RESUMO: A presente pesquisa abordará os problemas causados aos consumidores em razão das práticas abusivas das empresas operadoras de TVs por assinatura que mantêm a cobrança de mensalidades pela recepção de sinais em pontos extras e adicionais; conscientes de que a cobrança é ilegal. Como fundamento adotado para análise dessa questão, tem-se que: I. Os documentos de cobrança devem ser redigidos de maneira clara e inteligível, para permitir que consumidor discordando do que lhe está sendo cobrado, possa se indispor contra ela; II. Os consumidores, muito pouco esclarecidos, creem estar pagando o que é devido ou, algumas vezes, pensam que por terem firmado contrato em que se obrigaram a efetuar tais pagamentos, já não têm como questionar, judicialmente, a ilegalidade da cobrança. Sem ter-se a pretensão de esgotar todas as questões que envolvem o tema, a presente pesquisa tem por objetivo fazer sobre ele, concisos, mas objetivos comentários baseados em estudos doutrinários e jurisprudenciais ligados ao assunto.
1. A ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE MENSALIDADES DE DECODIFICADORES PARA PONTOS EXTRAS E ADICIONAIS:
Inicialmente, necessário saber que o ponto extra é aquele em que as mudanças de canais do aparelho de TV são feitas independentemente do ponto principal, este último, aquele para o qual o sinal é enviado pela operadora.
O ponto adicional, ao contrário do anterior, funciona de forma acessória ao principal, de maneira que, quando mudado o principal o acessório o acompanhará.
A cobrança de mensalidade pela manutenção do decodificador instalado para permitir o funcionamento desses pontos (extra e adicional) configura prática abusiva, devido ao disposto no Artigo 39, inc. V, do CODECON; como também, fere os deveres de transparência e de boa-fé, que deveriam cercar os procedimentos das operadoras de TVs por assinatura, como estabelece o Artigo 4º/caput e inc. III, do CDC, até porque, praticam a chamada venda casada – CDC, Art. 39, inc. I -, restringindo a instalação de decodificadores para o funcionamento de pontos-extras àqueles que são fornecidos por ela própria, procedimento esse inadmitido pela Resolução 581/2012, da ANATEL, que preceitua:
“Art. 74. É vedado à prestadora condicionar a oferta do SeAC ao consumo casado de qualquer outro bem ou serviço, prestado por seu intermédio ou e parceiros, coligadas, controladora, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.” (grifo nosso).
Aliás, a Resolução 581 também prima pela observância aos princípios da transparência e da harmonia nas relações de consumo, ao estabelecer que:
“Art. 73. Constituem obrigações da Prestadora do serviço, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável:
I – tornar disponíveis ao Assinante informações sobre características e especificações técnicas das unidades receptoras decodificadoras, necessárias à sua conexão com a rede;
(...)
XV – tornar disponíveis ao Assinante instruções de instalação da Unidade Receptora Decodificadora na rede da Prestadora;”.
Portanto, vê-se que essas operadoras devem, até mesmo, prestar informações aos assinantes que os possibilite escolherem e instalarem os decodificadores que mais lhes agradar, para terem acesso aos canais recebidos pelo ponto principal.
Examinando as disposições administrativas da ANATEL, inseridas na Resolução 528, de 17 de abril de 2009 e seu Anexo, que vieram alterar a redação dos Artigos 29 e 30, da Resolução nº 488/2007 - Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura -; a Súmula nº 9, de 19 de março de 2010 e a Resolução nº 581/2012 – Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) -, conclui-se que a programação captada pelo ponto principal deverá ser disponibilizada, sem cobrança de adicional, para pontos extras e para pontos adicionais, independentemente do plano contratado.
A nova redação do Artigo 29, dada pela Resolução 528/2009, passou a ter a seguinte redação:
"A programação do ponto-principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para pontos-extras e para pontos-de-extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado".
Já o artigo 30, do mesmo regulamento, passou a referir que apenas serviços de instalação e de reparo da rede interna poderiam ser cobrados do consumidor.
“Quando solicitados pelo Assinante, a Prestadora pode cobrar apenas os seguintes serviços que envolvam a oferta de Pontos-Extras e de Pontos de Extensão.
I – instalação; e
II – reparo da rede interna e dos conversores/codificadores de sinal ou equipamentos similares.”
Os §§ 1º e 2º, da Resolução 528, preveem que:
“§1º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo fica condicionada à sua discriminação no documento de cobrança, conforme definido nos arts. 16 e 17 deste Regulamento.
“§2º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo deve ocorrer por evento, sendo que os seus valores não podem ser superiores àquelas cobrados pelos mesmos serviços referentes ao Ponto-Principal.”
