CONCLUSÃO
Como diria o renomado e clássico jurista austríaco Hans Kelsen, o ilícito jurídico não é negação, mas sim, pressuposto do Direito. É como se a existência dos contrários fosse elementar para a construção do ponto de sustento e justificativa para que se efetive o Direito. Nesse sentido, definir ou tipificar o que é o delito e a ele cominar coação, não é limitar-se a isso, mas também é internalizar a presunção do seu contrário, que é o “não-delito.” Destarte, reforçar-se a concepção do “dever ser” ao torná-lo intrínseco e presumível na disposição do “não dever ser.”
Distante de querer apontar essa teoria como absoluta, colhe-se seu fundamento como embasamento para dispor um fechamento perspicaz sobre a proposta de criminalização da homofobia e sobre a suposta efetividade de Direitos Humanos por via da atividade punitiva.
Se pudéssemos definir o mundo moderno em uma palavra, com certeza uma das primeiras seria o termo “diversidade.”Com o estreitamento dos contatos entre diferentes culturas e da variedade de formas ou instrumentos dispostos a facilitar e ampliar as possibilidades da relação entre elas, é evidente que a diversidade cultural, a diversidade de raças, de religiões, de gêneros, de pensamentos, de gostos e concepções representam, de fato, a ordem e a progressão do contexto social hodierno. Estimular essa diversidade é eminentemente favorecer a tolerância, impulsionandoa humanidade a um patamar muito mais elevado de bem-estar e racionalidade. Tomando emprestado o conhecimento de Lévi-Strauss, pode-se dizer que a diversidade é vetor de toda a evolução humana.
Em se tratando da diversidade sexual e do reconhecimento de direitos que dela advêm, estas culturas têm suscitados diferentes maneiras de lidar com isso.
Entre os que são apontados como avanços destacam-se: a legalização da união homoafetiva emlugares como Dinamarca, Holanda, Espanha, Canadá, Portugal, Argentina, Uruguai, França, Nova Zelândia e Estados Unidos e a aprovação de leis que criminalizam a discriminaçãonestes mesmos países e em outros como Bolívia, Colômbia, Equador, México, Inglaterra, Austrália, Irlanda, Escócia, Suécia, entre outros. A maioria com legislações aprovadas entre os últimos cinco anos, visando erradicar as violações em razão do preconceito pela via do ativismo judicial. Na contra mão das melhorias, mais de 80 países permanecem criminalizando a homossexualidade, com punições que podem chegar à pena de morte.
O Projeto de Lei da Câmara n 122 de 2006 - que objetiva incluir a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no rol dos crimes previstos pela Lei nº 7.716 – foi aqui referenciado como o aporte jurídico que melhor tem se demonstrado como propositura de medidas mais próximas de se efetivar o combate à discriminação em seus diversos tipos.
Entretanto, assim como visualizado, uma série de questões políticas e jurídicas tem obstado sua aprovação. Sobre elas incumbe aqui interpor entendimentos necessários para facilitar uma posição conclusiva sobre a problemática geral trabalhada.
Primeiramente, é mister ressaltar que a famigerada liberdade de opinião não consiste em prerrogativa com a qual seja possível deflagrar uma convicção sem observar limites que a ponderam. Esse direito garantido constitucionalmente não significa legitimação para infringir ou promover a violação dos direitos de outrem, ao se valer disto para propagar concepções que denotam o ódio e a intolerância.
Desta feita, entende-se que o conflito apontado entre o PLC 122 e aliberdade de opinião é aparente, pois, longe de querer censurar quaisquer ideologias quando expressadas singelamente, essa proposta na verdade é suporte, permitido pela própria constituição, para se evitaropiniões que extrapolam os limites da aceitação. Nesse mesmo sentido, ter a convicção e o direito de expressá-la com base em qualquer crença de que a orientação ou identidade sexual de outra pessoa é algo erradonão constitui o problema que é objeto da lei, mas sim o potencial que a inflação desses pensamentos tem para gerar a discriminação, quando impostos em práticas que incitam o tratamento pejorativo e a perseguição.
Ante o exposto e inferindo considerações que depreendem a veracidade dos argumentos que apontam a norma penal como mecanismo de efetivação da tutela de direitos, retoma-se a teoria de Kelsen: a lei ainda é o instrumento jurídico mais importante na escala dos insumos coercitivos utilizados pelo Estado para promover a ordem. Por si só ela não é suficiente para que de fato se cumpram direitos e deveres que estatui, porém, é a partir dela que ganham visibilidade e consistência no meio coletivo.
Não se pode negar que questões como a ética, os valores e a educação são elementares para construir uma sociedade mais justa e consciente sobre o devido respeito para com a liberdade e integridade de outrem. Entretanto, por parte do Estado, na necessidade de reforçar esses valores, a missão de fazê-lo se demonstra insuficiente se é ausente a incidência de lei como aporte capazpara difundir na sociedade o que é proibido e o que é permissivo. “Não há crime, nem pena sem lei anterior que os defina” e “não há direito sem ação”, são adágios que melhor ensejam a convicção da importância da lei para o alcance da ordem.
Nessa esteira, considera-se aqui que as leis antidiscriminatórias são indubitavelmente necessárias para a efetivação de Direitos Humanos. Por elas é que se reforçam a idoneidade do bem jurídico tutelado e se dissemina no consciente coletivo a ideia deque destratar, constranger e violentar alguém por conta de quaisquer preconceitos ínfimos é contrariar o ordenamento vigente e é merecer a reprovação jurídica. Nota-se, pois, o caráter simbólico do Direito Penal. Se a eficácia da norma alcançará resultados concretos além de sua natureza axiológica e se na prática os Direitos Humanos serão respeitados, dependerá muito do compromisso das autoridades e da emancipação das vítimas como sujeito de direitos.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1]Análises feitas por Grupo de Trabalho composto por membros da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação com base em registros dos sistemas de denúncia da SDH, da Central de Atendimento à Mulher, da Ouvidoria do SUS e das Secretarias de Segurança Pública de alguns Estados da Federação.
[2]Parecer da Comissão de Assuntos Sociais do Senado sobre o Projeto de Lei da Câmara n.º 122, de 2006, sob relatoria da senadora Fátima Cleide.
[3]Agência Senado – Notícia sobre reunião da Comissão de Direitos e Legislação Participativa que visava votar o PLC 122.
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/11/20/projeto-que-criminaliza-preconceito-contra-homossexuais-e-retirado-da-pauta-da-cdh