No debate moral e jurídico moderno podem-se perceber alguns temas tabus, tais como casamento indissolúvel, trabalho doméstico das mulheres e vocação da mulher à maternidade. Estes temas estão cercados pelo preconceito, pelo sensacionalismo e pela emotividade. Portanto, esse artigo encabeçará a desmistificação dessas temáticas, apresentando como ponto fundamental a opção pelo casamento indissolúvel e a sua congruência com o ordenamento jurídico pátrio, em especial a liberdade de consciência e de autodeterminação do estado de vida[1].
A trajetória do casamento indissolúvel no Brasil e no mundo seguiu um ciclo de ascensão e declínio ao longo dos séculos. Na história da humanidade, a doutrina católica sempre afirmou que o casamento, validamente contraído como instituição natural, é indissolúvel. Isto significa que a união afetiva de um homem e uma mulher, que não exclua a procriação e a educação dos filhos, e formalizada perante a autoridade da comunidade, é por natureza indissolúvel, valido para todos os homens pelo simples fato de ser homem[2].
Esta doutrina foi majoritária em todo o direito medieval e influenciou os códigos civis de todos os países cristãos a ponto de o casamento indissolúvel se tornar a regra em toda a Europa a partir do século XII[3]. Tal situação permaneceu sólida até meados do século passado, com a introdução do divórcio na legislação dos países ocidentais, modulação tomada hoje como quase obrigatória[4].
Os efeitos negativos dessa política familiar logo foram diagnosticados em vários relatórios científicos que demonstram o grande dano social do divórcio e as suas elevadas taxas que têm sido verificadas no mundo ocidental[5]. Os fatos demonstram que só no Brasil o divórcio cresce ano a ano, sendo que no ano de 2011 alcançou a maior de toda a história brasileira. Essa taxa recorde teve um aumento significativo com a aprovação do divórcio direto pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010.[6] Sobre as consequências das políticas divorcistas veja-se a respeito o estudo realizado pela SOCIAL TRENDS INSTITUTE:
“Desde 1960 hasta el año 2000, el número de divórcios se ha duplicado en Estados Unidos, del 20% al 45% de todas las primeras nupcias. (Nota: este porcentaje ha disminuido com moderación desde 1980.) La información parece indicar que aproximadamente dos tercios de todos los divorcios con niños involucrados que se rompieron eran matrimonios poco conflictivos, en los que los motivos de la ruptura no fueron los abusos emocionales ni la violencia doméstica. Desgraciadamente, estos niños parecen arrastrar la carga más pesada del divorcio de sus padres. Los niños de hogares rotos tienen más probabilidades de divorciarse cuando sean adultos, experimentar problemas matrimoniales, sufrir alguna enfermedad mental, cometer un acto delictivo, dejar el colegio, no tener buenas relaciones con uno o ambos padres y tener dificultades a comprometerse ante una relación. Además, en la mayoría de aspectos, volverse a casar no ayudará a los niños que han sufrido un divorcio. Los niños que crecen en familias con un padrastro o madrastra experimentan los mismos niveles de fracaso, embarazos en la adolescencia y atividades delictivas que los niños que permanecen en un hogar monoparental después de un divorcio.
“El divorcio también se asocia a la pobreza, la depresión, el consumo de sustancias adictivas y una mala salud entre los adultos. Em términos generales, el divorcio generalizado envenena la cultura del matrimonio más extendida, en la medida en que siembra la desconfianza y una mentalidad de poco compromiso entre los adultos casados y los que no lo están. Es muy probable que las parejas que tienen un punto de vista permisivo sobre el divorcio inviertan menos en sus matrimonios y no estén felizmente casados.
“Por todas estas razones, el divorcio es una amenaza para el matrimonio, daña a los niños y tiene unas consecuencias nefastas para toda la nación.”[7]
Tanto a tendência ao divórcio quanto as taxas de uniões estáveis cresceram; contudo, a taxa de casamentos ainda é elevada, o que demonstra a grande força vital do casamento para a felicidade pessoal e para a constituição da sociedade[8]. Apesar das correntes divorcistas, feministas radicais, neo-marxismos e a ideologia do gênero pregarem o contrário[9] -com a ajuda de grande parte da mídia que exerce um papel desagregador muito forte na relação matrimonial monogâmica-[10], o casamento e a família natural permanecem os pontos centrais de referência social e legislativo em todos os países. A sabedoria dos povos, como se vê, está confirmada pelos dados estatísticos: a família é a base da sociedade[11]. Contudo, apesar do esforço de algumas instituições que buscam preservar e promover a família, o universo social e jurídico desfavorável pode levar a um caos familiar e, portanto, social de grande repercussão e com efeitos duradouros e muito onerosos para toda a sociedade ocidental[12].
