Resumo: O parentesco tem sido alvo das atenções dos tribunais judiciais e de contas por não ser mencionado expressamente pela legislação como espécie de impedimento à participação em licitações públicas. O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar que as cláusulas constitucionais de vedação ao nepotismo expressas nos princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade e isonomia são extensíveis ao plano das licitações públicas, sob a forma de impedimento de participação em licitações públicas de empresas, em cujos quadros sociais haja a presença de parentes de gestores públicos, independentemente de lei expressa a respeito. Para tanto foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica explicativa e dogmática em obras de hermenêutica constitucional e direito administrativo, e na jurisprudência dos diversos Tribunais do País, sobretudo, do STF, STJ e TCU. Os resultados encontrados demonstram que os Tribunais, inclusive o TCU, têm reconhecido que a imposição do impedimento aqui estudado prescinde de lei expressa dada a autoaplicabilidade dos princípios republicanos, concluindo-se que estas cortes podem apresentar orientações jurisprudenciais e administrativas que possibilitem o controle preventivo da prática do nepotismo em licitações.
Palavras-chave: Princípios republicanos. Normatividade. Nepotismo. Licitação.
1) INTRODUÇÃO
1.1) Colocação do tema.
A Constituição Federal estabelece que as obras, compras e serviços serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, cabendo à lei 8.666/93 a regulamentação do dispositivo constitucional que trata da obrigatoriedade de licitação (art. 37, Inc. XII).
A Lei de licitações, de seu turno, dispõe em seu artigo 9° um rol de impedimentos à participação direta ou indireta nas licitações públicas de pessoas que mantenham algum vínculo com gestores ou servidores públicos. Os impedimentos funcionam como uma barreira através da qual são obstadas essas participações, independentemente de qualquer consideração casuística, agindo, portanto, de forma preventiva, baseados, apenas, no risco de danos derivados desses vínculos.
Contudo, o art. 9º da Lei de Licitações, que trata dos impedimentos à participação em licitação pública, nada dispõe sobre as relações (vínculos) de parentesco, tendo, em razão disso, se firmado ao longo dos anos o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual, ante a falta de expressa vedação legal, os princípios da legalidade, livre iniciativa de da dignidade da pessoa humana devem prevalecer, concluindo-se que a só participação de empresas pertencentes a parentes de gestores e servidores públicos em licitações não constitui qualquer tipo de antijuridicidade.
Com a predominância deste raciocínio, a presença de empresas pertencentes a parentes de gestores e servidores públicos em processos licitatórios, sobretudo, nos pequenos municípios, se tornou algo comum e, em muitos casos, reprovável. Situações como a perpetuação no fornecimento de bens e serviços de empresas cujos quadros sociais anunciam a presença conveniente de parentes de Prefeitos, Secretários e até Vereadores se cristalizaram no cotidiano das administrações municipais, oferecendo um indício concreto de que algo está errado.
O instituto da licitação, no entanto, foi concebido como instrumento de combate à corrupção, e a própria Constituição Federal (art. 37, XXI) e a Lei das Licitações esclarecem que a finalidade da licitação pública é garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, devendo realizar-se em estrita conformidade com os princípios básicos da administração pública, a saber, legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (art. 3º da Lei 8.666/93).
Logo de pronto se observa que o legislador vinculou a consecução dos objetivos da licitação ao rigoroso atendimento dos princípios básicos da Administração Pública, os quais, como não poderiam deixar de ser, reproduzem conteúdos evidentemente republicanos, onde a defesa da coisa pública constitui mandamento primaz.
Essa visão mais holística do direito aplicável ao instituto da licitação ganhou força com os célebres julgados sobre nepotismo no STF – ADPF nº 12 e Súmula Vinculante nº 113 e oferece argumento centrado nos princípios constitucionais republicanos que, necessária e expressamente, orientam a atividade licitatória.
Não se pode, ao menos em tese, é verdade, afirmar que a presença de empresas pertencentes a parentes de gestores e servidores públicos em processos licitatórios configure, necessariamente, a hipótese de desvio de finalidade. Há, contudo, um claro risco de favorecimento, cuja gravidade deflui da relação de parentesco a indicar a forte probabilidade de comprometimento da igualdade entre os licitantes e da própria vantajosidade da proposta vencedora.
