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Pedofilia é crime ou doença?

A falsa sensação de impunidade

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Existe uma errônea percepção de que os atos de um molestador de crianças ou pedófilo não são punidos até que haja a violência sexual contra uma criança ou um pré-púbere.

Resumo: Com o fácil acesso a informações e notícias, temos a sensação de que os crimes de estupro de crianças têm crescido. Só que, se pensarmos melhor, esse crime sempre existiu. O que vem acontecendo nos últimos 10 anos é um maior número de denúncias e de pessoas que vêm a público para contar sua história de abuso na infância. O presente artigo vem demonstrar como a palavra “pedofilia” vem sendo usada de fora indiscriminada e como existe uma errônea percepção de que os atos de um molestador de crianças ou pedófilo não são punidos até que haja a violência sexual contra uma criança ou um pré-púbere. Serão expostas também as formas de punir a pessoa que não somente tem o diagnóstico positivo de pedofilia, mas que exterioriza suas fantasias e impulsos sexuais com crianças. Assim também serão abordados os tratamentos utilizados para conter os impulsos daquele que não consegue se controlar e tenta manter contatos sexuais com crianças.

Palavras-chave: Pedofilia – Tratamento – Molestador de crianças – Dispositivos punitivos – ECA

Sumário: 1. Introdução. 2. O que é pedofilia? 3. Dispositivos que punem os atos de um pedófilo. 4. Formas de punição e tratamento de um pedófilo ativo. 5. Conclusão. 6. Referências.


1 . INTRODUÇÃO

Com a rapidez e facilidade de acesso às notícias que temos nos dias atuais, percebemos um número crescente de matérias de cunho criminal, independente do tipo de crime. Primeiramente pelo fato de jornais sensacionalistas ganharem cada vez mais audiência da grande massa populacional que esbraveja por Justiça e segundo pelo fato da exploração do emocional, tanto da vítima quanto de sua família, quanto o emocional do próprio telespectador que sente uma enorme empatia por aquele que está sofrendo.

Uma das principais notícias que mais dá “IBOPE” para esses programas é a que tem como vítima uma ou mais crianças, como agressor um adulto e como crime o abuso sexual, a exploração sexual e a prisão de quadrilhas especializadas em venda de pornografia infantil. O grande equívoco cometido pela mídia é o de classificar todos, indiscriminadamente, como pedófilos. Sendo que o agressor pode ser um molestador de crianças que não demonstra qualquer um dos traços presentes no portador de Pedofilia, doença classificada como transtorno mental de ordem sexual. Já os membros das quadrilhas, algumas vezes nem chegam a tocar nas crianças molestadas, o único intuito deles é o lucro com o fetiche doentio de algumas pessoas. Independente disso, os crimes acima descritos devem ser repudiados pela sociedade.

Neste estudo pretendemos demonstrar que assim como a esquizofrenia, a psicopatia, a sociopatia, entre outras doenças, a pedofilia também pode ser tratada para que o indivíduo portador desse transtorno mental possa evitar tentar satisfazer seus desejos com uma criança. Não estamos aqui para justificar os atos de alguém que estupra uma criança, porém demonstraremos que a doença pode afetar a pessoa de tal forma que ela deve ser julgada como inimputável e receber a absolvição imprópria. Tendo que ser tratada, não na forma ambulatorial no começo, mas, com a internação compulsória. O nosso material de pesquisa será composto por livros e artigos científicos sobre a Pedofilia.

Ao final serão retomados os principais pontos discutidos e emitidas as conclusões sobre o tema.


2. O QUE É PEDOFILIA?

A pedofilia tem várias classificações, a etimológica, a popular propagada pela mídia, e a médica. Na análise etimológica pedofilia “é uma palavra que deriva do grego ped(o), paídos – que traduz a ideia de criança e phílos – que expressa o conceito de amigo” (MONTEIRO, 2013). Já a forma popular ou como os meios de comunicação designam é a conduta de qualquer pessoa, principalmente homens, que praticam sexo ou qualquer ato libidinoso com crianças de zero a 10 anos, pois a partir dessa idade já é “aceito” numa crueldade social e até jurídica vista em alguns julgados que crianças de classes sociais mais baixas façam sexo por dinheiro ou “agrados”, desde que sejam classificadas como já “corrompidas sexualmente”.

