Resumo: A Constituição da República Federativa do Brasil assegura a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Uma das opções para efetivar esse direito difuso são a produção e os serviços desenvolvidos com vistas à sustentabilidade ambiental. É exatamente a partir dessa visão que surge o dever o Estado, como maior adquirente de bens e serviços do país. As contratações realizadas pelo Estado, salvo as dispensas e inexigibilidades, são formalizadas através de licitação pública, conforme dispõe o inciso XXI do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. Além de outras legislações que serão apresentadas no curso deste artigo, a Lei nº 8.666/93 assegurou a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um objetivo da licitação (art. 3º), circunstância que estimula a compra sustentável pelo Estado. No entanto, a licitação sustentável é um desafio socioeconômico, pois não há produção e serviços desenvolvidos com vistas ao meio ambiente sustentável no país, circunstância que os tornam mais caros em relação àqueles desenvolvidos sem a observância dos critérios ambientalmente sustentáveis.
Palavras-chave: Licitação. Gestão Pública. Desenvolvimento sustentável.
Sumário: 1 Introdução; 2 Fatores socioeconômicos da sustentabilidade; 3 Gestão pública no desenvolvimento sustentável; 4 Licitações sustentáveis; 5 Considerações finais; 6 Referência das fontes citadas.
1 Introdução
O desenvolvimento deste artigo surge a partir de provocação da Comissão de Licitação e Contratatos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina, além de interesse pessoal do Autor, por se tratar de tema relevante para o presente e futuro da Sociedade e do Estado.
Por se tratar de tema relativamente recente para as licitações públicas, o Estado pouco utiliza instrumentos hábeis à contratação ambientalmente sustentável, especialmente nas esferas estaduais e municipais. Da mesma forma, a Sociedade de modo geral, também não desenvolve produtos ou serviços com vistas ao meio ambiente sustentável.
Talvez, uma das razões desse déficit do Estado e da Sociedade na aquisição e no desenvolvimento, respectivamente, de produtos e serviços sustentáveis, se deva ao fato de que o fator econômico (menor preço) ainda seja um critério, para maior parte da Administração Pública, de escolha mais vantajosa para a contratação.
Para discorrer sobre o assunto e propiciar melhor compreensão do leitor, o desenvolvimento do artigo foi dividido em tópicos distintos, iniciando-se pela exposição de alguns fatores socioeconômicos da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável na gestão pública, até as licitações sustentáveis, para, ao final, apresentar as considerações finais.
2 Fatores socioeconômicos da sustentabilidade
A sustentabilidade consiste, em suma, no uso dos recursos naturais para o capitalismo, de modo a estimular o desenvolvimento econômico sem comprometer o meio ambiente.
O desenvolvimento econômico, num primeiro momento, parece viver à custa da degradação do meio ambiente natural. Mas não é, conforme será demonstrado no decorrer deste trabalho.
Édis Milaré[1] diz que “O processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, à custa dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem ainda desconhecidos”.
Essa é a herança do modelo capitalista descontrolado, que só visa lucro e não cogita a hipótese de que a matéria prima utilizada para o desenvolvimento econômico é finita.
De acordo com estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho, intitulado El desafío de la promoción de empresas sostenibles en América Latina y el Caribe: un análisis regional comparativo[2], é possível identificar um fator a ser observado para o desenvolvimento sustentável:
Para promover las empresas sostenibles es preciso fortalecer las instituciones y los sistemas de gobernanza que enmarcan la actividad empresarial –para que haya mercados sólidos y eficientes se requieren instituciones sólidas y eficaces–, así como garantizar que los recursos humanos, financieros y naturales se combinen de manera equitativa y eficiente con el fin de promover la innovación y El aumento de la productividad. Por ello, es necesario establecer nuevas modalidades de cooperación entre los gobiernos, las empresas y la sociedad para asegurar que la calidad de la vida presente y futura (y del empleo) se potencie al máximo, preservando al mismo tiempo la sostenibilidad medioambiental.