O problema jurídico, portanto, que aqui se pretende analisar é o referente à aparente omissão ou deficiência da Lei de Licitações em não incluir, expressamente, no rol de impedimentos previsto no art. 9º, parágrafo 3° da Lei 8.666/93, as hipóteses que aqui chamaremos de nepotismo em licitação, não se estabelecendo, com isso, um controle preventivo com vistas a impedir desvios de finalidade ocasionados por este tipo de vínculo pessoal.
Como objetivo, este trabalho visa demonstrar que, apesar dessa insuficiência legislativa, o nepotismo constitui prática proibida legal e constitucionalmente pelos princípios republicanos, não havendo necessidade de norma legal expressa sobre o assunto, bastando, para o controle preventivo e objetivo, aplicar-se diretamente os princípios constitucionais republicanos da impessoalidade, moralidade e probidade administrativa, com os quais o nepotismo se encontra em colisão direta.
A importância do assunto está no fato de que a licitação, como etapa final do processo de execução do orçamento público, onde as despesas são efetivamente realizadas, tem se constituído num portal por onde a corrupção tem passado para devassar a coisa pública, circunstância que ressalta a importância de imprimir a máxima efetividade aos princípios republicanos diretamente ligados à licitação pública.
1.2) Metodologia do trabalho.
No desenvolvimento dos estudos, o método de pesquisa utilizado foi um estudo aprofundado da doutrina, da legislação aplicável à espécie, em especial a Constituição Federal e a Lei 8.666/93, bem como uma análise detida das decisões judiciais a respeito do tema, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas da União.
Assim, utilizamos sempre como fonte primária o material doutrinário e as leis, e, como fonte secundária o material jurisprudencial.
No primeiro tópico deste trabalho faremos uma abordagem sobre a força normativa dos princípios e sua função integrativa, onde desenvolveremos, a partir dos trabalhos doutrinários encontrados, uma avaliação sobre a estrutura dos princípios com vistas a demonstrar a origem de sua normatividade. Ainda neste tópico, faremos, a partir destas premissas, uma análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal que, em matéria de nepotismo, reconhecem a força normativa dos princípios, isto com o intuito de demonstrar a posição atual da jurisprudência sobre o assunto normatividade dos princípios.
No segundo tópico desenvolveremos o cotejamento das posições jurídicas sobre o tema, através de abordagem de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, em especial, no âmbito dos tribunais judiciais e de contas, quando, enfim, demonstraremos que a ampliação do rol de impedimentos do art. 9°, da Lei de Licitações mostra-se ajustada juridicamente ao direto aplicável ao assunto.
2) A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPOS REPULICANOS E SUA FUNÇÃO INTEGRATIVA.
2.1) A anatomia dos princípios.
A ausência de previsão legal, em tempos em que a nova hermenêutica constitucional reconhece a normatividade dos princípios, não constitui, como se sabe, óbice a que o Poder Judiciário e a própria Administração Pública resguardem o que o Professor Humberto Ávila chama de estado ideal de coisas promovido pelos princípios constitucionais.
Por exemplo, o princípio da moralidade exige a realização ou preservação de um estado ideal de coisas exteriorizado pela legalidade, seriedade, zelo, postura exemplar, boa-fé, sinceridade e motivação. Para a realização desse estado ideal de coisas são necessários determinados comportamentos. [...] sem esses comportamentos não se contribui para a existência do estado de coisas posto como ideal pela norma, e, por consequência, não se atinge o fim. Não se concretiza, portanto, o princípio. (ÁVILA, 2007, p. 79)
Os princípios, portanto, estabelecem uma necessidade prática de adoção dos comportamentos necessários à promoção do fim almejado, podendo essas condutas serem comissivas ou omissivas, ou seja, de adoção ou simplesmente de abstenção de atitudes, como é o caso dos impedimentos aqui tratados. Há nos princípios um núcleo que exprime claramente os comportamentos necessários à consecução do fim proposto, sendo esta uma das razões de sua normatividade.