Já a classificação médica, e a mais correta de se adotar, dever ser analisada com um pouco mais de atenção. Primeiro a pedofilia é um transtorno de preferência sexual, que se encontra junto a outras parafilias. Parafilia é um desvio de conduta sexual, ou seja, uma perversão sexual. A CID (Classificação Internacional de Doenças) nos traz primeiramente o que é parafilia:

As parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situação incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. As características essenciais de uma parafilia consistem de fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo: 1) objetos não-humanos; 2) sofrimento ou humilhação, próprios ou do parceiro, ou 3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento (FELIPE, PRESTES, 2013).

Com essa classificação podemos observar que não só a pedofilia se encaixa nessa classificação como outros comportamentos sexuais também, como o sadomasoquismo, o travestismo fetichista, voyeurismo, entre outros. Sobre a pedofilia a CID nos traz a seguinte classificação:

Uma preferência sexual por crianças, usualmente de idade pré-púbere ou no início da puberdade. Alguns pedófilos são atraídos apenas por meninas, outros apenas por meninos e outros ainda estão interessados em ambos os sexos. A pedofilia raramente é identificada em mulheres. (FELIPE, PRESTES, 2013)

Com essas duas importantes classificações podemos analisar de forma mais específica os casos mostrados na mídia. A primeira coisa a se notar é uma importante característica do comportamento do indivíduo com parafilia, o comportamento parafílico traz “sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo”. Assim ao observarmos os indivíduos presos por estupro de crianças vemos que esse ato não é comportamental, às vezes é praticado apenas um ato contra a criança, e que este ato não traz nenhum arrependimento ou sentimento de que aquilo é errado. O indivíduo só se arrepende por ter “sido pego” pela policia. A clara vontade de praticar sexo e a falta de sentimento da culpa demonstra que esse indivíduo é um molestador de crianças. Podendo em certos casos demonstrar traços de psicopatia, pois a falta de empatia e o prazer no sofrimento da vítima são características encontradas em certos estupradores em série como Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, que além de estuprar suas vítimas ainda as mordia durante o ato, com uma vontade quase animalesca e canibal de arrancar-lhes um pedaço de carne.

O pedófilo sente a atração sexual por crianças, seu comportamento é habitual, porém a satisfação e excitação sexual só duram até o final do ato, logo após vem um grande sentimento de culpa e vergonha. Pois ele sabe que seu comportamento é inadequado, violento, ilegal e principalmente imoral.

“É de salientar que não existe necessidade da presença do ato sexual entre o adulto e a criança para que possa ser considerado (o indivíduo) clinicamente como pedófilo, basta a presença de fantasias ou desejos sexuais na mente do sujeito” (CASTRO, BULAWSKI, Apud, MONTEIRO, 2013), podendo assim um pedófilo passar a vida fantasiando com crianças, mas conseguindo segurar seus impulsos sexuais, nunca chegará a praticar nenhum ato libidinoso com nenhuma delas.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), através do Manual de Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Morte, traz a pedofilia no capítulo de transtornos mentais, no que tange às Neuroses, Transtornos de Personalidade e outros Transtornos Mentais Psicóticos, sob o código 302 – Desvio Sexual, subcódigo 302.2 pedofilia.

É importante observar que um relacionamento entre um adulto e um adolescente sexualmente maduro não configura uma relação pedofilica. Vemos que um homem com uma adolescente já não gera tanta ou nenhuma repercussão negativa para o homem, pelo contrário ele ganhará a fama de “ganharão” (sic). O grande tabu encontra-se quando os dois têm o mesmo sexo. Mesmo o adolescente, por exemplo, de 17 anos a sociedade verá com “maus olhos” esse relacionamento. A grande questão aqui já não é a pedofilia ou o abuso sexual, mas o preconceito contra a homossexualidade em geral. Não se trata, portanto de questão médica e muito menos penal, mas de mero preconceito social.

