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Habeas corpus, perda de objeto e a cumplicidade do Judiciário com a irresponsabilidade estatal

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Na tentativa de se aliviar a atividade julgadora nos tribunais superiores, a jurisprudência recente tem demonstrado a tomada de caminho perigoso, por meio da opção restritiva de interpretação constitucional das garantias fundamentais.

Resumo: O trabalho apresentado é dirigido à discussão da efetividade da garantia constitucional do Habeas Corpus, a qual tem sido diminuída pelas Cortes brasileiras no afã de enfrentar o aumento no volume de impetrações dos últimos anos. Esse fato, além de desrespeitar a norma maior, em variadas situações processuais, tem gerado prejuízos que extrapolam a seara penal, especialmente quando há julgamento de prejudicialidade pela conquista prévia, e por motivo diverso, da liberdade ambulatorial do paciente, sem a análise da ilegalidade ou do abuso de autoridade. Tais circunstâncias serão analisadas por meio de casos práticos específicos.

Palavras-chave: Habeas Corpus, responsabilidade estatal, perda de objeto, direitos fundamentais, segurança jurídica, medida sócio-educativa, prisão cautelar, regime prisional.


INTRODUÇÃO

Imagine-se uma situação com os seguintes elementos: ato ilícito praticado, agente processado, restrição da liberdade no curso da ação, impetração de Habeas Corpus com julgamento pendente, absolvição. Resultado: réu solto e remédio constitucional julgado prejudicado pela perda do objeto. Enfim, todos felizes.

Qual seria, então, o problema?

Talvez, para alguns, nenhum equívoco seja vislumbrado nesta situação hipotética. Para outros, eventualmente fique a impressão dos ditos inevitáveis “danos colaterais” causados aos envolvidos em qualquer relação processual, diante da imperfeição do sistema judicial.

Repete-se, por isso, o questionamento. Qual é o problema da situação narrada?

Infelizmente a resposta não é única. Isso porque o hipotético ilícito era em verdade o exercício mal interpretado de um direito, o réu foi confundido pela vítima em razão de suas características comuns, sua prisão se deu de forma abusiva e infundada, e sua absolvição não serviu a muitos propósitos diante de seu falecimento rápido e repentino, pela doença adquirida no cárcere. E o mais grave nesse panorama jurídico é que nem mesmo chegou-se a analisar a ilegalidade geradora de sua segregação, vez que a ação constitucional impetrada em seu favor sequer foi conhecida pelo Juízo competente, por força de alegada prejudicialidade.

Esta e outras realidades, isoladamente ou não, são vivenciadas hodiernamente por operadores do Direito sem que dêem conta de uma consideração: a demanda constitucional do habeas corpus tem sido tratada como um instrumento de segunda ordem, cedendo espaço a meios processuais menos eficazes e, por isso, inapropriados à tutela de situações emergenciais de restrição à liberdade, sem que ao menos se verifique a retidão das causas pelas quais foi alçada a garantia fundamental na Carta da República de 1.988.

A análise da finalidade e da efetividade do remédio constitucional, garantia do direito à liberdade de locomoção, portanto, mostra-se essencial para que haja sua correta compreensão como verdadeira ação constitucional, que não se basta com a prevenção ou com o afastamento da restrição ao direito ambulatorial, utilizável apenas nos casos não guardados diretamente por instrumentos processuais ordinários.

Para tanto, além do levantamento doutrinário introdutório, serão estudados casos julgados por diversos tribunais pátrios e, em especial, decisões prolatadas pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual, quase que à beira da inconstitucionalidade, tem rejeitado constantemente writs sob fundamentos diversos e juridicamente discutíveis.


1 CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE DO HABEAS CORPUS

O instituto do habeas corpus, que tem sua origem histórica na Magna Carta editada por João Sem Terra em 1215, na Inglaterra, surge no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez em 1832, com a edição do Código Penal do Império, e ganha status constitucional com a Carta de 1891.

