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A abolição dos embargos infringentes e as nuanças do novo Processo Civil brasileiro

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6 A TERCEIRA CORRENTE

As posições doutrinárias acima abordadas são aquelas que, de fato, sobressaem-se e possuem maior repercussão no mundo jurídico. Todavia, no meio a opiniões tão estanques, surge uma terceira corrente a qual desenvolve uma espécie de conciliação entre as duas dominantes. Diga-se “espécie de conciliação” por não se tratar, deveras, de tese que extraia das correntes abolicionista e preservacionista suas melhores asserções e as junte em uma só colocação.

A doutrina eclética[vii], como assim é denominada, mostra-se mais inclinada à manutenção do recurso em disceptação, admitindo, contudo, a força dos argumentos sustentadores da corrente doutrinária oposta. Por conseguinte, defende que os embargos infringentes atuem em situações determinadas, previstas em lei.

Acerca do tema, Marcelo Negri faz as seguintes ponderações:

A crítica que se apresenta a essa corrente[viii] é a de que a corrente que argumenta pela extinção dos embargos infringentes possui também bons argumentos, fazendo surgir, assim, uma terceira corrente, com o intuito de apresentar uma solução intermediária entre as posições até aqui apresentadas.

(...) Apoiada na conciliação do radicalismo havido nas duas correntes anteriores, essa terceira vem forte na procura de se estabelecer um equilíbrio, separando as hipóteses consideradas boas para o sistema processual daquelas indesejáveis em um misto de manutenção e extinção do recurso. Nesse sentido, sem dúvida, revela-se a posição mais sedutora. (NEGRI, 2007, p. 127)

Acrescenta ainda que:

José Carlos Barbosa Moreira, em Comentários ao Código de Processo Civil, observa que nas primeiras três edições a conclusão era desfavorável aos embargos infringentes, assumindo a partir das edições posteriores, ante a experiência judicante, uma ressalva para admitir, de lege ferenda, a manutenção do recurso, com restrição do cabimento, excluindo-o quando a divergência se limitar a matéria preliminar de julgamento ou de acórdão que aprecia sentença meramente terminativa, e também no caso de confirmação da sentença apelada.

Assim, com o dispositivo atual do art. 530 do CPC, a Comissão da Reforma acolheu in totum essas últimas observações professadas por José Carlos Barbosa Moreira, agora fixadas de lege lata, verificando-se, na impossibilidade momentânea de se atacar as causas do abuso na interposição de recurso, cercar, mais uma vez, ao que parece, os efeitos. (NEGRI, 2007, p. 128)

Tal posicionamento, não obstante restrinja o cabimento do recurso em tela, é incapaz de afastar as críticas feitas à tese preservacionista. Ao contrário, o apontamento dos embargos infringentes como óbice à celeridade, bem assim da evolução processual, ainda se faz presente.

Como é de praxe ocorrer em teses dessa espécie, todas as objeções feitas pelas correntes doutrinárias adversas são coligidas em uma só: o dilema entre segurança jurídica e o bom fluir do processo apenas sofre singela atenuação. A restrição ao cabimento do recurso, aliás, mais parece ter sido uma maneira de apaziguar discussões, não trazendo, de fato, uma real solução.


7 CONCLUSÃO

O tema escolhido para abordagem mostra-se de extrema relevância para um melhor entendimento dos objetivos dos legisladores em relação às reformas que estão por vir com o Novo Código de Processo Civil.

Não obstante o debate existente entre a segurança jurídica e a celeridade processual, parece ser esta última uma tendência do processo brasileiro, na medida em que se percebe por parte dos legisladores a busca da presteza em detrimento de “certezas absolutas”. Reflexo disso é a retirada dos embargos infringentes do nosso ordenamento jurídico.

A tese segundo a qual os embargos infringentes devem ser mantidos por corresponderem a instrumento responsável por evitar injustiças sociais ou controvérsias jurisprudenciais não merece sustentação. Isto porque a decisão passível de ser embargada deve ter sido apreciada pelo menos duas vezes, podendo, a depender da situação, ainda ser revista pela terceira ou última instância.

Ora, medidas judiciais que possibilitem o questionamento de decisões não faltam às partes. Doutro lado, divergências nos tribunais não devem ser interpretadas como algo incomum. Ao contrário, a contraposição de ideias faz parte da atividade jurisdicional de um órgão colegiado. Logo, a não unanimidade da votação não significa uma má ou insuficiente apreciação do mérito.

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Outrossim, cai por terra o argumento de que a quantidade ínfima dos embargos infringentes não acarreta óbice à agilidade processual. Esquecendo-se dos números e visualizando essa assertiva qualitativamente, verificar-se-á que a interposição de embargos infringentes em um só processo pode influir de maneira considerável e, diga-se de passagem, desnecessária na vida das partes, especialmente no que tange ao quesito temporal. Esse argumento próprio da tese preservacionista, aliás, pode ser encarado como mais um ponto favorável à extinção da espécie recursal em tela. Com efeito, a rara utilização dos embargos infringentes pode ser vista como a sua própria caducidade frente ao processo civil atual.

Nestes termos, depreende-se, pela análise realizada neste artigo, que tal recurso pode ser retirado do sistema jurídico brasileiro sem que cause dano às partes, pois a sua interposição nada mais significa que um julgamento repetido. A segurança jurídica será mantida e garantida pelo recurso de apelação ou pela ação rescisória, não sendo necessário um segundo grau de jurisdição destes.

Prevista pelo Projeto do Código de Processo Civil, a extinção dos embargos infringentes concerne a providência cuja pretensão materializa-se através do alcance de uma maior fluidez do andamento processual, ou, por que não dizer, do equilíbrio entre agilidade e segurança jurídica.