Um grande problema gerado pela mídia ao expor em demasia os atos do molestador de crianças é a desconfiança daqueles que trabalham diretamente com crianças. Há por parte desses profissionais todo um cuidado para não ficarem totalmente sozinhos com as crianças. Há a desconfiança de qualquer pessoa, principalmente homens, que demonstrem carinho excessivo por crianças, o ato de colocar uma criança no colo pode ser erradamente interpretado com um ato libidinoso. Por conta dos excessos cometidos pela mídia a figura do pai carinhoso e zeloso está dando lugar à figura de um potencial “pedófilo”. Ainda mais quando, como nos dizem Jorge Trindade e Ricardo Breier “algumas atitudes pedofilicas costumam ser camufladas com aparência de brincadeiras ou jogos, que envolvem acariciamento e do tipo faz-de-conta, como brincar de médico” (TRINDADE, BREIER, Apud, SAPUCCI, 2013).

Porém, não encontraremos o início do comportamento pedofilico em homens de idade elevada. De acordo com a Tabela de Diagnósticos do Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Transtornos Mentais para a pedofilia, esse transtorno pode aparecer em indivíduos de 16 anos: “C- O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a criança ou crianças [...]” (MONTEIRO, 2013). Assim um adolescente pode acabar apresentando tal comportamento se relacionando com crianças e acaba tendo esse comportamento reforçado por se tratar de um tipo de “namorico de crianças”. Lembrando que esse tipo de comportamento dever ser habitual e não há mudanças neste conforme o indivíduo vai envelhecendo.

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Há ainda o fenômeno onde o homem sentindo-se “castrado” psicologicamente pela esposa e não tendo coragem de enfrentá-la, acaba por projetar nas filhas a figura da esposa e, como sobre elas ele tem poder, acaba por descontar toda a sua fúria e indignação nas crianças, na forma da violência sexual.

Assim para que se faça o correto uso da palavra pedófilo é preciso analisar cada indivíduo, cada caso concreto, para se verificar se aquele agressor é um pedófilo realmente ou um molestador de crianças. Por isso é importante a participação de um psiquiatra durante o processo criminal. Somente com esse diagnóstico podemos direcionar o indivíduo para a punição ou tratamento correto. Já que no caso de um molestador de crianças a pena deverá ser cumprida no sistema prisional brasileiro, enquanto um pedófilo deverá cumprir uma medida de segurança em um hospital de custódia e tratamento.


3. DISPOSITIVOS QUE PUNEM OS ATOS DE UM PEDÓFILO

No tópico anterior demonstramos que a pedofilia é uma doença, um transtorno mental, mas, isso não significa que os atos que um pedófilo pratica não serão punidos. Pelo contrário nossa legislação pune com rigor qualquer pessoa que pratique sexo com uma criança. Só que para que o pedófilo possa saciar suas fantasias existem pessoas dispostas a comercializar filmagens, fotos e até mesmo crianças, com o intuito de obter lucro com esse comércio paralelo de pornografia e exploração sexual infantil. Essas pessoas também serão punidas de acordo com a conduta feita com a criança ou com as mídias virtuais.

Dissecaremos os artigos do Código Penal e do ECA para demonstrar como condutas tidas como sem punição, têm sim, previsão legal.

O primeiro artigo a expormos não prevê uma punição, mas o direito de proteção a criança e ao adolescente que nossa Constituição traz:

“art. 227. - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[...]

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.” (grifo nosso).

Fica claro que a criança e ao adolescente têm direito de ser protegidos por toda a sociedade, desde o seio familiar até nas ruas por onde possa andar. E no § 4º observamos que a exploração sexual e o abuso são totalmente repudiados pela nossa Constituição, sendo que expressa que “a lei punirá severamente” todos que fizerem algum mal a qualquer criança ou adolescente.

No Código Penal encontramos os atos ilícitos com as penas para quem pratica o ato sexual com a criança, na presença desta, assim como o tráfico interno ou internacional de pessoas para o fim de exploração sexual. No ECA encontramos as figuras das pessoas que colaboram e/ou instigam os atos pedofílicos, como o reforço da fantasia sexual.