Nesse momento ainda não era tido como remédio constitucional apto a assegurar o direito de locomoção, mas sim como instituto destinado a proteger qualquer lesão a direito provocada por ilegalidade ou abuso de poder.  Assim, acredita-se que o instituto do habeas corpus tal como conhecemos hoje tenha surgido pela primeira vez com a Emenda Constitucional de 1926.

A Constituição Federal de 1988 consagrou o instituto do habeas corpus incluindo-o no rol de garantias individuais. Com efeito, reza o artigo 5º, inciso LXVIII, que: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Assim, confere ao habeas corpus natureza de ação constitucional destinada a coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado à constrição da liberdade de locomoção[1].

Como bem ensinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, o habeas corpus consiste em um meio especial de acesso ao Poder Judiciário, garantindo a celeridade necessária à defesa contra formas ilegais de constrangimento do direito de locomoção. Pode ser classificado em habeas corpus liberatório, quando a constrição ao direito de locomoção já se consumou; ou preventivo, quando está na iminência de se consumar[2].

Destarte, parece claro que o instituto do habeas corpus se destina não só a assegurar o direito de locomoção do individuo (ir, vir e permanecer), mas, também, a assim fazê-lo com celeridade, atendo-se à efetiva apreciação da ilegalidade ou abuso de poder que levaram à impetração. Apresenta-se como medida efetivamente capaz de evitar o constrangimento ilegal, ou fazê-lo cessar o quanto antes.

Note-se que o habeas corpus trata-se de verdadeira ação autônoma. E o fato de se tratar de ação, e não de recurso, nos permite concluir que pode ser usado como substitutivo de recurso cabível, ou mesmo ser impetrado cumulativamente a ele[3].

É em razão disso, e principalmente diante da necessidade de se garantir a liberdade de locomoção, com a efetiva apreciação da ilegalidade ou abuso de poder suscitados na impetração, de modo célere – sem o que muitas vezes o recurso processual escolhido perde efetividade, objeto e sentido – que defendemos a necessidade de aplicação ampliativa do habeas corpus. Faz-se necessária uma constante reavaliação de suas hipóteses de cabimento e aplicação, no sentido de reconhecê-lo como instrumento da máxima eficácia da garantia fundamental à liberdade do individuo submetido ao poder estatal.  

Não há dúvida, pois, de que o habeas corpus se apresenta como um dos institutos mais importantes de acesso à justiça e exercício eficiente da ampla defesa, cuja finalidade é, repisa-se, assegurar a liberdade do indivíduo.


2 O CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS COMO GARANTIA DE EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Relação entre a Política Criminal e o Direito Constitucional

Lembrada por muitos como o estatuto político da Nação, a Constituição Federal deve manter ligação estreita com a política penal, já que constitui sua primeira manifestação normativa.

A constituição confere legitimidade a uma ordem política e dá legitimação aos respectivos titulares do poder político. Precisamente por isso se diz que a constituição se assume como estatuto jurídico do político (Castanheira Neves) num duplo sentido – o da legitimidade e da legitimação. O esforço de constituir uma ordem política segundo princípios justos consagrados na constituição confere a esta ordem uma indispensável bondade material (legitimidade) e ao vincular juridicamente os titulares do poder justifica o poder de “mando”, de “governo”, de “autoridade” destes titulares (legitimação). [4] – destaques no original.

Por conta desta relação intrínseca, várias são as diretrizes constitucionais a serem observadas quando da fixação de uma política legal na área criminal. Dentre elas, destacam-se no presente trabalho aquelas provenientes de princípios consagrados de Direitos Humanos, relevantes por se constituirem não só objetivos internacionais, como também fontes de conhecimento do Direito.[5]

Não é por outro motivo que CANOTILHO[6] leciona serem funções clássicas da Constituição a garantia e a proteção:

Uma das principais funções da constituição é a função garantística. Garantia de quê? Desde logo, dos direitos e liberdades. Uma das principais dimensões do constitucionalismo moderno – recorde-se foi a de, através da constitucionalização dos direitos e liberdades, subtrair à livre disponibilidade do soberano (rei, estado, nação) a titularidade e exercício de direitos fundamentais. (destaques no original)

2.2 Posição atual dos Tribunais Superiores quanto ao conhecimento do Habeas Corpus e a proteção da segurança jurídica relativa aos atos jurisdicionais

Consoante já apontado alhures, não é incomum que a impetração do remédio constitucional ora tratado seja seguida de seu não conhecimento, pela prejudicialidade ou perda de objeto declarada em julgado.

Mormente em prisões cautelares, em processos pela prática de atos infracionais e na fixação do regime prisional, o exercício da jurisdição penal tem mal redimensionado a garantia constitucional, diminuindo seu verdadeiro alcance e razões de existir[7]. Exemplo patente dessa postura é o posicionamento da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, a qual repetidamente deixa de conhecer habeas corpus sob a escusa de sua inviável utilização como instrumento processual substitutivo de recurso ordinário, na esteira de entendimento esposado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, EM SUA FORMA EQUIPARADA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INOCORRÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO PARA FORMAÇÃO DA CULPA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/09/2012; HC 104.045/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 06/09/2012; HC 108.181/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 06/09/2012. Decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias Tóffoli, respectivamente, nos autos do HC 114.550/AC (DJe de 27/08/2012) e HC 114.924/RJ (DJe de 27/08/2012).

(...)

(HC 250.462/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/07/2013)

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Tal viés jurisprudencial, ancorado declaradamente nas premissas de que haveria um “excesso” no manejo do remédio constitucional que assoberbaria a atuação das Cortes, e, mais, de que não haveria previsão legal para tal impetração[8], pretende justificar, em verdade, o que se chamou de “inadmissibilidade linear de impetração substitutiva de recurso ordinário”.

Concepção negativa de uma garantia fundamental que arrasa, como um rolo compressor, qualquer consideração quanto às delongas infindáveis dos recursos ordinários, quanto às inúmeras exigências formais para a interposição e quanto às negativas padronizadas de muitos juízos de segundo grau que, passados longos meses ou anos de espera do recorrente - em geral, no cárcere - apresentam acórdãos que mais se assemelham a carimbos das antigas repartições públicas, apenas com relatórios a diferenciá-los.

A importância processual e, acima de tudo, democrática, do habeas corpus exige que se faça uma constante (re)leitura do seu cabimento e aplicação. Mas uma leitura nessa linha, de democratização do processo penal. Uma democratização que resgate a noção de fortalecimento do individuo e, por conseqüência, do valor liberdade.

Porque constantemente esquecido (ou desprezado) pelos paleopositivistas de plantão, nunca é excesso sublinhar que o processo penal e o habeas corpus em especial, são instrumentos a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais do individuo submetido ao poder estatal. A forma aqui é garantia, mas garantia do individuo.

Daí porque, assusta o formalismo às avessas apregoado por muitos juízes e tribunais para cercear a eficácia e o alcance do habeas corpus, quando deveria ser todo o oposto. Assusta a ignorância jurídica e o desprezo com que, muitas vezes, os tribunais lidam com o tempo do outro, tardando semanas (quando não, meses) em decidir sobre a liberdade alheia, como se o tempo intra-muros não fosse demasiado doloroso e cruel; assusta quando nos deparamos com julgadores que afirmam “ter por princípio não conceder liminares” (!!) ou ainda, que “sempre pede informações para estabelecer um contraditório com o juiz da causa” (como se isso existisse!); assusta quando se opera uma verdadeira inversão probatória, exigindo que o réu (preso!) faça prova (ou melhor, alivie a carga probatória do Ministério Público, ao arrepio da presunção de inocência); assusta quando nos deparamos com julgadores que, absorvidos pelo discurso de limpeza social, passam a atuar como guardiões, não da liberdade, mas sim da (sua) lei e ordem, abandonando o papel de garantidores, para assumirem as vestes (ou a toga, o simbólico é o mesmo) de responsáveis pelos sistema imunológico social, (ab)usando e banalizando as prisões cautelares e fazendo pouco caso dos apelos de quem está preso; assusta quando lemos uma súmula 691 do STF e, pior ainda, quando verificamos sua plena aplicação (por alguns que até vociferam contra ela, mas a aplicam, pois no fundo (no inconsciente, se preferirem) gozam com o mandamento do pai-tribunal).[9]