Para Maciel (2004), “sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da extensão de um conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual” (p. 63). Seria o que chama de zona de certeza positiva:
“dentro da qual não existe dúvida acerca da palavra que o designa, e uma zona de certeza negativa, na qual não existe dúvida quanto à sua inadequação [...] Assim, advoga-se a tese de que diversas seriam as situações comportadas por conceitos indeterminados, sendo possível estabelecer a relação dos fatos que com certeza se enquadrarão no conceito e os que convictamente estarão excluídos, restando, ainda, aquelas situações equivocadas, as quais caracterizam a indeterminação do conceito”. (MACIEL, 2004, p. 64, grifo nosso)
A lição, obviamente, vale tanto para os princípios por representarem conceitos demasiadamente abstratos, como também para o conceito de impedimento contido no Art. 9º da Lei de Licitações. Apesar de prever várias hipóteses fáticas que, caso presentes na situação concreta, impossibilitariam a participação de um sujeito em uma licitação pública, o rol de incidência do impedimento ali previsto não é suficientemente abstrato para alcançar todas as hipóteses que claramente se chocam com os princípios informadores da licitação.
Para uma análise da estrutura do conceito desse tipo impedimento com base nos ensinamentos de Maciel (2004), é necessário, primeiro, identificar o respectivo núcleo conceitual, valendo, para esse propósito, a referência à lição de Justen Filho (2008, p. 151), para quem a norma contida no art. 9º considera “[...] um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará”. O núcleo do conceito do impedimento, portanto, é a existência de vínculos entre os sujeitos da licitação que comprometam a lisura do procedimento, ou, simplesmente, malfiram a moralidade e a isonomia. (Ibid., p 154)
O parentesco, apesar de não estar expressamente relacionado na regra, está dentro da zona de certeza positiva do conceito de impedimento aqui tratado, pois implica a presença de um vínculo pessoal, em tese, comprometedor dos propósitos da licitação definidos nas regras-princípio incidentes. Sob o aspecto dos próprios princípios da impessoalidade e da moralidade, é possível afirmar que o parentesco está na zona de certeza negativa dos conceitos respectivos, posto que a presença de pessoas com o vínculo de parentesco em licitações públicas não condiz com a moralidade administrativa, nem tampouco com a impessoalidade. Essa presença, em resumo, não reflete um comportamento necessário à promoção da moralidade e da impessoalidade, de modo a exigir do Poder Público uma atitude de exclusão do risco respectivo.
2.2) A força integrativa dos princípios, expressão máxima de sua normatividade.
Nessa quadra do trabalho parece sugestiva a referência aos estudos do neoconstitucionalismo sobre a eficácia dos princípios, os quais revelam a existência de uma função integrativa, indicadora de que o direito é estruturado não apenas pelas regras textuais, mas por “[...] um conjunto coerente de princípios [...]” (DWORKIN, 1999, p. 291), que justifica agregar ao argumento jurídico “[...] direitos de fundo [...]” (DWORKIN, 2001, p. 15), ou seja, aqueles não previstos textualmente nas regras. Mesmo que um elemento inerente ao fim perseguido não esteja legalmente previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo, posto que há princípios que atuam diretamente, ou seja, são autoaplicáveis (ÁVILA, 2007).
Lastreado nessa realidade, o novo constitucionalismo busca acrescentar à velha ordem hermenêutica a consideração do fim almejado (ÁVILA, 2007) ou pretensão de correção (ALEXY, 2011), como instrumento de efetivação e realização da norma jurídica expressa ou não em lei, vale dizer, do direito.
Segundo o conceito de direito positivista, o direito compõe-se exclusivamente de fatos sociais da decretação e da eficácia. O conceito de direito não positivista acrescenta a essa dimensão real ou fática a dimensão ideal ou discursiva da correção. O elemento central da correção é a justiça. Desse modo, é produzida uma união necessária entre o direito, como ele é, e o direito, como ele deve ser, e, com isso, entre o direito e a moral. O argumento principal para essa união entre direito e moral é a tese que o direito, necessariamente, promove uma pretensão de correção. (ALEXY , 2011, fl. 9, grifos nossos).
Essa pretensão de correção, no campo das licitações públicas, está expressamente relacionada com os princípios mencionados no Art. 37 da Constituição Federal e Art. 3º da lei de licitações públicas (Lei 8.666/93), os quais indicam que o correto, ou seja, o fim proposto, é que nas licitações públicas vençam as propostas mais eficientes, economicamente, e aquelas endereçadas por pessoas cuja relação com o Poder Público não ponha em risco a moralidade administrativa, à impessoalidade e à probidade.