Comecemos pelo artigo 217-A, o estupro de vulnerável, que em sua redação proíbe e pune a pratica sexual ou qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos. Nesse ponto vale a pena ressaltar que o artigo 2º do ECA estabelece que criança é a pessoa até 12 anos incompletos e adolescente é a pessoa de 12 até 18 anos de idade. Podemos observar que o legislador que modificou o Código Penal em 2009, foi mais protetivo com relação a quem é pessoa vulnerável.

Mas, se olharmos a redação do artigo 240 do ECA, “Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”, iremos observar que há concurso de agentes e de crimes praticamente inevitável. Pois quem pratica qualquer um dos atos descritos no artigo 240 do ECA, está contribuindo para que o ato seja praticado. Julio Fabbrini Mirabete nos ensina que “Para que ocorra o concurso de agentes, são indispensáveis os seguintes requisitos: a) pluralidade de condutas; b) relevância causal de cada uma das ações; c) liame subjetivo entre os agentes; d) identidade de fato” (MIRABETE, FABBRINI, 2007, p. 227).

Aos analisarmos os requisitos e as condutas dos agentes do artigo 240 do ECA combinado com o artigo 217-A do Código Penal, fica nítido que há, sim, concurso de agentes e crimes com o estupro de vulnerável. A pluralidade de condutas fica demonstrada na própria tipificação do artigo 240, quem produz financia tudo para que o estupro aconteça, por exemplo, assim como quem filma ou fotografa participa indiretamente do ato. Aqui vemos o liame subjetivo dos agentes, todos querem que o estupro aconteça, para que assim eles tenham um “bom material” a ser posto a venda. E assim observa-se a “relevância causal de cada uma das ações”, pois se não houvesse pessoas dispostas a financiar/produzir, filmar, fotografar etc., esses tipo de pornografia, talvez, as crianças que aparecem nesses filmes nunca sofressem tal violência e o acesso e afirmação da fantasia não ocorrendo o número de crianças abusadas, talvez, diminuísse consideravelmente. Por fim a “identidade de fato” se dá por esse esforço coletivo em tentar conseguir realizar tais filmagens.

Além do concurso de agentes para os autores do artigo 240 do ECA, deve-se aplicar as agravantes do artigo 62 do Código Penal. Sendo o inciso I – “promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”, para o produtor/financiador,e o inciso IV – “ executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa”, para os demais, incluindo quem pratica sexo com a criança.

Com o exposto acima pode surgir a seguinte dúvida “Então as pessoas que cometem os atos descritos nos artigos 241, 241-A e 241-B do ECA também não deveriam entrar em concurso de agentes?”. Observemos os artigos:

“Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.

Se examinarmos atentamente todas as condutas os agentes não incorrem diretamente no resultado estupro. Quando o material chega a suas mãos ele já está editado e pronto. Nesse caso falta a identidade de fato, pois o crime já está consumado quando o vídeo é “apresentado” aos compradores. Salvo se ele mesmo é quem abusa da criança na filmagem.

Aqui há um ponto importante a salientar, no artigo 241-C do ECA, “Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual”, a simples simulação já é caracterizada como ato ilícito. Esta simulação pode ser de um adulto se fazendo passar por adolescente, até os conhecidos Hentais. Estes são animações de origem japonesa voltadas ao erotismo e pornografia. Numa análise mais crítica o Hentai, mesmo sendo somente um desenho, pode ser classificado como mais grave. Pois na simulação é um adulto que atua. Pode-se ver que é uma fantasia sexual, o ato de tirar a “inocência”, a virgindade de uma jovem. Mas, percebe-se nitidamente que aquela jovem ou aquele jovem que faz o papel de criança ou adolescente não o é. Já no Hentai fica claro que há um adulto, algumas vezes o próprio pai, abusando de uma criança.

Se analisarmos cuidadosamente vê-se que todas as condutas acima descritas reforçam a fantasia pedofilica. Esse reforço passa a ser tão intenso que o pedófilo pode acabar por perder, temporariamente, sua noção de certo e errado, moral e imoral, e acabar por praticar atos libidinosos e sexuais com crianças e adolescentes.