Não é difícil notar, por evidente, que a prestação jurisdicional nestes casos pode ser tida como nula e inconstitucional[10]. Tanto o é que em recente sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal, novo posicionamento, agora erguido em razão de “argumentação da academia”[11], mas ainda de forma tímida, está prestes a reconhecer a “excepcional” possibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo recursal, quando houver a efetiva prisão ou a comprovada expedição de mandado nesse sentido.

A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário constitucional, em que se argui a ilegalidade da prisão preventiva do paciente, com fulcro na falta de fundamentação idônea do decreto de custódia cautelar. Na situação dos autos, trata-se de militar acusado por suposto envolvimento na prática de crime de roubo, ocultação e uso de fuzil automático leve (FAL) e respectiva munição, pertencentes às Forças Armadas. O Min. Marco Aurélio, relator, admitiu o writ e concedeu a ordem para tornar definitiva a medida acauteladora na qual afastado o ato de constrição do paciente. A princípio, observou que o HC 109956/PR (DJe de 11.9.2012) — precedente da Turma em que consignada a inadmissibilidade linear de impetração substitutiva de recurso ordinário — envolveria alegação de constrangimento ilegal decorrente de indeferimento de diligências requeridas pela defesa, matéria referente a instrução processual. Em seguida, aduziu que o habeas corpus teria tramitação célere, em virtude de previsão nos regimentos em geral, enquanto o recurso ordinário seguiria parâmetros instrumentais a implicar demora em sua submissão ao órgão competente para examiná-lo.

(...)

Registrou que passaria a adotar a óptica de que caberia o writ toda vez que a liberdade de ir e vir estivesse em jogo na via direta — e não somente quando abrangidas questões ligadas ao processo-crime, à instrução deste —, quer com a expedição do mandado de prisão, quer com o seu cumprimento, já se encontrando o paciente sob custódia. Assim, aceitar-se-ia o substitutivo apenas nas hipóteses em que expedido o mandado ou ocorrida a prisão. Sublinhou que, dessa forma, homenagear-se-ia, em alcance maior, a garantia constitucional do inciso LXVIII do art. 5º da CF (“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”). No mérito, verificou constar da decisão do STM que a prisão resultaria de indícios da colaboração do militar com o roubo de armamento. Ademais, aludiria à circunstância de a permanência em liberdade afrontar os princípios basilares da hierarquia e da disciplina castrenses, mas não apontaria no que esses predicados, próprios às Forças Armadas, estariam em risco se o paciente ficasse em liberdade. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.[12]

Contrariamente ao que se pode pensar, esta alteração de jurisprudência não significa evolução de entendimento, mas mera conformação de idéias na tentativa de se alavancar atitudes restritivas de interpretação constitucional aparentemente mascaradas. O que, indiscutivelmente, afeta um dos elementos essenciais do princípio do Estado de Direito, a segurança jurídica. Idéia desenvolvida não só em relação à sua característica de estabilidade, mas também de previsibilidade ou eficácia ex ante que leva à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos estatais.[13]

Pondera-se, então: mais vale o “excesso” de serviço – diga-se de passagem – público, ou o excesso de encarceramentos ilegais? Mais vale a plenitude de garantia constitucional a direito universal, ou sua restrição - mesmo que parcial – a fim de dificultar o acesso à Justiça?


