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Responsabilidade do Estado por movimentos multitudinários.

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4. Movimentos multitudinários

Os sociólogos estudam os movimentos de multidão sob ângulo diverso do jurídico, expressando-se da seguinte forma: "A multidão é um monstro sem cabeça, porque dentro da multidão o indivíduo se despersonaliza e acaba agindo de um modo que contraria a sua conduta isolada".(8)

Partindo desse conceito, a autora Sônia Sterman dá um enfoque jurídico ao tema e conclui que "os movimentos violentos produzidos pelas multidões nada mais são que a liberação do irracional do inconsciente de cada indivíduo que foi reprimido pelo movimento político-social anterior" (9), não deixando de ressaltar que não pretendia eleger um conceito único de multidão, até mesmo porque este conceito sofrerá variações de acordo com a época histórica e com o ordenamento vigente.

A mesma autora destaca, ainda, a definição dada por José Cretella Júnior como sendo a mais abrangente até então firmada, sendo que, para aquele, os movimentos multitudinários são "deslocamentos de povos ou de parte da população, como conseqüência de fatos sociais, políticos ou econômicos que ocorreram num dado momento histórico"(10).

4.1. Características dos movimentos multitudinários

Tentaremos destacar aqui as características mais marcantes dos movimentos multitudinários e, a partir daí, diferenciá-los dos demais movimentos de massa:

4.1.1. Os movimentos multitudinários são movimentos perpetrados por populares

Os movimentos multitudinários somente serão perpetrados por particulares e não se caracterizarão como tal se forem praticados por militares - pois aí o movimento seria revolucionário – ou, ainda, por outros agentes públicos, sendo certo que sua ocorrência está inserida num contexto de anormalidade político-social ou econômica.

4.1.2. As pessoas que perpetram movimentos multitudinários têm interesses convergentes

Nos movimentos multitudinários, que são conseqüências de anomalias sociais, políticas ou econômicas, seus integrantes esboçam um descontentamento com fatos sociais, havendo convergência de interesses entre eles. Desta forma, os participantes não brigam entre si, mas agem de forma conjunta, objetivando o mesmo fim e, por conseqüência, causam danos à propriedade particular ou à integridade física de terceiros.

4.1.3. Os movimentos multitudinários são decorrentes de fatos sociais, políticos ou econômicos

Os movimentos multitudinários são parte integrante de uma evolução histórica de um contexto de reivindicações sociais, como bem assevera Elias de Oliveira, invocando seus conhecimentos da psicologia criminal:

"Sob o ponto de vista psicológico, corporações outrora não sindicalizadas, pululantes nos tempos antigos, na Idade Média e na Renascença, trepidantes e impetuosas, posto que, hoje, sob nova forma surjam armadas pelo sindicalismo, para a luta, sem trégua, das chamadas reivindicações sociais. E, quando se aglomeram nas ruas para reclamar, delas se formam, quase sempre, massas tumultuárias que cometem crimes".(11)

4.1.4. Os movimentos multitudinários causam danos em propriedade pública ou particular, como também em pessoas físicas

A Constituição Federal consagrou o direito à vida, à segurança e à propriedade no rol dos direitos fundamentais, inseridos no artigo 5º caput e inciso XXII, isto é, com eficácia e aplicabilidade imediatas e só encontrando limites legais nos demais direitos e garantias igualmente consagrados pela Carta Magna.

Destarte, se o Poder Público, quando lhe era possível, deixa de evitar danos causados por atitudes ilícitas praticadas por um aglomerado humano, será obrigado a indenizar o administrado lesado, uma vez que falhou no cumprimento de seu dever de proteção da segurança, da vida e da propriedade de particulares.

Por outro lado, quanto à propriedade pública, que é bem de interesse coletivo, têm os cidadãos direito sobre ela e podem exigir que esta esteja em perfeito estado de conservação. Assim, se o Estado não tomou as medidas necessárias para assegurar a integridade desse bem, os cidadãos têm a faculdade de exigir do Poder Público providências necessárias nesse sentido. O instrumento utilizado por eles para defender o interesse público é a ação popular, prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIII.

Também será possível a indenização de um ente político por outro, se caracterizada a omissão daquele que era o responsável pela segurança de um bem administrado por outro ente e, dessa omissão, resultou-se um dano.

4.1.5. Os movimentos multitudinários, enquanto tais, não configuram conduta penal

Os movimentos multitudinários são perpetrados por um grupo de pessoas que, diante de uma anomalia social, econômica ou política, pratica conduta que, analisada individualmente, configuraria crime ou contravenção penal, uma vez que tal conduta causa dano aos particulares.