A cooperação entre os governos, empresas e sociedade para o desenvolvimento sustentável está, gradativamente, sendo implantada no Brasil.
De acordo com Jaqueline Rossato[3]:
O estabelecimento de uma nova cultura na Administração Pública, voltada para a adoção de critérios ambientais corretos e de práticas sustentáveis, em todos os níveis de governo, requer o comprometimento das instituições e dos servidores públicos que nelas trabalham, pois, tão importante quanto ações de sensibilização, são as políticas públicas que promovem, regulamentam e cobram ações mais responsáveis.
A Administração Pública não só regula a economia mediante leis, incentivos e subvenções, mas também participa ativamente no mercado e na qualidade de vida dos consumidores: compra produtos, contrata serviços e obras, segundo as necessidades, igual a qualquer outra empresa particular, e deve assumir sua parcela de responsabilidade quanto às questões ambientais.
Assim como a Administração pública não colabora da maneira esperada para o desenvolvimento ambientalmente sustentável, a sociedade não está educada para tanto e a produção industrial demanda maiores investimentos econômicos e tecnológicos, com a expectativa de que sejam incentivados pelo Governo.
3 Desenvolvimento sustentável na gestão pública
Gerir a res publica nunca foi tarefa fácil e não será até que se utilize a máquina governamental exclusivamente para o bem comum, afastando-se qualquer interesse pessoal e político daqueles que a gerem.
As grandes indústrias, principalmente aquelas utilizadoras de recursos naturais, não se instalam em pequenos municípios por acaso.
A falta de fiscalização e pessoal (da administração pública) desqualificados para verificar a degradação ao meio ambiente, bem como a ilusão social de que a instalação de uma fábrica de grande porte ira gerar uma economia capaz de desenvolver o município, são fatores preponderantes para afastar o desenvolvimento sustentável da cidade.
De acordo com informações colhidas no meio eletrônico[4], “As cidades sustentáveis são aquelas que adotam uma série de práticas eficientes voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população, desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente”.
No “Programa de Gestão Pública e Cidadania”, desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas[5], foi elaborado um tripé do desenvolvimento sustentável e indicado o papel de cada ator nesse processo:
Ao se engajar em uma proposta de desenvolvimento sustentável, o poder público deve interceder para transformar padrões produtivos e as formas de se comprar e consumir. Para isso, pode promover estilos de vida e comportamentos mais sustentáveis, remodelar sua própria infraestrutura, elaborar normas e criar incentivos econômicos favoráveis à conservação dos recursos naturais e à felicidade humana.
[...]
Com sinais positivos a favor da sustentabilidade em meio a uma crise financeira internacional, as empresas são impelidas à inovação, e para tanto precisam movimentar a sua cadeia de fornecedores. Há espaço para criação e reformulação de processos, produtos e modelos de negócios – desde que mais eficientes e orientados à sustentabilidade, podendo o empreendedor, por exemplo, oferecer serviços em vez de produzir e vender produtos.
[...]
A sociedade contribui ao exercer controle social e defender seus reais interesses, muitas vezes mediados por ONGs, universidades e centros de pesquisa que levantam suas bandeiras e desenvolvem instrumentos capazes de viabilizar e popularizar o consumo e a produção sustentável. À sociedade cabe o papel de fiscalizar a atuação dos governos e das empresas, observando se as suas políticas afetam o bem-estar de toda a população.
A partir de um comprometimento desse tripé com o meio ambiente, cogita-se maior desenvolvimento sustentável, especialmente com a participação ativa do Poder Público.
Conforme pondera Zulmira Baptista[6]:
Ao Estado cabe não só a missão de começar um sistema de regulamentação, mas também de criar um setor de produtos e serviços ambientais para atender à demanda da mudança, impulsionando e regulando a inovação tecnológica, dirigindo-se ao crescimento da produtividade sem risco ecológico, economizando matérias-primas, recuperando o desperdício e concedendo certificado ambiental dos produtos.
Dentre inúmeros bens adquiridos pela Administração Pública com vistas à sustentabilidade, destaca-se o papel reciclado.