3 DISCUSSÃO DE CASOS PRÁTICOS

Por meio da apresentação de casos exemplificativos da prática forense, serão trazidas algumas das circunstâncias típicas de utilização do remédio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, em que sua celeridade e sua efetividade restam renegadas, seja por conta de seu não conhecimento “linear”, seja em razão da aparente ultrapassagem da ilegalidade segregatória, sequer apreciada por força de fato posterior independente, em desrespeito às premissas maiores da Carta Republicana de 1.988.

3.1 Aplicação e execução de medidas sócio-educativas

A despeito dos critérios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial o da proteção integral daqueles considerados como pessoas em desenvolvimento, é notória a imposição de sanções estatutárias com objetivos puramente retributivos, afastando-se de sua natureza pedagógica precípua. Além disso, diversas das garantias processuais, inclusive reconhecidas por enunciados sumulares[14], também são menosprezadas sem qualquer atenção dos responsáveis pela direção processual.

Nestes termos, as hipóteses de desrespeito aos direitos dos adolescentes exsurgem não só na fase de conhecimento e aplicação das medidas cabíveis, como também na de suas execuções.

Medidas estas que por se mostrarem, em geral, de curto prazo[15], e em razão disso se arrimarem na agilidade própria do habeas corpus, mesmo assim padecem invariavelmente inalteradas enquanto o remédio constitucional segue dura caminhada de negativas, mesmo quando evidentemente abusivos sua imposição ou seu processamento formal. Veja-se, nesses termos, o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA SEM A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO E SEM A PRESENÇA DE UM DEFENSOR. EXECUÇÃO JULGADA EXTINTA PELO JUÍZO DO DEPARTAMENTO DE EXECUÇÕES DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.

1. Julgada extinta a execução da medida sócio-educativa pelo juízo das execuções da infância e do adolescente, evidencia-se, na hipótese, a perda do objeto da presente impetração.

2. Writ julgado prejudicado. (HC 44637/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2005, DJ 07/11/2005, p. 323)

Nesse diapasão, ainda é exemplar a utilização ilegal da internação pelo descumprimento reiterado de medidas anteriormente aplicadas (internação-sanção)[16], a qual acaba por ser integralmente cumprida antes mesmo que qualquer julgamento seja realizado pelo Judiciário, dada sua duração máxima de três meses.

HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. MEDIDA DE SEMILIBERDADE. INTERNAÇÃO-SANÇÃO SEM PRAZO DETERMINADO. LIMINAR CONCEDIDA. AUDIÊNCIA DE REAVALIAÇÃO. PROGRESSÃO PARA SEMILIBERDADE. PERDA DO OBJETO. WRIT PREJUDICADO.

1.   Dirigindo-se o inconformismo contra a aplicação de internação-sanção sem prazo determinado, a progressão do adolescente para a medida sócio-educativa de semiliberdade esvazia o objeto do presente mandamus.

2.   Parecer ministerial pela extinção do feito sem julgamento de mérito.

3.   Habeas Corpus prejudicado. (HC 94025/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 19/05/2008)

Em ambos os casos ilustrados, o elo existente é a ausência de apreciação dos fundamentos da impetração, os quais, ainda que relacionados a microssistema protetivo preferencial, não tem o relevo característico reconhecido pelos Tribunais pátrios.

Alegadas violações claras da liberdade dos adolescentes infratores, não houve qualquer preocupação com a aferição do abuso ou com a sedimentação de posicionamento jurisdicional firme contra tais atitudes. Tudo pelo simples fato de ter havido posterior livramento ou amenização da condição do jovem encarcerado.

Ao contrário do que pode aparentar ao mais desavisado dos juristas, a proteção constitucional da liberdade garantida pelo habeas corpus não se resume ao puro livramento do paciente ou à prevenção de sua detenção. Subsiste, sim, uma das razões essenciais de sua manutenção no ordenamento jurídico, como limite à atuação do Estado contra a prática de ações ilegais e autoritárias de seus agentes, que não podem ter o estudo postergado à espera dos trâmites ordinários dos recursos naturais, sob pena de prejuízos irreversíveis na constituição psíquica dos adolescentes.