A ausência de previsão na legislação pátria que tipifique os movimentos multitudinários como crime ou contravenção penal induz a necessidade da verificação isolada de cada ato praticado pelos integrantes do movimento que cause dano ao administrado, para aí se averiguar se constitui conduta típica, antijurídica e culpável.

4.1.6.Quantidade de pessoas participantes do movimento multitudinário

Embora não se tenha uma determinação legal ou sociológica de quantas pessoas são necessárias para formar uma massa, José Cretella Júnior define os movimentos multitudinários como deslocamentos de povos ou de parte da população, daí se concluindo que os movimentos multitudinários são necessariamente formados por um aglomerado humano que, enfurecido e incontrolável, seja capaz de causar danos a particulares.

Desta forma, os movimentos multitudinários são formados por um ilimitado e incontável número de populares, o que torna impossível a individualização e a identificação de seus componentes.

4.2. Traços distintivos entre os movimentos multitudinários e os demais movimentos de massa

Necessária se faz a distinção entre os movimentos multitudinários e outros tipos de movimentos populares, em face da identidade de certas características que lhes são peculiares e dos diferentes efeitos jurídicos que poderão produzir.

4.2.1. Rixa

A rixa é um movimento popular que difere substancialmente dos movimentos multitudinários uma vez que esta não deriva de movimento político-social e seus integrantes possuem interesses divergentes, brigando entre si, agindo violentamente e promovendo agressões recíprocas, havendo animosidade e desavenças entre eles. Outra dessemelhança entre a rixa e os movimentos multitudinários é que aquela é um crime, configura conduta penal, diferentemente do que ocorre com o segundo, que só configuraria conduta penal se os atos de seus integrantes fossem analisados individualmente.

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Entretanto, tanto os participantes de rixa como os dos movimentos de multidão poderão praticar condutas penais, tais como vias de fato e lesão corporal, que atingem a integridade física de outrem, sendo certo que, em ambos os casos, a identificação de sua autoria é muito difícil.

O Estado não poderá ser responsabilizado por possíveis danos em casos de rixa, haja vista que, se o Poder Público fosse responsável por tais danos, estar-se-ia abrindo um precedente para obrigá-lo a indenizar os danos advindos de todos os delitos, o que seria um contra-senso.

4.2.2. Linchamento

Da mesma forma, o linchamento não pode ser confundido com os movimentos multitudinários pois aquele consiste na reunião de pessoas com o propósito predeterminado de executar alguém ou castigá-lo com duras penas por ter praticado algum ato reprovável pela sociedade e pelo direito.

Observa-se que, embora haja uma manifestação de descontentamento por parte dos populares tanto nos movimentos multitudinários como no linchamento, este último somente é dirigido contra uma ou mais pessoas, supostamente autoras de crime – ou de outra conduta reprovável -, não havendo qualquer conotação de reivindicação social, mas sim de realização da justiça pelas próprias mãos, o que contraria os princípios gerais de justiça.

Logo, nossos tribunais não têm admitido a responsabilidade do Estado por ocorrência de linchamento:

"INDENIZAÇÃO. Fazenda Pública. Responsabilidade Civil. Morte e linchamento, praticado por populares, após a tentativa de estupro. Responsabilidade do estado insubsistente. Impossibilidade do Poder Público estar ostensivamente presente a fim de evitar qualquer ilícito. Verba indevida. Recurso não provido. Não está verdadeiramente o Poder Público obrigado a exibir presença ostensiva em todo e qualquer canto, hora e local do território nacional, de molde a assim supostamente obstar a perpetração de qualquer ilícito. Destarte, nenhuma a responsabilidade do Estado pelo linchamento"

(São Paulo, Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 184.691-1. Relator: Cunha de Abreu. 28 de janeiro de 1993. (JUIS - Jurisprudência Informatizada Saraiva. São Paulo, 2000. CD ROM n. 17)."

4.2.3. Movimentos ufanistas

Os movimentos multitudinários são decorrentes de fatos sociais, políticos ou econômicos. Por essa característica distinguem-se totalmente dos movimentos ufanistas, sendo que estes são movimentos eufóricos de parte da população, manifestando-se seus integrantes orgulhosos ou satisfeitos por algum motivo em dada ocasião, não havendo reivindicações sociais, mas tão somente de comemoração ou manifestação de patriotismo, por exemplo.