Diante da polêmica que posteriormente surgiu, com a resistência das operadoras de TV por assinatura, a ANATEL resolveu, em 18 de março de 2010, editar a Súmula nº 9, fazendo publicar uma "nota de esclarecimento sobre ponto-extra", a fim de deixar "mais claro o entendimento de que a prestadora somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra".
Referiu, também, que "a manutenção e instalação só podem ser cobradas por evento", ou seja, não como mensalidade; culminando por esclarecer que "todos os valores relativos a aluguel ou outra contratação onerosa de equipamentos de pontos extras pagos desde abril de 2009 (data da Resolução n. 528/2009) que não tenham sido previamente anuídos pelo assinante, devem ser devolvidos em dobro".
Assim, com a edição da Súmula nº 9, ficou bem claro que a partir da publicação da Resolução 528/2009; as fornecedoras dos serviços de TV a cabo só poderiam cobrar pela instalação e por reparos da rede interna e dos conversores e decodificadores de sinal ou equipamentos similares.
Ficou estabelecido, ainda, que tais previsões devem ser aplicadas até mesmo aos contratos que tiverem sido firmados anteriormente à publicação da Resolução 528/2009, se não houver previsão contratual para pagamento desses dois pontos aos quais nos referimos.
2. O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA
Com relação à ilegalidade da cobrança de mensalidades para a manutenção dos pontos extra e adicional, ou, como as operadoras preferem dizer, para a manutenção de decodificadores para o funcionamento desses pontos; os tribunais de todo o país vêm, constantemente, se pronunciando, como no caso das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul, nas decisões assim sumariadas:
REPARAÇÃO DE DANOS. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos-de-extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro. A NET e congêneres somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra, por evento (reparos, por exemplo), e não em bases mensais. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Ementa extraída do processo Nº 71002463255 - voto divergente de autoria do Dr. Eugênio Facchini Neto, Julgado em 08/07/2010). RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71003778099, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 28/11/2012).
REPARAÇÃO DE DANOS. CONSUMIDOR. TELEVISÃO POR ASSINATURA (TV A CABO). COBRANÇA DE PONTO ADICIONAL. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO 528/ANATEL, DE 17.04.2009, E NOTA DE ESCLARECIMENTO DE 18.03.2010. Após a edição da Resolução n. 528, da ANATEL, em 17.04.2009, não é mais possível a cobrança, a qualquer título, de taxa adicional para pontos extras e pontos-de-extensão instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do plano de serviço contratado. Todos os valores pagos a partir da data da Resolução, a título de cobrança mensal por ponto extra, devem ser restituídos em dobro. A NET somente poderá cobrar pelo equipamento e pelos serviços de instalação e manutenção do ponto-extra, por evento (reparos, por exemplo), e não em bases mensais. Devolução, em dobro, dos valores pagos pela autora. Erro material da sentença corrigido. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71003586351, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 15/08/2012).
Já, quanto ao posicionamento dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do Paraná e de Minas gerais, podem ser citadas as decisões assim ementadas:
RECURSO INOMINADO. DECLARATÓRIA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. COBRANÇA INDEVIDA. TV POR ASSINATURA. PONTO ADICIONAL. COBRANÇA DE ALUGUEL DO APARELHO DECODIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. 1. DECISÃO : Ante o exposto, esta Turma Recursal resolve, por unanimidade de votos, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos exatos termos do voto da relatora. (TJPR - 2ª Turma Recursal - 20110012112-9 - Curitiba - Rel.: GIANI MARIA MORESCHI - Rel.Desig. p/ o Acórdão: LUIZ CLAUDIO COSTA - - J. 26.04.2012).
RECURSOS INOMINADOS. DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. COBRANÇA INDEVIDA. TV POR ASSINATURA. PONTO ADICIONAL. COBRANÇA DE ALUGUEL DO APARELHO DECODIFICADOR. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DA RECORRENTE, ACERCA DO DEPÓSITO JUDICIAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. DECISÃO : Ante o exposto, esta Turma Recursal resolve, por unanimidade de votos, CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO aos recursos, nos exatos termos do voto da relatora. (TJPR - 2ª Turma Recursal - 20100015456-1 - Londrina - Rel.: GIANI MARIA MORESCHI - - J. 08.03.2012).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. SERVIÇOS DE TELEVISÃO POR ASSINATURA. ATIVAÇÃO. DIREITO DO ASSINANTE. COBRANÇA POR PONTOS EXTRA E DE EXTENÇÃO. INDEVIDA. DISPONIBILIDADE SEM ÔNUS PARA O CONSUMIDOR. INSTALAÇÃO. CIENTIFICAÇÃO DOS TERMOS CONTRATUAIS À SUA EXECUÇÃO. COBRANÇA DEVIDA. RESOLUÇÃO Nº. 488/2007, ALTERADA PELA RESOLUÇÃO Nº. 528/2009 E SÚMULA 09/2010 DA ANATEL. PROVIMENTO PARCIAL. (TJRJ – AI nº 0052768-78.2012.8.19.0000, 14ª C.Cível, j.02.12.2012).
