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Princípio protetor do direito do trabalho e o dano moral decorrente de condições precárias de higiene no ambiente laboral:

análise da jurisprudência do TST

Agenda 31/03/2014 às 17:30

É dever do empregador assegurar aos seus empregados condições dignas de higiene pessoal, sob pena de responder pelo dano moral decorrente do atentado à dignidade e integridade física e psíquica do trabalhador.

A consulta à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem revelado a inclinação da Corte em censurar a prática nefasta de certos empregadores brasileiros, os quais, em exercício manifestamente abusivo do poder de direção da atividade de labor, utilizam-se do expediente vil da restrição ao uso do banheiro. São casos nos quais os empregados são submetidos a um constrangimento absurdo, que lhes impõe punição, de todo vexatória e humilhante, pelo uso do aposento sanitário fora de intervalos predeterminados durante a jornada. Obviamente, tais condições caracterizam ato ilícito do empregador e ensejam indenização por dano moral.

Entretanto, o exercício abusivo do poder diretivo do empregador é experiência que conta os mais diversos subterfúgios, a lesar a dignidade da pessoa humana do trabalhador. É suficiente pensar na situação seguinte: um pintor industrial laborava em condições sub-humanas para a empresa Wenger Jateamentos Ltda. No banheiro, não havia papel higiênico, tanto que era obrigado a levá-lo de casa. Além disso, no local de labor não havia água potável, o que obrigava o pintor a beber água de poço, cheia de lodo e sujeiras. Tal descrição remete a caso concreto, que foi submetido ao crivo do Poder Judiciário trabalhista. Mas, independentemente da tutela jurisdicional, julgando-se a situação pelo bom senso (ou pelo simples senso de justiça), parece fora de dúvida que as circunstâncias denotam uma indisfarçável lesão extrapatrimonial. Ou seria razoável exigir que o empregado, não obstante a proteção constitucional ao valor social do trabalho (CF, art. 1º, IV, c/c art. 170, caput), pudesse ser submetido a condições de labor degradantes, logo, não fazendo jus à indenização por dano moral?    

Infelizmente, a 2º Turma do TRT2 (SP) entendeu que seria razoável a exigência ao arrepio das normas de direitos fundamentais. Por isso, ao apreciar o caso concreto do pintor industrial submetido a condições precárias de higiene no local de trabalho, entendeu que não assistia razão ao reclamante e prolatou acórdão, a afastar a indenização por danos morais requerida. Eis trecho do capítulo do acórdão a que me refiro (grifos meus):

b) Dos danos morais

Partindo da premissa de que o fundamento jurídico para se estabelecer indenização, nos moldes vindicados pelo demandante, no âmbito do Direito do Trabalho - do qual o direito comum é fonte subsidiária, na forma do parágrafo único do artigo 8º da CLT, a autorizar o equacionamento da aplicabilidade dos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro - é o mesmo da reparação do dano como princípio geral de direito, de conformidade com o inciso III do artigo 1º e incisos V, X, XXXIV e XXXV do artigo 5º, ambos da Constituição Federal, na percuciente análise dos contornos da lide, revela-se a viabilidade do acatamento das razões recursais.

Sem perder de vista que a lesão moral é a que afeta o ser humano de maneira especialmente intensa, vulnerando profundos conceitos de honorabilidade, atingindo o foro íntimo, abalando estruturas psíquicas, exigindo-se, por esses motivos, que o fato apontado como causador seja extremamente grave, no caso em discussão, porque as condições reputadas adversas à saúde (não fornecimento de produtos higiênicos e água potável) podiam, conforme o próprio relato exordial, ser elididos pelo próprio trabalhador, não remanesce subsídio para a caracterização de abalo psíquico justificador da reparação que, via de consequência, deve ser expungida da condenação.

(...)

ACORDAM. os Magistrados da 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em NÃO CONHECER dos documentos ns. 02/10 e 12/262, do volume de apartados, e CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ordinário interposto pela reclamada, para excluir da condenação o pagamento de indenização por danos morais e determinar a observância da ordem Judicial emanada do MM. Juízo Cível no que pertine à retenção de montante devido a título de pensão alimentícia, mantendo, no mais, a r. sentença de origem, de conformidade com a fundamentação do voto da Relatora.”   

Ora, a decisão supra entendeu incabível o pagamento de danos morais ao reclamante. Justificou-se, então, escorada na tese segundo a qual o trabalhador poderia ter eliminado as condições adversas de trabalho às quais estava submetido. Em outras palavras, a 2º Turma do TRT2 entendeu que o empregado poderia perfeitamente levar o papel higiênico de casa, bem como sua água potável, sem que isso lhe causasse qualquer tipo de abalo indenizável. 