De acordo com dados colhidos da WWF-Brasil, a Secretaria de Administração do Estado da Bahia[7] formulou uma tabela para demonstrar a vantagem do papel reciclado para o meio ambiente:
A partir desses dados é fácil verificar que é possível à Administração Pública, em todas as esferas, colaborar para o desenvolvimento sustentável com a simples aquisição do papel reciclado.
4 Licitações sustentáveis
A licitação sustentável consiste na aquisição de produtos ou serviços desenvolvidos com vistas ao meio ambiente preservado.
Como bem coloca Rejane Maria Tavares Santos[8] em sua dissertação:
As compras públicas sustentáveis correspondem a uma forma de inserção de critérios ambientais nas compras e contratações realizadas pela Administração Pública, visando à maximização do valor adicionado (utilidade, qualidade, durabilidade) e, ao mesmo tempo, a minimização dos impactos ambientais e sociais adversos.
No “Programa de Gestão Pública e Cidadania” desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas[9], foi observado um fator negativo no processo para licitação sustentável:
Uma barreira é a falta de engajamento dos servidores, normalmente sob a alegação de haver impedimentos legais para o enfoque socioambiental nas licitações. É coisa do passado justificar que a Lei 8.666/1993 impede a preferência por produtos sustentáveis porque restringem a competição ou são mais caros que os convencionais. Mesmo podendo custar mais inicialmente (preço de etiqueta), produtos mais eficientes no consumo de água e energia, por exemplo, implicam em economias a médio e longo prazos para a administração. Existe uma nova compreensão do que é a “melhor compra”, com base jurídica para se optar por ela.
É exatamente com base nessa premissa que foi alterada a redação do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666/93, cujo teor dispõe que:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifei)
Já em 2008, o Ministro do Meio Ambiente regulamentou o disposto no at. 3º da Lei nº 8.666/93 e editou a Portaria nº 61/08, cujo teor versa sobre a aquisição sustentável no Ministério do Meio Ambiente e suas entidades vinculadas.
A partir daí, com intuito de regulamentar o disposto no art. 3º da Lei nº 8.666/93 na esfera federal, foram editados os Decretos Federais nº 7.746/12 e 7.840/12, os quais servem de parâmetro para a confecção dos editais de aquisições sustentáveis.
Além da preservação do caráter competitivo e da necessidade de justificar os critérios e práticas de sustentabilidade nas licitações, destaca-se no Decreto Federal nº 7.746/12 as diretrizes de sustentabilidade nas aquisições públicas, conforme disposição do art. 4º:
Art. 4º São diretrizes de sustentabilidade, entre outras:
I – menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água;
II – preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local;
III – maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia;
IV – maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local;
V – maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra;
VI – uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e
VII – origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras.
No mesmo sentido, a Instrução Normativa nº 01/10, do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que trata especialmente das obras públicas, bens e serviços sustentáveis, assegura caráter competitivo e critérios objetivos de sustentabilidade ambiental para a avaliação e classificação das propostas.
Dentre os inúmeros critérios de sustentabilidade previstos nessa Instrução Normativa, destaca-se a necessidade do “Projeto de Gerenciamento de Resíduo de Construção Civil - PGRCC, nas condições determinadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, através da Resolução nº 307, de 5 de julho de 2002” (art. 4º, § 2º).
Destaca-se essa importância porque, nos termos do art. 5º da Resolução nº 307/02 do CONAMA, “É instrumento para a implementação da gestão dos resíduos da construção civil o Plano Municipal de Gestão de Resíduos da Construção Civil, a ser elaborado pelos Municípios e pelo Distrito Federal, [...]”.
Salvo raras exceções, a maioria dos Municípios do Brasil não possui o plano municipal de gestão de resíduos da construção civil, circunstância eu inviabiliza a execução do § 2º do art. 4º da Instrução Normativa nº 01/10, do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Um meio de forçar a Administração Pública, ao menos na esfera Federal, para realizar aquisições sustentáveis, está prevista na Instrução Normativa nº 10/12, do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a qual institui as regras para elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável – PLS.
