia, Paraíba do Sul, Alto Paraguai, Parnaíba e Paranaíba, que visam o desenvolvimento de ações integradas e permanentes para a promoção do uso sustentável dos recursos naturais, da melhoria das condições sócio-ambientais, do aumento da quantidade e da melhoria da qualidade da água para os diversos usos.

ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO

É um instrumento de gestão territorial e ambiental com a pretensão de integrar aspectos naturais e sociais na gestão do território. Busca planejar e ordenar o território brasileiro, harmonizando as relações econômicas, sociais e ambientais que nele acontecem, demandando efetivo esforço de compartilhamento institucional, voltado para a integração das ações e políticas públicas territoriais, bem como articulação com a sociedade civil, congregando seus interesses em torno de um pacto pela gestão do território.


Conclusão. 

Ante todo o exposto, podemos concluir que, desde 1992, o Brasil tem assumido uma postura favorável à implementação de condutas sustentáveis, de forma que tanto leis têm sido alteradas (a exemplo do art. 3° da Lei 8.666/93, atualizado pela Lei 12.349/2010), como Projetos têm sido criados e executados, de forma a garantir o respeito aos postulados da sustentabilidade, demonstrando uma perfeita adequação do país às políticas sugeridas pelos diversos organismos internacionais de meio ambiente, como também guardando similitude com ações implementadas pelos países mais desenvolvidos na área ambiental.


Notas

[1] Fonte: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/a3p/eixos-tematicos/licitação-sustentável [acesso em 26/02/2013]

[2] Fonte: http://www.mma.gov.br/component/k2/item/8272-programas-mma [acesso em 26/02/2013]

Sobre o autor
Rômulo Gabriel M. Lunelli

Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNELLI, Rômulo Gabriel M.. A nova redação do Art. 3° da Lei 8.666/93 e outras políticas públicas sustentáveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3778, 4 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25661. Acesso em: 5 nov. 2024.

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