EMENTA: TV A CABO - PONTO EXTRA - CUSTOS ADICIONAIS PARA OPERADORA - COBRANÇA - POSSIBILIDADE - ATÉ 17/04/2009 - RESOLUÇÃO 528/2009 ANATEL - DANO MORAL COLETIVO – INEXISTÊNCIA.Havendo custos adicionais para a operadora com instalação e manutenção do ponto extra de TV a cabo, perfeitamente possível sua cobrança. Após a Resolução 528/2009, que alterou a Resolução 488/2007, não é mais permitida a cobrança de pontos extras de TV a cabo, sendo devida a exigência apenas no que concerne à instalação do decodificador nos pontos extras e aos reparos da rede interna.Quando vencido na ação civil pública, o Ministério Público, não pode ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência, tendo em vista que o autor da ação exerce 'munus' público. (Apelação Cível 1.0024.06.061487-2/011, Rel. Des.(a) Cabral da Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/03/2012, publicação da súmula em 23/03/2012).
De concluir, então, que essas cobranças não têm embasamento legal, conforme vem sendo, unissonamente, assentado pela jurisprudência nacional.
3. A ILEGALIDADE DAS COBRANÇAS DE DECODIFICADORES PARA O PONTO PRINCIPAL E A DEVOLUÇÃO EM DOBRO – AUSÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO
Lado outro, necessário transcrever os conteúdos dos Artigos 16 e 17, da Resolução 488/2007, no que se refere à forma pela qual os valores cobrados pelas operadoras devem ser informados ao consumidor. O Artigo 16 sofreu alterações, trazidas pela Resolução 528/2010:
“Art. 16. O documento de cobrança deve ser inviolável, redigido de maneira clara, inteligível, ordenada, em padrão uniforme para toda a Área de Prestação do Serviço e deve ocnter os dados necessários à exata compreensão dos serviços prestados, com a discriminação dos valores cobrados, detalhando inclusive aqueles que correspondem à instalação, à programação e a reparos solicitados.”
“Art.17. Todo e qualquer valor, além do contratado, instituído pela Prestadora, deve ser previamente informado ao Assinante e expressamente anuído por este em data anterior à sua cobrança.
Parágrafo único. Em qualquer caso, a comunicação enviada ao Assinante deve conter discriminação clara do motivo da nova cobrança e seus valores.”
Algumas operadoras não observam essas imposições administrativas, às quais estão obrigadas a cumprir, em virtude do contrato que mantêm com a ANATEL, para efetuar esse tipo de prestação de serviço; posto que, sequer, discriminam, nas contas mensais, os valores referentes do aluguel do decodificador que é utilizado no ponto principal.
A discriminação dos itens cobrados e os valores atribuídos a cada um deles visa permitir aos assinantes/consumidores saberem pelo que estão pagando e quanto estão pagando para que, caso venham a discordar, possam contestar a cobrança.
O CDC assegura aos assinantes esse direito, visto estarem os fornecedores obrigados a proceder com transparência (Art. 4º/caput), haja vista que um dos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo é, exatamente, a proteção dos interesses econômicos dos consumidores, parte mais vulnerável da relação de consumo, nos termos do Artigo 4º, inc. I, da norma mencionada.
Ainda, a discriminação desses valores, é obrigação que tem a operadora, a fim de cumprir para com o seu dever de informar de forma clara e adequada, como preceitua o Artigo 6º, inc. III, do CDC.
CONCLUSÃO
Os fatos aí estão. Não podem as empresas de TV por assinatura permanecerem indiferentes às regras de proteção aos consumidores, cometendo rotineiramente práticas abusivas que ofendam os princípios norteadores da Política Nacional de Consumo (art. 4º do CDC).
Porém, não é de se esperar que as próprias operadoras de TV por assinatura, por razões óbvias, informem aos seus clientes dos direitos que eles têm. Isso porque, ao que tudo indica, tais empresas ainda se sentem confortáveis com o desrespeito à legislação, pois embora o número de ações judiciais cresça em grande escala, o prejuízo financeiro ainda não supera à lucratividade que obtêm em decorrência dessas condutas ilegais.
Portanto, é de grande relevância o combate a tais ilegalidades, através da educação e informação dos consumidores a respeito dos seus direitos, seja por meio dos seus advogados - para os alertarem quanto às previsões legais e posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais do país -, seja através de políticas públicas que os tornem aptos a enfrentar as práticas ilegais de fornecedores de produtos e de serviços.