Com sua vontade sexual chegando ao ponto de ser incontrolável, o pedófilo que não tem contato direto com crianças ou, se tem, tem medo de ser pego abusando da criança ou subtraindo-a para praticar o abuso, acaba não resistindo aos impulsos e praticando mesmo assim os atos criminosos. Neste momento entram em cena tanto pais inescrupulosos, quanto as grandes organizações de tráfico humano. Para satisfazer-se o pedófilo recorre a um desses agentes.

Se pararmos para analisar, toda essa situação gera um ciclo de violência e abuso sexual infanto-juvenil.

Então, além do tratamento do pedófilo é preciso que a sociedade combata e acabe com as redes de prostituição infanto-juvenil.


4. FORMAS DE PUNIÇÃO E TRATAMENTO DE UM PEDÓFILO ATIVO

“A maioria dos pedófilos apresentam problemas psiquiátricos, sendo que alguns também foram abusados quando criança” (SAPUCCI, 2013). Entretanto, é preciso recordar que nem toda criança abusada vira um abusador quando cresce.

“O diagnóstico de parafilia não supõe por si mesmo uma modificação da imputabilidade. Tais condutas estarem catalogadas como doença mental, não quer dizer que não haja lugar à sanção penal, dado que o ordenamento jurídico tem os seus próprios critérios, segundo os quais só algumas das pessoas portadoras de doença mental, pela natureza ou intensidade desta, podem ser suscetíveis a que se reconheça sua irresponsabilidade penal”. (GONÇALVES, GRAÇA, ALMEIDA, VIEIRA, 2013).

Tanto o pedófilo como o molestador de crianças pode, e se estiverem com a sanidade plena, devem ser considerados imputáveis. Assim como, se num exame clínico, ambos padecerem de grave transtorno mental, devem ser tratados como inimputáveis.

“O psiquiatra neste tipo de avaliação deve transcender o simples colocar de diagnóstico, que pouca informação útil traz face à variabilidade de capacidade funcional dentro de cada nosologia, e averiguar se cognitivamente, intelectualmente e emocionalmente é ou não aquele doente capaz” (GONÇALVEZ, GRAÇA, ALMEIDA, VIEIRA, 2013).

Como apontado no tópico anterior, nossa legislação pune qualquer tipo de ato lesivo à integridade física e psíquica da criança Sendo que a pena mais alta é a do estupro de vulnerável, artigo 217-A, CP. A pena prevista para o estupro no caso do “caput”, é de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão. Nos parágrafos 3º e 4º, vemos as formas qualificadas. Se do ato resulta lesão corporal de natureza grave, §3º, a pena é de reclusão de 10 a 20 anos. E caso a violência resulte em morte, §4º, a pena é de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Será que a solução para um indivíduo reconhecidamente dominado por uma patologia, como o pedófilo, é trancafiá-lo por longos anos sem nenhum tratamento clínico adequado que vá realmente curá-lo?

Como a pedofilia é um transtorno mental e o individuo portador deve ser tratado e acompanhado pela vida inteira, Ana Selma Moreira leciona:

“Ao sair do cárcere, o pedófilo está apto a retornar para o crime, pois os estabelecimentos prisionais não oferecem tratamentos adequados e, quando o ‘reeducando’ regressa à sociedade continua com o transtorno parafílico, porém, como o conhecimento de técnicas mais avançadas para a prática de delitos. É devido a essa situação que o pedófilo deve ser tratado com as técnicas correspondentes ao seu problema, pois ao visar o mundo e lhe dar sentido, o sujeito percebe e dá sentido ao seu ser no mundo” (Apud, TAMADA, 2013).

Assim a simples punição penal, de restrição de liberdade, não atinge a principal fonte do problema, a mente perturbada do pedofílico. Ao misturá-lo com os demais presos primeiramente ele sofre o risco de ser assassinado. Pois, como é sabido, dentro do sistema prisional existem “leis” próprias que os presos seguem, como um código de conduta que os próprios presos se impõem, no qual uma delas é a pena capital para quem estupra crianças. E segundo, se ele sobreviver ao cumprimento da pena, lá dentro poderá aprender diversas formas de despistar as autoridades em caso de reincidência. E até mesmo conseguir alguns contatos com o submundo do crime.

