~A Emenda Constitucional nº 72
1. Introdução
Conhecendo as recentes alterações nas leis trabalhistas, decido analisar a Emenda Constitucional nº 72 (EC 72). A emenda estudada alterou ao art. 7º, da Constuição Federal de 1988, versando sobre os direitos dos trabalhadores domésticos.
Dentro deste cenário, pretendo realizar três perguntas para entender consequências jurídicas e sociais deste fato à luz da Constituição, são elas:
I. O art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, anterior à Emenda Constitucional nº 72 viola o princípio da igualdade, como entendido pelo Deputado Carlos Bezerra em sua justificativa para o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 478?
II. A Emenda Constitucional nº 72 está de acordo com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil?
III. Os efeitos da Emenda Constitucional nº 72 serão positivos ou negativos para essa categoria de trabalhadores?
Essas perguntas serão respondidas ao final dos comentários.
2. Fundamentação para resposta das questões levantadas
A EC 72 procura assegurar uma igualdade de direitos entre os trabalhadores urbanos, rurais e domésticos; ora, nas discussões necessárias ao projeto da emenda o Procurador do Ministério Público do Trabalho, dr. Antônio de Oliveira Lima, levantou aspectos culturais relevantes sobre o assunto. Em seu entendimento, temos um quadro de não efetivação plena de direitos desde a promulgação da atual Constituição.
Deve-se recordar que, em 1988, houve um avanço em relação aos direitos que foram estendidos aos domésticos, mas não se conseguiu igualar seus direitos aos dos demais trabalhadores, criando uma subcategoria de trabalhadores. Argumentou que, de fato, não há como compreender essa diferença e que só alguns aspectos culturais ou preconceitos de uma sociedade ainda presa às suas origens escravocratas pode explicar essa diferenciação. (BRASIL, 2012, p. 3)
Interessante é colocar as relações escravocratas como aspecto relevante para entender a necessidade de se buscar igualdade entre os trabalhadores, como objetivo querido pela Constituição, no caput do art. 7º.
Não menos preocupante do que a desigualdade entre as categorias de trabalhadores é notar dois aspectos: a desigualdade de instrução entre as trabalhadoras brancas e negras e a renda que não acompanhou o crescimento do salário mínimo. São essas problemáticas apresentadas no parecer da Comissão Especial, já citada, pelo dr. André Gambier Campos, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
[...] apenas 1/3 dos trabalhadores domésticos estão formalizados, e as trabalhadoras negras ainda tem uma taxa de formalização inferior a das trabalhadoras brancas, o que faz com que fiquem sem proteção previdenciária. Há, ainda, um descompasso existente na renda desse profissional, pois, embora a renda tenha crescido, não conseguiu acompanhar o reajuste do salário-mínimo. (BRASIL, 2012, p. 8)
Essas condições apresentadas pelo representante do Ipea são facilitadoras para uma condição de vulnerabilidade social; dessa forma, é razoável esperar que a Constituição permita uma alteração na esperança de buscar a melhor condição de vida e trabalho para essas pessoas.
Observando essas circunstâncias, se faz necessário, então, conhecer se a Constituição recepciona essa mudança. Para tanto, temos o art. 3º como base para esta reflexão.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição, percebe-se, impõe certos objetivos à República; um projeto de nação, e espera-se que os cidadãos busquem esses objetivos. Sobre esse artigo fundamental, temos o comentário da doutrina do Direito.
O art. 3º da Constituição Federal arrola os assim chamados objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, cujo propósito é o de aparelhar ideologicamente o texto constitucional, revelando que todo o conjunto ordenamental que irá se levantar nos dispositivos subsequentes se prende à realização de alguns objetivos básicos, que nada mais realizam do que a tradução de justiça social. (ARAUJO; JÚNIOR, 2012, p.146)
Observando, então, o que é esperado pela Constituição, temos a necessidade de que os Poderes busquem essa realização; espera-se que a EC 72 tenha esses efeitos, buscando a melhoria das condições de trabalho da categoria afetada. Nada menos do que a materialização dos objetivos da República.
Levantou-se a questão de possíveis violações ao princípio da igualdade, como apresentado pelo autor da PEC em questão. Para verificar, devemos analisar o conteúdo jurídico deste princípio. Esse princípio é positivado por meio do art. 5º, caput, da Constituição.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
Para melhor examinar esse princípio, utilizo o estudo da doutrina, indicando critérios para tal.
Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância dessa correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. (SILVA, 2000, p. 21)
Conhecidos os critérios, faz-se necessário submeter a EC 72 a uma análise e, assim, descobrir se a justificativa do deputado é pertinente.
No item ‘’a’’, dos critérios, temos o art. 7º, par. ún. sendo um elemento discriminatório; vale lembrar que a norma exposta é anterior a Emenda, logo, deve ser exposta no trabalho.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.