Essa pretensão de correção ou necessidade de realização do estado ideal de coisas, por exigir comportamentos universalmente aceitos, é que confere aos princípios sua normatividade e, por conseguinte, sua autoaplicabilidade. No julgamento da ADC nº 12, o STF, julgando sobre a possibilidade de vedação à prática de nepotismo no serviço público, deixou claro que os princípios da impessoalidade e moralidade constituem restrições jurídicas diretas ao nepotismo e são dotados de eficácia plena, dispensando, assim, complementação legislativa para se fazerem cumpridos.
E essa mensagem se fez presente já desde a ementa do acórdão que reproduziu o julgado, quando afirma: “[...] As restrições jurídicas ao nepotismo são as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade [...]” (BRASIL, 2009, fl. 01).
Também em todos os votos dos Ministros é possível vislumbrar a marca desse novo constitucionalismo, destacando-se trecho do Voto da Ministra Carmem Lúcia por sua profundidade:
VOTO DA MIN. CARMEN LÚCIA: Nem precisaria haver princípio expresso - quer da impessoalidade, quer da moralidade administrativa - para que se chegasse ao reconhecimento da constitucionalidade das proibições de contratação de parentes para os cargos públicos. Bastaria que se tivesse em mente a ética democrática e a exigência republicana, contidas no art. 1º, da Constituição, para se impor a proibição de maneira definitiva, direta e imediata a todos os Poderes da República (BRASIL, 2009, fl. 21).
Observe-se, a partir dos trechos selecionados, que há uma confluência entre as proposituras doutrinárias e as decisões da Suprema Corte no que diz respeito, sobretudo, à irradiação de comandos de comportamentos derivados dos princípios, vale dizer mandamentos de otimização (ALEXY, 2011, p. 36). Especificamente quanto aos republicanos, é possível concluir que sua força integrativa, no âmbito das licitações, encontra espaço aberto no direito positivado brasileiro, em especial no parágrafo 3º, do Art. 9º, da Lei 8.666/93, visto que não há regra específica e direta sobre a vedação de favoritismo pessoal nesse setor do direito, circunstância que faz sobressaltar a normatividade desses princípios.
De fato, embora, como já dito, no conceito de impedimento insculpido no Art. 9º da Lei 8.666/93 não haja qualquer referência ao parentesco como requisito de impedimento, seu núcleo conceitual está a indicar esse tipo de vínculo pessoal como elemento comprometedor dos propósitos da licitação e, em última análise, dos princípios republicanos. O vínculo do parentesco, portanto, à luz da incidência do princípio da moralidade e impessoalidade, demanda um comportamento comissivo das autoridades, ou seja, impeditivo da participação de parentes de agentes públicos em licitações, porque representa uma forte probabilidade de comprometimento da lisura, concorrência/igualdade.
O fato de não haver expressa menção legislativa ao parentesco como impedimento à participação em licitações, não significa que parentes de agentes públicos ou políticos possam participar livremente dos certames. A considerar o conteúdo do Art. 3º, da Lei 8.666/93 e Art. 37 da Constituição Federal, a ausência de referência ao parentesco no parágrafo 3º, do Art. 9º, da Lei geral das licitações está mais para uma verdadeira lacuna legislativa, do que para uma permissão decorrente do silêncio eloquente do legislador.
No constitucionalismo contemporâneo, a dimensão do dever ser, ou seja, o fim proposto pela norma constitucional e a dimensão do ser, representada pelos extratos fáticos gravados nas regras se complementam, o “[...] positivo e o correto, o institucional e o ideal [...]” (ALEXY, 2011, p. 10). A vagueza ou falta de regra no arcabouço legislativo, apenas justifica ainda mais o recurso aos princípios constitucionais, não servindo, jamais, como óbice a que o legislador infraconstitucional ou o julgador produza a solução mais adequada e ajustada ao ideal aspirado constitucionalmente. E em termos de licitação pública, são os princípios republicanos da moralidade, impessoalidade e isonomia que indicam qual o comportamento ético/moral almejado pela República.