Tais movimentos diferem-se substancialmente dos multitudinários pelo seu objetivo, pois estes possuem caráter político-social, enquanto aqueles têm caráter comemorativo, na expressão de um contentamento por determinado fato, podendo ou não advir, de ambos, danos a pessoas ou a propriedades particulares.

4.2.4. Terrorismo

Note-se que os atos de terrorismo, apesar de também atentarem contra a paz pública e de causarem danos a particulares, não guardam qualquer outra semelhança com os movimentos multitudinários, o que se extrai da definição de Joaquim Ebile Nsefum, colhida por Sônia Sterman: "São atos contra a vida, integridade corporal, saúde ou liberdade das pessoas; de destruição ou interrupção dos serviços públicos ou de destruição ou apropriação do patrimônio que, verificados sistematicamente, tendem a provocar uma situação de terror que altera a segurança e a ordem pública com fins políticos".(12)

Além de se apresentarem em diferentes contextos sociais, outra diferença basilar entre os atos de terrorismo e os movimentos multitudinários é que aqueles têm a intenção de provocar temor na população, enquanto estes últimos têm como fim uma melhora no contexto social com o qual não se concorda, não visando a aterrorizar a população.

Ademais, no terrorismo ocorre forçosamente a premeditação dos atos terroristas, sendo que seus integrantes são geralmente identificáveis e em número limitado, o que não ocorre nos movimentos multitudinários, formado por incontável número de populares, o que torna impossível sua individualização, pois é uma manifestação mais abrangente, de caráter social.

No Brasil não há previsão legal do delito de terrorismo, ocorrendo o mesmo na Itália e em Portugal, onde também não há previsão de direito à indenização às vítimas de tal ato.

Em contrapartida, na França, a Lei 86-1020, de 9.9.86, define o ato de terrorismo e institui um fundo de garantia para o ressarcimento dos prejuízos físicos causados às vítimas, sendo que anteriormente a esta lei a indenização era feita por seguradoras e, na Espanha, a Lei 20.007 prevê subsídios às pessoas que sofreram danos causados por atos terroristas, desde que não sejam autores dos mesmos ou não tenham dele participado.

4.2.5. Revolução política

Outro movimento praticado por um aglomerado de pessoas é a revolução política, que consiste em um movimento promovido por uma classe, partido ou facção, objetivando especificamente a mudança repentina das instituições políticas e governamentais, impondo uma política diversa, com o emprego de violência psicológica, podendo ou não ser exercida a violência física, com a ajuda ou não das Forças Armadas.

Sônia Sterman define assim a revolta:

As hipóteses de atos de revoluções compreendem os atos dos comandos militares em rebelião, que causam danos às propriedades, ou à própria integridade física dos particulares, sem a participação de populares. Aqui, os sujeitos ativos são, na maioria das vezes, os militares no exercício de sua função pública da defesa da ordem pública e instituições vigentes".(13)

Contudo, em que pesem as semelhanças existentes entre a revolução e os movimentos multitudinários, a diferença substancial entre ambos reside nos seus objetivos, pois a revolução política visa à alteração de um regime político, mudando as instituições políticas e governamentais, uma finalidade distinta dos movimentos multitudinários, nos quais seus participantes não tencionam precipuamente causar mudanças, mas sim manifestar-se contra algo que não julgam justo.

Ressalte-se que na revolução há basicamente dois tipos de atos danosos: os atos de agentes públicos – quase sempre as Forças Armadas – que, no exercício de suas funções, tentam debelá-la, e os atos dos revoltosos, que também poderão ser militares ou agentes públicos, mas que aí estarão agindo fora do exercício de suas funções.

O Supremo Tribunal Federal, em 1941, produziu um julgado asseverando que a União é responsável pelos danos causados aos particulares em conseqüência de atos praticados pelas forças armadas com o intuito de debelar a rebelião, respeitando-se o direito dos proprietários. Contudo, sustentou a irresponsabilidade do Estado pelos atos dos revoltosos causadores de prejuízos aos particulares sob o fundamento de que eles não eram funcionários públicos.(14)

Assim, os danos advenientes de atos de revoltosos serão indenizáveis somente quando caracterizada a omissão do Estado (que deverá ser provada pelo lesado), uma vez que a revolta trata-se de uma espécie de caso fortuito – que exclui a responsabilidade estatal, como já visto – e diante da qual o Poder Público torna-se impotente.

4.2.6. Atos de guerra

Da mesma forma, os atos de guerra devem ser separados em atos praticados por particulares durante a guerra e em atos praticados pelas forças armadas estatais em guerra.