À evidência, essa é uma decisão que colide diretamente com o princípio protetor do Direito do Trabalho. Com efeito, o subsistema iustrabalhista está estruturado normativamente na circunstância de o empregado ser o polo vulnerável da relação de emprego. Sendo assim, a parte mais fraca da relação é merecedora de uma proteção especial. Disso decorre que o princípio protetor desdobra-se em três subprincípios: 1) in dubio pro operario; 2) aplicação da norma mais favorável; e 3) condição mais benéfica. Em todas as hipóteses, contudo, o que se quer mesmo é garantir que o polo mais fraco da relação de trabalho fique protegido, assegurando-lhe uma igualdade material (substancial), em detrimento a uma igualdade de cunho meramente formal.        

Dessa maneira, se o empregado é o polo mais fraco da relação jurídico-trabalhista, o empregador terá de arcar com alguns deveres. Entre eles, encontra-se, por exemplo, o de fornecer os equipamentos de proteção individual (EPI), bem como o de instruir os funcionários quanto às precauções necessárias para evitar acidentes de trabalho. É o que decorre do art. 157 da CLT:

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Art. 157 - Cabe às empresas: 

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; 

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; 

IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. 

Esse mesmo raciocínio também vale para as condições de higiene do ambiente de trabalho. Se o empregador não assegura que o local de labor seja digno, põe-se a violar princípio constitucional regente da ordem econômica, que, nos termos do caput do art. 170 da Constituição, visa a “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Inadmissível, portanto, como decidiu o TRT2, inverter o ônus de garantia das condições necessárias à salubridade do ambiente laborativo, atribuindo-o ao empregado, polo vulnerável da relação.  

A questão foi submetida ao TST. Sua Terceira Turma então, felizmente, reformou o acórdão do Regional. Prevaleceu o entendimento de que a privação de condições dignas para higiene pessoal é fator que desencadeia o dano moral. O aresto ficou ementado da maneira seguinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE HIGIENE. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto à indenização por dano moral, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, X, da CF suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE HIGIENE. O direito à indenização por danos morais encontra amparo no art. 186 do Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, III e IV, da CF/88). A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. Na hipótese dos autos, embora tenha sido consignada no acórdão a informação de que o ambiente de trabalho não dispunha de produtos higiênicos e água potável - do que se conclui que os trabalhadores eram privados de condições dignas para higiene pessoal -, o Tribunal Regional absolveu a Reclamada da condenação ao pagamento de indenização, por entender que tais circunstâncias não ensejam a ocorrência do dano. Contudo, as condições de trabalho a que se submeteu o Reclamante atentaram contra sua dignidade e integridade psíquica ou física, ensejando a reparação moral, conforme autorizam os artigos 186 e 927 do Código Civil, bem assim o inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. (TST, 3º Turma, RR-43-41.2011.5.02.0463, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 21/08/2013, p. 23/08/2013).   

Portanto, consoante entendeu a Terceira Turma do TST, é dever do empregador assegurar aos seus empregados condições dignas de higiene pessoal, sob pena de responder pelo dano moral decorrente do atentado à dignidade e integridade física e psíquica do trabalhador, tudo com arrimo nos arts. 186 e 927 do Código Civil, além do art. 5º, X, da Constituição de 1988. Trata-se de entendimento acertado, pois se harmoniza com a tutela de direitos fundamentais que lastreia todo o ordenamento jurídico pátrio e, notadamente, confere proteção jurídica ao trabalhador brasileiro.   

Finalmente, há um detalhe que constou nos autos desse caso concreto merecedor de atenção. Segundo relatado no juízo a quo, as condições sub-humanas de higiene não valiam para todos na empresa. Nos banheiros da secretaria e da diretoria havia tanto papel higiênico quanto água potável. Apenas os empregados subalternos, caso do pintor industrial, eram submetidos à degradação humilhante da falta de asseio laboral. A observação desse detalhe cumpre, assim, a função de potencializar a injustiça do caso concreto, ao passo que reforça a importância da Justiça do Trabalho na garantia da força normativa da Constituição – máxima do princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador - contra os abusos do capital privado.  

REFERÊNCIAS

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 de mar. 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 de mar. 2014.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Terceira Turma. Recurso de Revista 43-41.2011.5.02.0463, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 21/08/2013, p. DEJT 23/08/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de mar. 2014.

Sobre o autor
Rafael Theodor Teodoro

Graduado em Direito pela UFPA. Especialista em Direito Constitucional, Direito Tributário e Ciências Penais pela Universidade Uniderp/Anhanguera. Ex-Advogado. Ex-Analista Judiciário. Atualmente atua como Analista/Assessor de Promotor de Justiça, função que exerce após aprovação em concurso público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEODORO, Rafael Theodor. Princípio protetor do direito do trabalho e o dano moral decorrente de condições precárias de higiene no ambiente laboral:: análise da jurisprudência do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3925, 31 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27084. Acesso em: 22 nov. 2024.

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