No artigo 26 do Código Penal temos os casos onde se aceita a inimputabilidade penal. Sendo que o “caput” descreve os inimputáveis e o parágrafo único descreve os semi-imputáveis:

“Art. 26. - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Sendo que em qualquer um dos casos cabe a Medida de Segurança. A Medida de Segurança é especificada nos artigos 96 a 99 do Código Penal:

“Art. 96.As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

Art. 97. - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.

§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

Art. 98. - Na hipótese do parágrafo único do art. 26. deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Art. 99. - O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”.

Como podemos observar, no artigo 96 existem duas possibilidades de Medida de Segurança. Mas, qual delas deve ser aplicada?

Isso irá depender do grau de periculosidade do agente. O inciso I, internação, pode e deve ser aplicado para aquele que tem sua capacidade mental totalmente afetada por outra doença, como a esquizofrenia, por exemplo, e até mesmo aqueles que no momento do fato tinham algum discernimento entre o certo e o errado.

“A Medida de Segurança tem função preventiva e busca afastar o inimputável ou o semi-imputável perigoso, devido ao seu distúrbio, do convívio social por tempo indeterminado, pois tal medida só cessa quando não houver mais perigo. O caráter perigoso se faz com a comprovação da qualidade sintomática de perigo (diagnóstico da periculosidade), e depois a comprovação da relação entre qualidade e futuro criminal do agente (prognose criminal). Periculosidade pode ser verificada de maneira real quando o juiz verifica de acordo com o caso concreto, ou presumida, quando a própria lei estabelece que determinado indivíduo deve ser submetido à Medida de Segurança, sem necessidade de avalição de perigo” (MOREIRA, Apud, TAMADA, 2013).

Moscatello nos traz o ponto de vista psiquiátrico sobre a Medida de Segurança:

“Do ponto de vista psiquiátrico-forense na área criminal, a Pedofilia deve ser considerada uma perturbação da saúde mental e consequente semi-imputabilidade, já que o indivíduo era capaz de entender o caráter criminoso do fato e era parcialmente ou incapaz de determinar- se de acordo com esse entendimento (perda do controle dos impulsos ou vontade). Quando associada ao Alcoolismo, Demência Senil ou Psicoses deve ser considerada a inimputabilidade. Em consequência é imposta Medida de Segurança detentiva (internação em Hospital de Custódia) ou restritiva (tratamento ambulatorial) por tempo indeterminado e que demonstra ser o procedimento mais humano, terapêutico, eficaz e de prevenção social” (MOSCATELLO, Apud, TAMADA, 2013).

Podemos dizer que a Medida de Segurança tem duas funções, resguardar a sociedade e tratar a pessoa que comete crimes quando é dominada pela doença.

Outra forma de punição que vem sendo aplicada em outros países e que tem mostrado bons resultados é a Castração Química.

“É evidente que a castração química não é a castração física. Na castração física são retirados os testículos onde são produzidos cerca de 95% da testosterona masculina, hormônio responsável pelo desejo sexual. Já a castração química, consiste na aplicação de um hormônio feminino denominado Depo-Provera, que nos indivíduos de sexo masculino, diminuem significativamente a produção de testosterona, provocando a diminuição da libido masculina” (MOSCATELLO, Apud, TAMADA, 2013).

Alguns países que adotam a castração química são a Suécia, Alemanha, Dinamarca e nos estados norte-americanos do Texas, Montana e Califórnia. No Brasil há experiências sendo realizadas em condenados por abuso sexual, com consentimento das pessoas, pela Faculdade de Medicina da região do ABC Paulista, Ambulatório de Transtorno da Sexualidade (ABSex) (STERTNER, RODRIGUES, 2013).

No Brasil dificilmente um projeto de lei no qual a pena seja a castração química, será aprovado, pois é inquinado de inconstitucionalidade. Uma vez que no artigo 5º, XLIX, dispõe que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, qualquer intervenção arbitrária sobre o corpo ou o psiquismo da pessoa humana torna-se inviável juridicamente.