De um modo geral, os atos de guerra são todos aqueles que estão relacionados com a guerra, desencadeados pela atuação das operações militares, podendo ser preparatórios para a guerra ou mesmo operações bélicas, consistindo na ocupação, danificação ou destruição de bens.

A priori, o Estado não era considerado responsável pelos danos provenientes de tais fatos por serem resultantes de um estado de necessidade ou de força maior, o que exclui a ilicitude do ato, como aduziu o doutrinador francês Teissier na Revista de Direito Administrativo n.10, p.132.(15)

Em um segundo momento, passou-se a aceitar a responsabilidade do Estado por motivo de solidariedade nacional e de justiça, conforme salientou Lino Moraes Leme: "Em se tratando de danos causados por guerra, mesmo civil, o Estado não deve indenização, a menos que entenda dever conceder, parcial ou completo, por espírito de solidariedade nacional". (16)

Para o direito francês, "a guerra consiste num estado de beligerância entre duas nações"(17), sendo somente indenizáveis os danos causados por atos de guerra se houver fundamentação legal especial e em um contexto social, ocorrendo a mesma hipótese no direito italiano.

No direito português, porém, o Estado não é legalmente obrigado a indenizar os particulares lesados pelos atos de guerra, mas, dentro de suas possibilidades, oferece assistência às suas vítimas.

Doutro lado, nas guerras civis os atos de guerra sempre serão perpetrados por particulares, cabendo ao Estado a obrigação de indenizar tão somente nos casos em que, numa situação em que foi chamado a prevenir o dano, sendo possível fazê-lo, for omisso.

4.2.7. Represália

Há outro ato praticado em período de guerra e que poderá causar prejuízos: é a denominada represália, definida por Caio Mário da Silva Pereira como "a retribuição de um mal ao súdito do país inimigo, a fim de obrigá-lo a retornar aos preceitos jurídicos de que se tenha afastado".(18)

No entanto, somente prepostos do Poder Público, tais como comandantes de exércitos, chefes de tropas e oficiais superiores é que poderão, em casos específicos, praticar a represália contra súditos de países inimigos.

Há uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que julgou procedente um pedido de indenização contra o Estado por danos causados a estrangeiros em represália:

"Responsabilidade do Estado por danos que a imprevidência de seus agentes não procurou evitar. Decreto Federal, restringindo alguns direitos a súditos de nações em guerra com o Brasil, não acarreta fiquem essas pessoas impossibilitadas de defender seus bens e pedir reparação de danos ocorrentes. Vistoria "ad perpetuam". Não é meio para interromper a prescrição. Responsabilidade do Estado para indenizar prejuízos

(Brasília. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recurso Extraordinário, n.12973. Relator: Lafayette de Andrada. 01 de junho de 1950. Diário da justiça. Brasília, 04 de abr. 1952, p.1683)".

Mister se faz destacar que, paralelamente à represália, podem ocorrer movimentos multitudinários. É o que ensina Caio Mário da Silva Pereira:

"Não é raro que a notícia de atos, muitas vezes cruéis, cometidos contra populações civis desarmadas, provoquem movimentos multitudinários. Multidões enfurecidas atacam pessoas, destroem propriedades, incendeiam casas. Nem por isso justifica-se com o pretexto de que o foram devido à justa repulsa aos atos inimigos. Com toda a sua crueza, a "represália" há de obedecer a certas normas que lhe imprimem regularidade".(19)

Para elucidar tal fato, o ilustre doutrinador menciona em sua obra um caso típico ocorrido no Brasil, em que nacionais depredaram estabelecimentos comerciais de estrangeiros, oriundos de países com os quais o Brasil estava em guerra, causando-lhes danos. Desta forma, provada a omissão do Estado em reprimir tais fatos, o mesmo foi condenado a indenizá-los sob o fundamento da responsabilidade civil do Estado, em que os lesados têm direito a ser ressarcidos pelos danos sofridos.

Diante disso, é importante destacar que, embora num contexto de guerra possam surgir movimentos multitudinários, os participantes destes estarão praticando uma conduta penal como repulsa a algum ato ou fato, como forma de reprimi-lo, e nunca com o intuito de insuflar a própria guerra.

4.2.8. Piquete grevista

Há que se destacar também a existência de um movimento conhecido por piquete grevista, que se trata de uma manifestação de um grupo de pessoas – trabalhadores ou sindicatos - que se opõem a uma situação e, enquanto não atendidas as suas reivindicações, impedem a entrada de outros trabalhadores em estabelecimentos comerciais ou industriais onde desempenhem suas funções.