Mote este que, ignorado, acalenta a irresponsabilidade estatal e a impunidade de seus causadores, com a chancela injustificável do Poder Judiciário.

4.2 Prisões cautelares

A excessiva expedição de ordens de prisão cautelares descortina outra realidade usual do cotidiano criminalista.

Seja durante o inquérito policial ou enquanto em curso o processo-crime, o remédio constitucional ainda é o instrumental mais indicado para que não se mantenham determinações detentivas com vícios formais ou materiais, haja vista a transitoriedade, precariedade e volatilidade de tais medidas.

No entanto, essa característica própria das medidas de urgência não tem servido a seus reais propósitos, mas sim ao prolongamento superficial da irresignação sem qualquer julgamento de fundo, até que a superveniência de acontecimento processual, ou até mesmo natural, altere as circunstâncias fático-jurídicas e libere o julgador de seu mister, e não o detento de sua detenção por ato contra legem.

Seguindo esta linha e mesmo com a aceitação do remédio constitucional, não é incomum o esvaziamento de uma de suas finalidades, qual seja, o reconhecimento da ilegalidade ou abuso de poder como limite ao arbítrio estatal, alegando-se a perda de seus propósitos pela alteração do título ou livramento do favorecido.

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO. NOVO TÍTULO. CONCESSÃO SUPERVENIENTE À INTERPOSIÇÃO DO WRIT DIANTE DA ABSOLVIÇÃO. PERDA DE OBJETO.

1. Há de ser julgado prejudicado o remédio heroico em favor de CESAR PORTILLO GALEANO, cujo objeto está relacionado à revogação da prisão preventiva, quando posteriormente, nas instâncias ordinárias, prolata-se sentença condenatória negando-lhe a possibilidade de recorrer em liberdade, constituindo novo título a justificar a clausura.

2. Há de ser julgado prejudicado, ainda, o writ  para os demais pacientes, em que se buscava a revogação da prisão cautelar, quando nas instâncias inferiores, posteriormente à sua impetração, concede-se a medida pretendida pleiteada, em face de sentença absolutória.

3. Writ prejudicado. (HC 195204/RS, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 02/03/2012)

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. PERDA DO OBJETO.

- Há de ser julgado prejudicado o remédio heroico cujo mérito estava relacionado à revogação da preventiva, em face da superveniência de decisão monocrática que determinou a revogação da prisão e a expedição de alvará de soltura.

- Writ prejudicado. (HC 195305/AL, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 16/12/2011)

Ocorre que, ao assim decidir, ignora-se que a constante mutação da realidade processual não cessa, inclusive após o trânsito em julgado da condenação[17]. Ora, qual é a garantia de que a absolvição posterior não será reformada? Como garantir que uma nulidade processual não revigorará mandado de prisão anterior?  

Por isso, não se pode afirmar que pela mera alteração de título executivo ou pela absolvição da prática delitiva a prisão inicial pode ser tida como aparentemente convalidada, esgotando-se a prestação jurisdicional constitucionalmente exigida.

4.3 Fixação de regime prisional

Nada obstante o Código Penal Brasileiro estabeleça critérios para a escolha e fixação do regime prisional pelo julgador, prescrevendo a Constituição Federal a necessidade de individualização da pena, é comum o desrespeito à norma penal e à Constituição Federal. 

Diariamente nos deparamos com sentenças penais condenatórias onde a escolha do regime prisional se dá com base na gravidade abstrata do delito, no clamor social ou no entendimento pessoal do magistrado, independente de adequação à quantidade de pena estipulada ou de qualquer análise efetiva dos fins a que a pena se destina. 