Em primeiro lugar se observa a queda da taxa de natalidade. Em casamentos cada vez mais raros, e com duração imprecisa, onde o ordenamento adere à vontade de devolver o vínculo no primeiro momento, gera-se uma instabilidade da instituição familiar que provoca a diminuição dos nascimentos[13].
De outra parte, os filhos vêem deteriorada sua qualidade de vida (com a instabilidade de seu aspecto econômico, e principalmente afetivo), o que tem por efeito a tendência a perpetuar a mesma conduta.[14] Assim, o divórcio gera divórcio: a instabilidade de uma separação acarreta um efeito perturbador no ambiente social, que perpetua e acresce o quadro de insegurança familiar[15].
O impacto do divórcio no casamento e na qualidade da educação dos filhos é assustador. Os dados revelam que o divórcio gera mais delinquência e marginalização entre os filhos de casais divorciados, índices bem maiores do que de adolescentes que procedem de famílias estáveis. Essa taxa se repete no caso de consumo de drogas, diminuição do rendimento escolar, e atentado sexuais contra esses jovens. Tais conclusões constam no estudo nomeado Efeitos do Divórcio para as Crianças:
“Separação enfraquece todas as principais instituições da sociedade. Nos Estados Unidos, mais de um milhão de crianças por ano são vítimas inocentes do divórcio dos pais. O divórcio machuca os pais, mas são as crianças as que mais sofrem, conforme demonstrado por pesquisas recentes. O estudo Efeitos do Divórcio sobre as Crianças, de Patrick F. Fagan e Aaron Churchill foi publicado em janeiro pelo Marriage and Religion Research Institute (Instituto de Pesquisas sobre Casamento e Religião). Baseando-se numa vasta gama de pesquisas já publicadas sobre os efeitos do divórcio, o relatório analisa uma série de áreas em que o dano é evidente para as crianças. A primeira área é a da relação entre pais e filhos. Como esperado, o divórcio tem efeito negativo sobre a capacidade dos pais de interagir com os filhos.
“Um estudo descobriu que o estresse causado pelo divórcio prejudica a relação entre mãe e filhos no caso de 40% das mães divorciadas. O dano é mais pronunciado quando as crianças estão na escola e na faculdade. Em termos práticos, isto significa que, após o divórcio, as crianças recebem menos apoio emocional, assistência financeira e ajuda dos pais. Há também uma diminuição no estímulo acadêmico, na auto-estima, na afetividade e no incentivo à maturidade social. Menos momentos de lazer e mais castigos físicos são outra consequência da separação dos pais para as crianças.
“O estudo revela que a maioria (cerca de 90%) das crianças permanece com a mãe depois do divórcio. Isto dificulta que o pai mantenha laços estreitos com os filhos. O estudo mostra que quase a metade das crianças disseram que não tinham visto o próprio pai durante o último ano. Outro aspecto analisado pelo estudo de Fagan e Churchill é o efeito do divórcio na prática religiosa das crianças. "Depois do divórcio, eles ficam mais propensos a parar de praticar a fé". O declínio na prática religiosa impede as crianças de conhecerem e internalizarem os efeitos benéficos da educação religiosa: a estabilidade do casamento, a educação, a capacidade de produzir renda, a saúde física e mental. Uma parte do estudo examinou como o divórcio afeta as atividades educativas. No ensino fundamental, por exemplo, houve um declínio imediato no desempenho escolar. No ensino secundário, filhos de famílias sólidas têm resultados significativamente melhores do que os colegas cujos pais se divorciaram. Aos 13 anos, por exemplo, há uma diferença de meio ano em habilidades de leitura entre os filhos de pais divorciados e os filhos de famílias estáveis. [...]
“O estudo aponta que o divórcio tem um custo econômico não só para as famílias, mas também para o governo e para a sociedade. As estatísticas mostram que filhos de famílias divorciadas são mais propensos a se envolverem em comportamentos delinquentes, brigas, roubos e abuso de álcool e drogas. Além disso, "o divórcio perturba a estabilidade psicológica de muitas crianças", prossegue o texto. O estudo em questão cita um levantamento feito com alunos de sétima e oitava séries, que revelou que o divórcio dos pais foi o terceiro fator mais estressante em uma lista de 125 eventos. Somente a morte de um dos pais ou de um parente próximo é mais estressante do que o divórcio. Devemos acrescentar que o impacto psicológico não é passageiro. Mesmo adultos, aqueles que sofreram o divórcio quando crianças experimentam um número maior de problemas emocionais e psicológicos do que aqueles que vêm de uma família estável.