Realmente, se há uma norma positivando princípios (art. 3º, da Lei 8.666/93 e 37, da CF/88) e afirmando, expressamente, que tal instituto, no caso, a licitação pública, deve se guiar por estes, havendo a institucionalização de uma regra que lhes busque dar efetividade, sua interpretação sempre deverá estar umbilicalmente atrelada àqueles.
3) O COTEJAMENTO DOS PRINCÍPIOS POSTOS EM POSIÇÕES ANTAGÔNICAS.
Como dito na introdução deste trabalho, sobre o tema impedimento em licitações públicas se formaram ao longo dos anos duas correntes, uma que nega a possibilidade de inclusão do parentesco como hipótese de impedimento e outra que o vislumbra como risco de comprometimento da lisura do procedimento licitatório, podendo, portanto, fundamentar um impedimento à participação em licitações públicas.
É preciso observar, contudo, que a corrente que sustenta a impossibilidade de ampliação do rol de impedimentos do art. 9º, da Lei 8.666/93 também o faz com base em princípios constitucionais, alguns deles, inclusive, republicanos, como os princípios da legalidade. As duas posições jurídicas sacam em suas argumentações diversos princípios constitucionais, que são postos em situação de colisão a partir de abordagens feitas sob prismas antagônicos.
Os que defendem ser o rol do parágrafo 3º do Art. 9º da Lei das Licitações suscetível de interpretação tão somente restritiva, o fazem sob o argumento de que a ampliação do elenco de impedimentos fere o princípio da legalidade e sua extensão, o princípio da partição de competências, (BULOS, 2009), bem como o princípio da livre iniciativa e da própria dignidade da pessoa humana (AMORIM, 2008) por razões que, em suma, exprimem o direito de todo cidadão de participar de licitações públicas, desde que cumpridos os rigorosos requisitos legais. Já os que defendem a posição contrária, ou seja, que o rol é meramente exemplificativo, sustentam suas razões na autoaplicabilidade dos princípios republicanos e no argumento de que, por tratar de coisa pública, há a predominância destes princípios, os quais idealizam o banimento de todo e qualquer comportamento que redunde em riscos à coisa pública.
Ambas as correntes, no entanto, não divergem sobre a natureza do conceito contido no Art. 9º, da Lei de Licitações, todos comungando que se trata de um tipo de impedimento legal, portanto, uma norma de restrição de direitos, cujo objetivo é imprimir maior efetividade aos princípios da impessoalidade e moralidade. Caminham juntas até o ponto em que bifurcam o raciocínio ao discordarem quanto à forma de interpretar essa norma específica.
Para a corrente restritiva, a ampliação do rol de impedimentos está desde logo vetada pelo princípio da legalidade, o qual informa que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (Art. 5°, II, Constituição Federal - CF/88). Assim, não havendo expressa previsão do parentesco no rol do Art. 9º, da Lei Geral das Licitações, por força do princípio da legalidade, não seria possível ampliar o elenco de impedimentos para alcançar o parentesco, devendo, portanto, a regra ser interpretada restritivamente.
EMENTA: CONSULTA — PREFEITURA MUNICIPAL — PROCEDIMENTO LICITATÓRIO REGULAR — VENCEDOR DO CERTAME — PARENTE EM LINHA RETA OU COLATERAL E POR AFINIDADE ATÉ TERCEIRO GRAU DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO — CONTRATAÇÃO — AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL — LEI N. 8.666/93 — DEMONSTRAÇÃO DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA — POSSIBILIDADE.
Não há impedimento legal à contratação, decorrente de procedimento licitatório, de parentes próximos de servidores ou agentes políticos, devendo, nessa hipótese, acautelar-se o gestor quanto à demonstração nos autos da observância dos princípios da moralidade, isonomia, impessoalidade e da maior competitividade possível, entre outros. (MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Consulta n° 862.735, Relator: Cons. Sebastião Helvecio, 2012).
O princípio da legalidade, inclusive, estaria fortalecido pelo princípio da tripartição dos poderes, expresso nas regras constitucionais de partição de competência legislativa, as quais, na forma do art. 22, XXVII, da Constituição Federal, conferem ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre matéria de licitação pública.