Os PLS “são ferramentas de planejamento com objetivos e responsabilidades definidas, ações, metas, prazos de execução e mecanismos de monitoramento e avaliação, [...]”, com vistas a “estabelecer práticas de sustentabilidade e racionalização de gastos e processos na Administração Pública”, conforme o disposto no art. 3º dessa Instrução Normativa.
Outro importante fator foi estabelecido no Decreto Federal nº 7.840/12, cujo anexo I foi atualizado pelo Decreto Federal nº 8.802/13, prevendo a aplicação de margem de preferência para aquisição de perfuratrizes e patrulhas mecanizadas e implementos.
A margem de preferência de 20% para as aquisições, com exceção do Trator com potência até 99 cv, cuja margem é de 15%, não só fomenta a economia nacional como também estimula a indústria a desenvolver esse maquinário de maneira sustentável.
Mas não é só por meio da Lei de Licitações e Contratos Administrativos que se pode observar a preocupação do legislador em preservar o meio ambiente estimulando o desenvolvimento nacional.
A Lei nº 12.187/09, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC e estabelece seus princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos, é outro instrumento que prevê a necessidade de critérios de preferência nas licitações públicas, conforme se observa no conteúdo do disposto no art. 6, XII:
Art. 6º São instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima:
[...]
XII - as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos;
Esses são, dentre outros tantos, normativos que viabilizam a aquisição sustentável pela Administração Pública, agente que desenvolve papel fundamental no estímulo das empresas e da sociedade para a preservação ambiental.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, pode-se considerar que a Administração Pública deve afastar aquela premissa de que uma proposta vantajosa na licitação é aquela com custos econômicos reduzidos.
Num momento global de conscientização ambiental, ninguém melhor do que a Administração Pública, caracterizada como potencial consumidora de bens e serviços, bem como detentora do poder de normatizar, para impulsionar a aquisição sustentável.
Conforme referencia Carlos Eduardo Lustosa da Costa[10] no seu trabalho de conclusão do curso de especialização em auditoria e controle governamental oferecido pelo Instituto Serzedello Corrêa – ISC/TCU, há constatação de que os produtos e serviços desenvolvidos em uma sistemática ambientalmente correta são mais custosos, mas que, um consumo maciço desses produtos e serviços oportunizará a redução dos preço e motivará as empresas e a sociedade a observar critérios de sustentabilidade:
O manual do LEAP - Local Authority Environmental Management and Procurement, um projeto co-financiado pela União Europeia que objetiva permitir que os gestores realizem de forma sistemática, eficaz e eficiente “compras verdes” enquadradas, ou não, em um Sistema de Gestão Ambiental - SGA constatou que, de fato, os produtos ambientalmente eficientes de uma forma geral são realmente mais caros, entretanto, observa que a aquisição conjunta desses produtos pelas cidades europeias possui a força de reduzir custos unitários nestas aquisições como também impulsionar o mercado no desenvolvimento destes.
Na mesma linha, o IGPN - International Green Purchasing Network, a exemplo da Campanha Procura+ do ICLEI e do Programa LEAP, atenta para os custos da licitação sustentável, que apesar de ser mais onerosa para alguns produtos, não deve ser uma barreira a ser transposta pelas Autoridades Públicas em função dos benefícios sociais e ambientais a serem alcançados.
É importante destacar que critérios de sustentabilidade para estabelecer margem de preferência para a aquisição sustentável não corresponde à obrigatoriedade da aquisição sustentável.
O que se pretende com a inclusão de critérios de sustentabilidade é exatamente possibilitar aos interessados em contratar com a Administração Pública uma margem de preferência, considerando-se que, atualmente, os produtos e serviços desenvolvidos com vistas à preservação do meio ambiente são economicamente mais altos.
Conclui-se, portanto, que cabe à União – atual protagonista no cenário Nacional, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios desenvolverem ações integradas, de modo a viabilizar as aquisições públicas de maneira sustentável e estimular as empresas e a sociedade na preservação ambiental.