“Entre as consequências do divórcio conta-se também um número crescente de abuso e negligência de menores. Um estudo realizado no Brasil mostrou que crianças que vivem em famílias com presença de padrastos são 2,7 vezes mais sujeitas a abusos do que as crianças que vivem em famílias estáveis formadas pelos próprios pais. A parte final do estudo explica que, ao contrário dos pais divorciados, que muitas vezes conseguem encontrar alívio após a separação, o sofrimento das crianças continua durante muito tempo depois do divórcio. Os efeitos negativos podem durar até três décadas. Para Fagan e Churchill, "o divórcio tem efeitos que prejudicam as crianças e todas as cinco grandes instituições da sociedade: a família, a igreja, a escola, o mercado e o próprio governo".
“Com o alto número de divórcios que se verificam hoje, as consequências debilitantes continuarão se manifestando nos próximos anos. Não é um pensamento reconfortante, considerando a tendência cultural que critica a família natural e procura redefinir o matrimônio.[16]”
Como se verifica, os estudos demonstram o drama nas famílias que o divórcio causa e as graves consequências psicológicas, sociais, econômicas e espirituais para os casais e as crianças[17]. Este conglomerado de efeitos daninhos do divórcio não é levado em consideração na formulação das políticas públicas para as famílias. Nenhuma campanha é feita em prol da estabilidade do casamento e apoio aos casais em situação de risco. Os gastos sociais que o divórcio acarreta são onerosos para as contas públicas nos países com altas taxas de divórcio[18].
As causas dos divórcios são as mais variadas, mas se pode notar que a maioria dos divórcios se concentra nos primeiros cinco anos de casamento, fruto da imaturidade do casal e da falta de discussão das questões mais básicas antes do casamento: número de filhos, divisão das contas e das tarefas. O que se percebe é um despreparo na formação dos noivos e falta de conhecimento das condições da vida a dois[19].
As outras causas mais comuns do divórcio são o adultério, a consumo de bebidas alcoólicas -o que gera violência doméstica[20]. As pesquisas sobre as causas do divórcio, ainda são tímidas no Brasil, e merecem uma atenção das instituições de pesquisas sociais tanto no Brasil como no mundo.
Este quadro, contudo, demonstra que uma boa política de preparação matrimonial e apoio aos casais em momento de crise poderiam diminuir em muito o número de divórcios, e assim gerar um maior bem estar pessoal e social.
Diante desse quadro, parece que o fortalecimento da família e do matrimônio é uma urgência social que necessita de medidas firmes, e talvez impopulares, de modo a reverter a situação. Caso contrário o histórico atual demonstra que a sociedade poderá entrar numa crise de reposição das gerações, de violência, de depressão, e de desordem social sem precedentes.
Para tanto convém restituir o casamento indissolúvel, não como a regra, mas como uma opção para os casais que assim o desejarem. Desse modo, todos os casais, independentemente de orientação religiosa, poderão fazer uso dessa opção antes da celebração do casamento, que acarretará o fortalecimento da instituição familiar.
O texto constitucional não veda a indissolubilidade apesar de garantir o divórcio. Do mesmo modo diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao afirmar terem iguais direitos homens e mulheres na determinação da duração ou dissolução de seu matrimônio. Ora, assim, se optarem livremente pela duração indissolúvel por toda a vida o seu direito, estariam exercendo seus direitos sem restrições[21].
Na prática, portanto, para aqueles casais que optarem livremente pela indissolubilidade do matrimônio, estariam eles sujeitos a um regramento similar ao previsto no Código Civil de 1917, que disciplinava as possibilidades do desquite no caso da necessidade da separação de fato, sem, contudo, dissolver o vínculo[22].
Esta medida traria com consequência um fortalecimento da instituição matrimonial pela opção irretratável dos esposos de permanecerem casados por toda a vida, ainda que a convivência seja impossível na prática. O regime opcional também garantiria a efetividade da liberdade de consciência dos casais que possuem a percepção moral de que o casamento é estabelecido por toda a vida, o que a lei civil não deve menosprezar. A liberdade de contrair matrimônio, portanto, estaria devidamente salvaguardada, sem prejudicar o regime do casamento com a cláusula do divórcio.