Regimes fechados são determinados sem qualquer embasamento real, provenientes de decisões carentes de fundamentação motivada e, muitas vezes, contraditórias. Não raras vezes a fixação da pena base é feita no mínimo legal, tendo-se em conta serem favoráveis ao réu as circunstancias judiciais do artigo 59 do Código Penal, para logo abaixo ser estabelecido regime fechado para cumprimento da pena, em total desrespeito ao artigo 33 e parágrafos, do Código Penal.

Também o principio da individualização da pena (artigo 5º, LXVI, da C.F.) – direito do acusado de obter, em caso de condenação, a pena justa, livre de padronização – que deve passar pela escolha do regime prisional, parece mesmo não existir para alguns magistrados. 

No intuito de impedir que as situações acima descritas continuassem a se repetir, foram editadas as súmulas 718 e 719, pelo Supremo Tribunal Federal, e a Sumula 440, pelo Superior Tribunal de Justiça[18].

 Nesse cenário, não há duvida de que a imposição, ao condenado, de regime prisional mais severo do que aquele que lhe poderia ser fixado, e que no mais das vezes levará à prisão indivíduo que poderia permanecer em liberdade, caracteriza constrangimento à liberdade de locomoção, passível de habeas corpus. 

No entanto, os tribunais estaduais, e agora também os Tribunais Superiores, têm entendido que o remédio constitucional não é a via adequada para a impugnação do regime prisional determinado.   

Entendem, também, que o habeas corpus não pode ser impetrado nos Tribunais Superiores como substitutivo do recurso cabível, tais como o Recurso Ordinário Constitucional, o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário.

Ocorre que aludidos meios recursais mostram-se absolutamente ineficazes para a proteção do direito de locomoção do condenado, que se vê compelido a permanecer no regime fechado quando tinha direito a cumprir pena no regime semiaberto ou aberto. 

Até que o Recurso Ordinário Constitucional, por exemplo, seja julgado o réu já cumpriu integralmente sua pena no regime mais rigoroso, o que é inadmissível. 

A liberdade de locomoção deve, sim, ser buscada através do meio de impugnação mais célere e eficiente; o único capaz de trazer alguma utilidade à decisão obtida: o habeas corpus. 

Imagine-se uma situação em que o réu acusado de tráfico de drogas, após permanecer três meses preso cautelarmente, é condenado à pena de 01 (um) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime fechado, como incurso no artigo 33, “caput” e § 4º, da Lei 11.343/06.   

Ante a pena imposta, e às recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, que julgaram inconstitucional os artigos 44 da Lei 11.343/06 e artigo 2º, § 1º, da Lei 8072/90, é cediço que este réu poderia, e deveria, ter sido condenado a cumprir pena no regime aberto – sim, porque se teve a pena base fixada no mínimo legal e depois diminuída no percentual máximo em razão da causa especial de diminuição de pena, então não havia motivação idônea para a imposição de regime fechado. 

Nesta hipótese, se fossemos buscar a liberdade do réu por meio dos recursos típicos, o condenado certamente cumpriria sua pena integralmente no regime fechado. Isto porque até que fossem julgados os recursos teria se passado mais tempo do que a pena a ser cumprida pelo réu. 

É no intuito de impedir que essa situação, infelizmente frequente no dia a dia forense, se verifique que o habeas corpus é manejado perante os Tribunais Estaduais e perante os Tribunais Superiores, quando os Tribunais Estaduais denegam a ordem. 

O mesmo acontece quando, nos crimes de roubo, o réu é condenado às penas de 04 (quatro) anos, ou 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses, no regime fechado, quando poderia cumprir pena em regime aberto e semiaberto, respectivamente. 

O problema é ainda mais delicado porquanto o Tribunal de Justiça de São Paulo, reiteradamente, julga recursos de apelação contrariamente ao que dispõe o artigo 33, e parágrafos, do Código Penal, e as súmulas 718 e 719, do S.T.F., e 440, do S.T.J., mantendo o regime fechado com base na gravidade em abstrato do delito. 