Chega-se, então, à conclusão de que a celeridade, imprescindível para o real alcance da justiça das decisões, possui seus limites delineados pelo dever atribuído ao próprio ordenamento jurídico de garantir às partes os instrumentos judiciais para uma satisfatória apreciação da causa, dando-lhes oportunidade de exporem suas razões. Pode-se dizer, portanto, que a abolição dos embargos infringentes não corresponde à supervalorização do princípio da celeridade processual em detrimento de outro princípio, que é, evidentemente, a segurança jurídica.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei n° 5.869/73). Brasília: Senado, 1973. Atualizado com as modificações promulgadas até jul/2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Atualizada com as Emendas Constitucionais promulgadas até jul/2011.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado n°166 de 2010. Brasília: Senado, 2011. Atualizado com as modificações promulgadas até fev/2011.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. vol 2.

DA COSTA, Moacyr Lobo; DE AZEVEDO, Luiz Carlos. História do processo: recursos. São Paulo: Joen, 1996.

DIDIER, Fredie Junior; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Processo Civil. 3 ed. Salvador: Jus Podium, 2007. vol. 3.

GENERALI, Fernanda. Aspectos polêmicos dos embargos infringentes.  PUC/RS: 2007. Disponível em: <http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2007_1/fernanda_generali.pdf> Acesso em: 01 de novembro de 2010.

KLIPPEL, Bruno Ávila Guedes. Apontamentos sobre o recurso de embargos infringentes. 2004. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/5648> Acesso em: 06 de novembro de 2010.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. Tomo VII. Rio de Janeiro: Forense, 1975.

NEGRI, Marcelo. Embargos Infringentes: apelação, ação rescisória e outras polêmicas. Edição única. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.


Notas

[i]    “Assim, por exemplo, se no julgamento de uma apelação o relator condena o réu a pagar cem mil reais, o revisor a pagar sessenta mil reais e o vogal a pagar cinquenta mil reais” (CÂMARA, 2010, p. 111).

[ii]    “Assim, por exemplo, se cada magistrado condena o demandado a entregar ao demandante uma coisa diversa das referidas pelos demais (e.g., o relator condena o demandado a entregar um automóvel; o revisor o condena a entregar uma motocicleta; o vogal a entregar uma lancha)” (CÂMARA, 2010, p. 111).

[iii]   Fazem parte dela aqueles combatentes da retirada dos embargos da legislação em vigor, quais sejam: Pontes de Miranda e Flávio Cheim Jorge.

[iv]   Trata-se da posição possuidora do maior número de adeptos. Processualistas como Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Câmara Freitas, Humberto Theodoro Júnior, Luiz Guilherme Marinoni, entre outros, defendem a decrepidez dos embargos infringente e, consequentemente, sua abolição.

[v]    MARTINS apud DIDIER.

[vi]   “Humberto Theodoro Júnior, aderindo ao combate do excesso de meios impugnativos das decisões, boa parte da doutrina  se inclina contra eternização dos conflitos na exacerbação do corolário da segurança jurídica nas decisões, com disponibilização exacerbada de oportunidades impugnativas, culminando em um obstáculo à celeridade da prestação jurisdicional e do acesso à justiça.

       (...)Sérgio Bermudes, na mesma linha, efetua severas críticas à diversidade exagerada de meios impugnativos das decisões, acrescentando que o ideal seria manter apenas a apelação, para o gênero sentenças, o agravo, para algumas decisões interlocutórias, e os recursos excepcionais, para proteção federativa e uniformização das decisões no pais.

       Egas Dirceu Moniz Aragão faz coro com a corrente que defende a extinção dos recursos de embargos infringentes, informando que a existência do recurso não se justificaria, uma vez que concebido na própria incompreensão dos litigantes para se louvar nos argumentos do voto vencido, ou seja, na insistência obstinada, o que não se revela suficiente para sua manutenção.

       A seu turno, Carlos Alberto Carmona reconhece que os embargos infringentes desarmonizam o procedimento, pois um voto divergente não poderia ser motivo suficiente a justificar a existência de um recurso, propugnando por sua extinção. Conclusão semelhante é proposta por Luiz Guilherme Marinoni, que entende que os embargos infringente não se coadunam com a exigência de eficiência e rapidez, anseios inegáveis do corpo social em detrimento de uma perfeição ilusória e, na mesma esteira, José Luiz Mônaco da Silva e Paulo Sérgio Puerta dos Santos dizem que o legislador deveria ter excluído do art. 496 do CPC os embargos infringentes, evitando a lentidão na entrega do bem juridicamente tutelado, em privilégio aos votos e à imagem do próprio Poder Judiciário. Também, igualmente, Ada Pellegrini Grinover, uma vez que entende inexplicável a manutenção dos embargos infringentes no CPC de 1973, insurgindo-se irresignada contra a admissibilidade da nova revisão no mesmo tribunal, apenas pela existência de um voto divergente, repugnando o bis in idem recursal, o recurso do recurso, a oportunidade de impugnar duas vezes a mesma decisão” (NEGRI, 2007, p. 124-125).

[vii]   Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira e Marcelo Negri.

[viii]  Corrente preservacionista.

Sobre as autoras
Bárbara Dantas Neri

Advogada.<br>Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Romana Leão Azevedo Catão

Graduada em Direito, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERI, Bárbara Dantas; CATÃO, Romana Leão Azevedo. A abolição dos embargos infringentes e as nuanças do novo Processo Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3912, 18 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26904. Acesso em: 8 nov. 2024.

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