A terceira vantagem reside no fato de que, além do fortalecimento do casamento e da família, e da efetividade da garantia da liberdade de consciência (não devidamente protegida com o regime do divórcio obrigatório), se daria a possibilidade de se comparar os dois regimes e as consequências sociais de cada um deles.
É claro que o divórcio deve ser a exceção numa relação conjugal e que o Estado deve promover estudos e pesquisas sobre o tema, de modo a tomar medidas para diminuir da taxa de divórcio e assim buscar um maior bem-estar familiar, o que redunda diretamente na qualidade de vida de toda a comunidade. Ora, o Estado tem o dever de apoiar a família em face do mandamento constitucional (art. 226) e da natureza do próprio vínculo e seu impacto no bem-comum[23]. A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que a “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito á proteção da sociedade e do Estado.”[24] Nesse mesmo sentido podemos citar também a Constituição Portuguesa que em seu art. 67 reconhece “a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”
Também os direitos sociais à proteção à maternidade e à infância estariam sendo promovidos pela diminuição do índice de divórcio e pela fortificação dos laços familiares, com a garantia da segurança jurídica das relações duradouras. A mulher, em um ambiente de maior estabilidade familiar, social e jurídica, tende a querer ter mais filhos e a os educar melhor. O casamento de pessoas comprometidas com a instituição familiar traz mais segurança física, afetiva e social às mulheres, senão se veja:
“Por supuesto, el matrimonio también afecta de forma especial a las mujeres. Cuando se trata de seguridad física, las mujeres casadas tienen menos probabilidades de ser víctimas de delitos violentos. Por ejemplo, un informe del Departamento de Justicia de Estados Unidos de 1994 descubrió que las mujeres solteras y las divorciadas tienen cuatro veces más probabilidades que las casadas de ser víctimas de um delito violento. Las mujeres casadas tienen menos probabilidades de ser víctimas de maltrato por su pareja que las mujeres que viven em cohabitación o que mantienen una relación íntima. Un estudio ha descubierto que el 13% de las parejas de hecho tuvieron discusiones violentas en el año 2003, comparado con el 4% de las parejas casadas. Los estudios sugieren que una de las razones por las que las mujeres solteras que mantienen una relación tienen más posibilidades de ser víctimas, es que estas relaciones tienen unos índices más altos de infidelidad, y la infidelidad es un grave problema para la pareja. Por tanto, para la mayoría de las mujeres el matrimonio es un seguro. Lo que importa no es sólo el estado civil, sino el ideal del matrimonio. Las personas casadas que aprecian el matrimonio por sí mismo –que se oponen a las parejas de hecho, que piensan que el matrimonio es para toda la vida y que creen que es mejor que sean el padre y la madre unidos en matrimonio los que críen a los niños– tienen muchas más probabilidades de formar un matrimonio que funcione, en comparación con las personas casadas que están menos comprometidas con la institución del matrimonio”.[25]
Os homens por outro lado, estariam mais obrigados a manterem os laços familiares e assumirem as obrigações paternas de modo a possibilitar uma vida familiar em bom nível de satisfação. De outro lado, também ficaria desmitificada a maternidade como uma vocação natural da mulher à custa da exclusão da dedicação a um trabalho profissional. A Constituição Portuguesa coloca de forma ainda mais clara a responsabilidade de ambos os sexos na educação e proteção da família em seu art. 68 ao estabelecer que “os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos”; diferentemente, na Constituição Brasileira se estabelece somente que tanto a maternidade como a paternidade são valores sociais eminentes. Assim se sugere que a legislação constitucional lusitana deveria ser adotada no Brasil, de modo a propiciar um maior equilíbrio nas relações conjugais e maior proteção aos filhos, ressaltando o papel insubstituível dos pais.
É de suma importância, como tem advertido a OIT[26], que sejam estabelecidas políticas de conciliação do trabalho e da família, tanto para os homens como para as mulheres, de modo a que o trabalho não seja um fator de desestabilização familiar, senão de reforço da vida em família. Sabe-se que pessoas com problemas familiares rendem menos no trabalho- e que, ao contrário, um nível de satisfação familiar gera trabalhadores mais criativos e produtivos[27]. Em especial, novas políticas devem emergir para que a mulher possa desempenhar com gratificação a sua vocação maternal e profissional, sem conflitos e divisões estéreis.
A alegria de uma família bem constituída é um bem de valor incomensurável e um projeto de vida que abarca todas as facetas da felicidade humana -afetiva, social, econômica e espiritual- e, portanto, todo o esforço para consolidar este projeto é de grande valia para as pessoas e para toda a nação.