2. Em nome do verdadeiro cooperativismo
A intenção daqueles que editaram a lei ou dos que a defendem é certamente a melhor possível. A armadilha, porém, é visível e cruel: estamos matando o verdadeiro cooperativismo, asfixiando ainda na infância talvez a mais louvável tentativa das últimas décadas de verdadeira socialização dos meios de produção e de ruptura com a lógica de exploração capitalista do trabalho humano.
Uma cooperativa de trabalhadores efetivamente autônomos nem sempre terá condições de cumprir as exigências da lei. E mesmo que as tenha, não faz sentido algum, para o verdadeiro cooperativismo, tratar de férias ou horas extras. Em verdade, cria-se um monstro digno do personagem de Mary Shelley: um frankestein - nem relação de emprego nem relação de sociedade cooperativa. Apenas o pior dos dois lados.
O prejuízo não será apenas das verdadeiras cooperativas, que certamente perecerão diante das exigências da lei 12.690. Também as pequenas e médias empresas, que respeitam os direitos trabalhistas, estarão em situação de desigualdade no mercado, já que o menor preço é via de regra o elemento preponderante na escolha de produtos e serviços.
Para que o verdadeiro cooperativismo floresça precisamos de trabalhadores fortes, capazes de gerir sua própria força de trabalho, de colocar limite aos anseios do mercado, de se posicionar.
Enfim, temos de garantir aos trabalhadores a autonomia de que nos fala Marx, a fim de proporcionar a sua emancipação. Se é assim, por que não discutimos a eficácia da lei que já existe desde 1971? Por que simplesmente não tentamos aplicá-la?
Franquear "acesso ao mercado" às cooperativas de trabalho subordinado, que de cooperação só tem o nome, implica - e é importante que não esqueçamos - vedar esse mesmo acesso às verdadeiras cooperativas e a todos os empregadores que insistem em respeitar a legislação trabalhista, contratando diretamente seus empregados, reconhecendo-os como tais e garantindo-lhes os direitos sociais.
Trata-se de coisas absolutamente diversas: dentro do sistema capitalista, a relação entre trabalho e capital tem de ser amplamente regulada, garantindo-se, sempre, a integralidade dos direitos constitucionalmente previstos. Por outro lado, a partir da concepção socialista pressuposta pelo verdadeiro cooperativismo, o que importa é garantir autonomia aos trabalhadores, dar-lhes efetivamente a possibilidade de gerir seus meios de produção e de preservar o resultado de seu trabalho.
Bem por isso, o desemprego estrutural não é motivo para que defendamos a extinção dos direitos dos trabalhadores, nem a promoção de desigualdades, através dessa figura esquizofrênica de cooperativa de serviços.
O cooperativismo vale por sua tentativa de realizar a transição do modelo capitalista liberal para uma realidade pautada pelo paradigma da solidariedade. Não combate, e nem poderia, as mazelas do capitalismo, tal como o desemprego ou a precarização das condições do trabalhador subordinado. Se assim o compreendermos, o sufocaremos mesmo antes de verdadeiramente o experenciarmos.
Conclusão
O cooperativismo é uma ideia de produção socialista inserida, em países como o nosso, na lógica capitalista de produção. Essa talvez seja a maior dificuldade para a compreensão do fenômeno e das consequências de sua cooptação pelo Estado.
O verdadeiro cooperativismo, com todas as dificuldades que terá de enfrentar ao concorrer no mercado com empresas capitalistas, pode consolidar-se como uma medida de transição do sistema, na linha do que parece pretender nossa Constituição.
É uma pena que tenhamos, com tamanha facilidade e docilidade, sucumbido à tentação de assimilação do cooperativismo, transformando-o em uma forma mais barata de explorar força de trabalho.
Impossível não recordar o filme “O Advogado do Diabo”, em que após provar as consequências cruéis de sua própria vaidade, o homem – na cena final – sucumbe novamente ao discurso falacioso.
A proteção que identifica o Direito do Trabalho serve ao modelo econômico capitalista que adotamos. Precisamos de trabalhadores com um mínimo de direitos assegurados, que consumam e tenham oportunidades de lazer, porque só assim a economia se desenvolverá. Precisamos de regras que permitam uma concorrência leal no mercado de trabalho, sob pena de condenarmos ao insucesso o sem-número de empregadores que observam as leis trabalhistas e batalham, de modo incansável, pela sobrevivência de seu empreendimento.
Ao lado dessa realidade, estamos tentando introduzir um modelo novo de gestão solidária. Se não compreendermos que a lógica aqui é diversa, cairemos na armadilha que a lei propõe.
A lei 12.690 é, pois, inconstitucional em todas as perspectivas. Inconstitucional porque trata como meio empregado um sócio cooperado. Inconstitucional porque admite expressamente intermediação de mão de obra, quando o ordenamento jurídico estabelece que a exploração da força de trabalho se dá entre dois sujeitos: empregado e empregador. Inconstitucional porque promove a desigualdade entre pessoas que realizam a mesma atividade. Por fim, inconstitucional porque subverte o conceito de cooperativismo, retirando-lhe a força necessária para efetivamente florescer em um ambiente capitalista de produção.
Referências Bibliográficas
BARASSI, Il Contratto di Lavoro. Giuffrè: Milano, 1957.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
MÉSZAROS, István. A teoria da alienação e Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho, volume I: parte I. São Paulo: Ltr, 2011.
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