O deputado considera o dispositivo como uma ‘’limitação’’ aos direitos dos trabalhadores domésticos. ‘’Todavia, o sistema hoje em vigor, que permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, é uma verdadeira nódoa na Constituição democrática de 1988 e deve ser extinto’’ (BRASIL, 2010, p. 2). A dúvida do deputado é, certamente, pertinente – o parágrafo único do artigo assegura apenas alguns dos incisos presentes no artigo. Dessa forma, o elemento estudado pode ser tomado como um fator de discrímen.
No item ‘’b’’, o elemento erigido em critério de discrímen e o remédio proposto – a revogação do dispositivo – tem, sim, correlação lógica: os trabalhadores domésticos terão os mesmos direitos de outros trabalhadores. Apesar disso, optou-se por não revogar o dispositivo, mas complementá-lo com os dispositivos previstos no art. 7º e assegurar o acesso dessa categoria à previdência social.
Por fim, estudando o item ‘’c’’, igualar essa classe de trabalhadores aos outros protegidos pelo art. 7º é possível dentro daquilo esperado pela Constituição, nos objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil.
Quando trata-se de relação de trabalho, em especial quando o beneficiado é o trabalhador, são sempre levantadas as consequências negativas de uma maior onerosidade ao empregador; isso seria traduzido em desemprego. Pois bem, o já citado Procurador do Ministério Público do Trabalho levanta uma hipótese que refuta essas colocações, utilizando-se de analogia em uma circunstância semelhante: o aumento do salário mínimo.
Por fim, disse que a justificativa para não se conceder a igualdade é sempre em relação ao fato de que assegurar mais direitos aos domésticos trará desemprego. Mas tal justificativa já foi apresentada em outros momentos, inclusive em relação ao aumento do salário-mínimo, mas a realidade mostrou que a política de proteção às relações de trabalho levou ao crescimento econômico que gerou mais empregos. Assim, a defesa mais forte para a aprovação da PEC é a defesa da dignidade do trabalhador doméstico. (BRASIL, 2012, p. 4)
Claro que os efeitos práticos da Emenda à Constituição não podem ser notados com clareza, haja visto que ela foi aprovada em 2013. No entanto, utilizo-me da mesma analogia mostrada pelo procurador e, observando circunstâncias semelhantes, não é razoável esperar que os trabalhadores domésticos sofram efeitos negativos. Mostrando, então, meus fundamentos, coloco.
I. O art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, anterior à Emenda Constitucional nº 72 viola o princípio da igualdade, como entendido pelo Deputado Carlos Bezerra em sua justificativa para o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 478?
Há dois momentos nessa resposta. O anterior à EC 72 é uma clara violação do princípio constitucional da igualdade, quando submetido aos critérios apresentados pela doutrina; isso ocorre porque, naquela hipótese, o trabalhador doméstico não teria direito a perceber os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Em um segundo momento, posterior a promulgação da EC 72, essa discrepância é remediada; agora eles podem perceber os mesmos direitos e gozar dos benefícios da previdência social.
II. A Emenda Constitucional nº 72 está de acordo com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil?
Sim. Ao colocar os trabalhadores domésticos num patamar de igualdade em relação as demais categorias, espera-se um efeito de melhoria das condições de trabalho dessa classe e da remuneração percebida. Isso, certamente, está de acordo com aquilo esperado pela Constituição, afinal, fez-se o compromisso de contruir uma sociedade justa, livre e solidária, além dos outros objetivos que estão intimamente relacionados. A EC 72 é uma resposta ao compromisso firmado.
III. Os efeitos da Emenda Constitucional nº 72 serão positivos ou negativos para essa categoria de trabalhadores?
Utilizando-me de analogia, os resultados serão, sim, positivos. Já houve momentos em que incertezas permearam o imaginário da população quando uma atividade subordinada trona-se mais onerosa ao empregador; eis o exemplo do salário mínimo, e, que nas palavras do procurador do Ministério Público do Trabalho, trouxe crescimento econômico ao país e benefícios para a população. Com os trabalhadores domésticos não há de ser diferente.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Verbatim, 2013.
BRASIL. Comissão Especial destinada a proferir parecer à proposta de Emenda à Constituição nº 478-A, de 2010, do Sr. Carlos Bezerra, que ‘’revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais’’. Brasília: Congesso Nacional, 2012.
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição nº de 2010. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010.
SILVA, José Afonso. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
A Emenda constitucional n° 72
27/03/2014 às 08:56
A emenda constitucional de n° 72 alterou o art. 7° da constituição Federal de 1988, versando sobre os direitos dos trabalhadores domésticos.
Larissa Moura
Assessora de Departamento
Fábio Romeiro
Estudante
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