No piquete grevista seus integrantes têm um fim comum: a reivindicação, reclamando melhores condições, entre outras coisas e paralisando a prestação de serviço aos empregadores. No entanto, sua realização nem sempre causa danos à propriedade alheia, posto que o intuito desta manifestação é promover a paralisação do serviço e reivindicar, perante o empregador, algo que os grevistas acham justo, não dando causa à prática de uma conduta penal, diferentemente do que ocorre com os movimentos multitudinários em que tal conduta é a causa dos danos suportados pelos particulares.

A jurisprudência é receptiva quanto à responsabilização estatal quando da ocorrência de piquete grevista se advierem danos ao particular e se estes forem resultado da omissão do Estado:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - Fábrica invadida e depredada por "piquete grevista" composto de operários estranhos ao seu quadro. Providências não tomadas pela polícia no sentido de impedir manifestações grevistas, não obstante tempestivamente notificada das ocorrências. Responsabilidade do Poder Público pelos danos verificados. Ação de indenização procedente

(São Paulo. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 3ª Câmara. Ação de Indenização n. 99.235. Relator: Souza Lima. 17 de março de 1960. Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 297, p. 301, jul. 1960)".

4.2.9. Saque e depredação

O saque e a depredação, apesar de apresentarem semelhanças com os movimentos multitudinários, destes diferem: naqueles os interesse nem sempre são convergentes e, ademais, o saque e a depredação são atos contidos num movimento de massa, não podendo se traduzir no próprio movimento de massa.

O saque, além de estar previsto na Lei nº 7170/83, corresponderá ao crime de furto ou de roubo e a depredação corresponderá ao crime de dano, se individualmente considerados, o que não acontece com os movimentos multitudinários que, apesar de reprovados pela sociedade, não são tipificados e punidos pelo Código Penal.

Estas condutas penais podem ser praticadas por qualquer motivo, individualmente ou não, e são inerentes a vários movimentos, tais como multitudinários, ufanistas, revolução, piquete grevista, entre outros, pois são praticados pelos sujeitos ativos de cada movimento em diferentes contextos e por diversas razões, como, por exemplo, em virtude de uma vitória do Brasil na Copa do Mundo populares depredam estabelecimentos comerciais como atos de euforia (movimento ufanista); bem como pode ocorrer depredação de uma indústria pelos seus operários, os quais estão reivindicando melhores condições de trabalho (piquete grevista).

Assim se pronunciou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em casos de omissão do Estado diante de saques e depredações:

"Responsabilidade Civil - saques e depredações provocadas por manifestantes populares - indenização devida - recurso improvido: - responde o Poder Público pelos prejuízos causados a particular por turma de manifestantes, se a conduta omissiva das autoridades policiais ensejou a prática dos atos de vandalismo praticados contra as instalações comercias do apelado

(Brasília. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 2ª Turma Cível. Apelação Cível DF, acórdão n. 66837, Relator: Deocleciano Queiroga. 22 de abril de 1993. Diário da Justiça do Distrito Federal. Brasília, 17 nov. 1993, p.47.967)".

4.2.10. Movimentos populares

Finalmente, os movimentos populares divergem dos multitudinários porquanto aqueles são movimentos reivindicatórios praticados por um grupo de populares perante o Estado de forma ordeira, não se praticando condutas ilícitas ou causando prejuízos aos particulares; diferenciando-se dos movimentos multitudinários, que podem ser formados por pessoas de diversas classes sociais, econômicas ou profissionais, geralmente de forma desordenada, cujas condutas são semelhantes à transgressão penal, causando, por conseguinte, danos aos particulares.

Não obstante as semelhanças existentes entre os movimentos populares e os movimentos multitudinários, nota-se que o caráter pacífico daqueles afasta qualquer possibilidade de confusão entre os dois, sendo até mesmo possível que um movimento popular se transforme em um movimento multitudinário a partir do momento em que a multidão que o forma passe a realizar atos que causem danos a bens públicos ou particulares ou à integridade física de terceiros.

Sobre os autores
João Agnaldo Donizeti Gandini

juiz de Direito em Ribeirão Preto (SP), mestrando pela Unesp, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Ribeirão Preto

Luciana Rastelli Rangel

servidora pública, bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto, especialista em Direito Processual Civil

Cláudia Regina Martins

bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANDINI, João Agnaldo Donizeti; RANGEL, Luciana Rastelli et al. Responsabilidade do Estado por movimentos multitudinários.: Sua natureza objetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -516, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2676. Acesso em: 23 dez. 2024.

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