Como a castração como pena não é constitucional, formula-se a seguinte indagação: E se a aceitação do tratamento fosse um requisito a mais para o favorecimento à progressão de regime do preso?

Aguiar nos traz dados que não podem ser deixados de lado:

“Pesquisas indicam que a reincidência de criminosos sexuais cai de 75 para 2% após a aplicação do hormônio feminino. Trata-se de uma estatística que não pode ser desprezada. Várias pessoas deixaram de ser vitimizadas por estupros e atentados violentos ao pudor, com o uso dessa alternativa” (AGUIAR, Apud, TAMADA, 2013).

Num quadro comparativo do tratamento psicossocial com a castração química Seligman e Rosenhan nos apresentam os seguintes resultados:

Tratamento das Parafilias 1

Abordagem Psicossocial

Castração 2

Melhora

Mais de 50%

Mais de 90%

Recaída3

Baixa e moderada

Alta

Efeitos Colaterais

Nenhum

Moderado e Severo

Custos

Baixo

Baixo

Tempo Necessário

Semanas/meses

Semanas

Resultado

BOM

MUITO BOM

1 Para todos os tipos de parafilia.

2 Tratamento para estupro e pedofilia.

3 Recaída após a descontinuação do tratamento.

Fonte: Tabela de SELIGMAN, RESNHAM, apud TAMADA, 2013.

Talvez uma união da abordagem psicossocial com a castração química poderia obter algo próximo de 100% de melhora, com um índice baixo de recaída.

Moscatello explica o motivo da castração química ser tão eficaz:

“O tratamento pode ser farmacológico e/ou psicoterapia cognitico-comportamental. Os medicamentos agem diminuindo os níveis de testosterona (acetato de ciproterona, acetato de medroxigesterona, acetato de leuprolide). É comumente usado nos EUA e no Canadá (chamada “castração química”). Os inibidores seletivos de recepção da serotonina (fluoxetina e sertralina entre outras) também são usados inicialmente ou em formas mais leves. As taxas de recidiva criminal são sempre menores entre aqueles pedófilos submetidos a tratamento se comparados com os sem tratamento e as respostas terapêuticas podem ser satisfatórias” (MOSTATELLO, Apud, TAMADA, 2013).

Infelizmente, mesmo com ótimos resultados, por ser um tratamento hormonal acaba por desregular o organismo do paciente, trazendo vários efeitos colaterais. “Tais efeitos causam queda da libido, impotência sexual masculina, atrofia testicular, redução da massa muscular rarefação de pelos (a distribuição dos pelos passa a respeitar o padrão feminino)” (ROSA, Apud, STETNER, RODRIGUES, 2013). Por conta disso verificamos mais um ponto que vai contra a dignidade da pessoa.

Com todas “as cartas na mesa” devemos ponderar sobre o que é mais benéfico tanto para a sociedade quanto para o pedófilo. Se mesmo com a chance de sofrer com os efeitos colaterais, o pedófilo aceita o tratamento, nada mais justo que o Estado o disponibilize de forma gratuita. Pois ambos se beneficiariam. Já caso o pedófilo não aceite o tratamento vale a pena correr o risco de reintegrá-lo à sociedade sem nenhum tipo de tratamento?

Talvez com o avanço da ciência possamos ter um tratamento seguro e eficaz podendo ser aplicado sem qualquer tipo de problema, tanto jurídico como clínico. No momento, as normas constitucionais não permitem a imposição do tratamento, ainda que como requisito para benefícios no cumprimento da pena, tais como progressão de regime ou livramento condicional, pois que mesmo nestes termos, se configuraria uma coação indireta para atuação sobre o corpo e o psiquismo do agente.

Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Verônica Magalhães de Paula

Bacharelanda do 5º Período do Curso de Direito da Unisal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; PAULA, Verônica Magalhães. Pedofilia é crime ou doença?: A falsa sensação de impunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3822, 18 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26183. Acesso em: 5 nov. 2024.

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