Justamente por isso, e por saber que o habeas corpus é o meio de que o paciente pode se valer para fazer cessar, com urgência, a ameaça à sua liberdade de locomoção – o que ocorrerá caso se mantenha em regime fechado quem poderia estar no regime aberto, em inegável constrangimento ilegal – que os próprios tribunais superiores, em que pesem não conhecerem do habeas corpus substitutivo, sob o fundamento de que não se trata da via adequada para a impugnação da matéria, concedem a ordem de ofício. 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, “D” E “I”. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33 DA LEI 11.343/06). PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS. REGIME INICIAL ABERTO (ART. 33, § 2º, ALÍNEA C, DO CP). IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL MAIS SEVERO. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 719-STF. VEDAÇÃO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE DIREITOS (ART. 44 DA LEI 11.343/06). INCONSTITUCIONALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO POR INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 – que determina o início do cumprimento da pena privativa de liberdade imposta em razão da prática de crime hediondo, necessariamente, no regime fechado – foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 111.840, Pleno, Relator o Ministro Dias Toffoli, sessão de 27 de junho de 2012. 2. O artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal determina que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”. 3. “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Súmula 719). 4. Destarte, o Superior Tribunal de Justiça denegou o writ lá impetrado mantendo o regime inicial fechado para o início do cumprimento da reprimenda, sob o único fundamento da vedação prevista no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990. 5. In casu, “a pena privativa da liberdade ficou assim individualizada: 1ª fase: pena-base de 6 (seis) anos, em razão da quantidade da droga apreendida; 2ª fase: atenuante da confissão espontânea, diminuição para 5 (cinco) anos; 3º fase: diminuição de 1/2 em face da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n º 11343/06, resultando a pena final em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto. Não havendo registro de antecedentes, a pena aplicada (2 anos e 6 meses de reclusão), inferior a quatro anos, permite o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, ‘c’), porquanto o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC nº 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, Informativo nº 670)”. 6. O artigo 44 da Lei 11.343/06 foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 97.256, Relator o Ministro Ayres Britto, DJ de 01.09.10, que afastou o óbice à conversão da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos na hipótese de condenação pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e determinando ao Juízo processante que procedesse ao exame dos requisitos objetivos e subjetivos necessários à obtenção da benesse. 7. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição Federal, sendo certo que o paciente não está arrolado em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. Deveras, mercê de incabível o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, é juridicamente possível a concessão da ordem de ofício. 8. Habeas corpus extinto por inadequação da via processual eleita e concedida a ordem de ofício, ex officio, para fixar o regime aberto para o início do cumprimento da pena e para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, determinando ao Juízo que avalie os requisitos necessários à conversão da pena privativa de liberdade por outra (s) restritiva (s) de direitos. (STF, HC 111015/MS, Min. Luiz Fux, 21.05.2013). 

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/1990. HC 111.840/ES-STF. OBSERVÂNCIA AO ART. 33, §§ 2º E 3º, DO CP. PENA FIXADA EM 4 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. QUANTIDADE DE DROGA – 22,4G DE COCAÍNA -. VIABILIDADE DO REGIME SEMIABERTO. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no afã de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

(...)

3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para aplicar o regime intermediário para cumprimento da pena. (STJ, HABEAS CORPUS Nº 253.834 - SP (2012/0191125-1), Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze). 

Destarte, a não admissão do habeas corpus como meio de impugnação à imposição de regime prisional mais gravosa culmina na chancela do Estado ao constrangimento ilegal, impede o acesso à justiça, à ampla defesa e gera insegurança jurídica.

Sobre os autores
Rafael Augusto Freire Franco

Procurador do Estado. Especialista em Direito Penal. Mestrando em Direito Penal

Regina Bauab Merlo

Defensora pública atuante na área criminal. Especialista em Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Rafael Augusto Freire; MERLO, Regina Bauab. Habeas corpus, perda de objeto e a cumplicidade do Judiciário com a irresponsabilidade estatal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3863, 28 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26531. Acesso em: 22 dez. 2024.

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