Este foi o argumento central aviado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro, Diretório do Município de Brumadinho/MG em representação por inconstitucionalidade movida contra dispositivo da Lei Orgânica Municipal que proibia contratarem com o Município o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o 2º grau, ou por adoção e os servidores e empregados públicos municipais. A representação gerou o RE n° 423.560, sobre o qual mais adiante serão apresentadas algumas considerações (BRASIL, 2012)
O acionamento do postulado da dignidade da pessoa humana é feito sobre o argumento de que não se pode imputar a pecha de ímprobo, de imoral a alguém tendo como base tão somente uma presunção contra legem, sob pena de malferimento do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, III, da Constituição da República, tido “[...] como núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico positivo e critério para aferir a legitimidade das manifestações legislativas e integrativas[...]” (AMORIM, 2008, p. 6).
Já com o recurso ao princípio da livre iniciativa privada os defensores da corrente restritiva buscam defender que o acatamento do parentesco como impedimento significa a vedação de acesso de cidadãos ao nicho do mercado sustentado pelo poder público, sem qualquer razão concreta e palpável, afora a presunção de antijuridicidade de sua participação (AMORIM, 2008).
Em resumo, duas são as linhas de argumentos utilizados para sustentar a impossibilidade de ampliação do rol de impedimentos contidos no art. 9º, da Lei 8.666/93: uma formal, que indica ser inadequada a ampliação por ferir o princípio da legalidade e outra material, a sugerir ser a medida ampliativa desnecessária e desproporcional, posto que a restrição sugerida pode ser imposta por meios menos gravosos e com igual otimização do postulado de proteção da coisa pública, a exemplo dos rigorosos critérios do próprio processo de licitação e dos mecanismos de controle de contas e atos administrativos.
É oportuno recordar que os princípios não funcionam na dimensão do tudo ou nada, como ocorre com as regras que são aplicadas ou não, sem a possibilidade de ajustes qualitativos ou quantitativos. A presunção de boa fé, por exemplo, sofre na própria legislação e na Carta Magna diversos temperamentos, e já está relativizada no art. 9º, da Lei 8.666/93, posto que lá estão expressos alguns impedimentos lastreados no risco de antijuridicidade decorrente da participação de determinadas pessoas no processo licitatório.
Como a questão envolve colisão de princípios, o que se impõe, em verdade, é saber se a medida de ampliação do rol de impedimentos comporta a análise trifásica da proporcionalidade (ÁVILA, 2007, p. 161), mostrando-se formalmente acertada para o alcançamento do escopo da norma correlata (adequação); se é a medida menos restritiva para promoção desse fim (necessidade) e se o sacrifício dos direitos dos impedidos está adequadamente justificado pelo bem jurídico protegido pela medida restritiva, no caso, a coisa pública (proporcionalidade estrita).
Quanto ao argumento de que a medida de ampliação das hipóteses de impedimento fere o princípio da legalidade, afigurando-se, por tanto, como inadequada, impende consignar que este princípio não se limita tão somente às regras positivadas. Na referência à legalidade, evidentemente, estão também inclusos os princípios, tanto os positivados, como aqueles não positivados, consoante se depreende do art. 5º, §2º, da Constituição Federal. "[...] A legalidade devidamente justificada requer uma observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional [...]" (FREITAS, 2004, 44). E essa teleologia constitucional está absolutamente expressa no art. 37 e no art. 3º da lei geral das licitações públicas, portanto, expressamente positivada. Nesse aspecto, à toda evidência, a ampliação não fere o princípio da legalidade, posto que baseada em dispositivos legais, cuja destinação está expressamente vetorizada para a própria lei de licitação, vinculando os operadores do direito quanto ao dever de promoção desses princípios expressamente positivados.
E por falar em destinação legal, extremamente oportuna é a remissão aos ensinamentos de Mello (2011), para quem o princípio da finalidade é inerente à própria lei, de modo que o desatendimento à finalidade legal implica no desatendimento da própria lei. Segundo o autor, “[...] O que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade que a anima [...]” (MELLO, 2011, p. 106).
Se o parentesco não está contido expressamente na regra que institui o impedimento, mas, por outro lado, fere, indiscutivelmente, o princípio da impessoalidade e da moralidade, é evidente que a não ampliação do quadro fático da regra para abarcar a hipótese de parentesco fere, esta sim, o princípio da legalidade, posto que macula expressamente os princípios dispostos no art. 3º da Lei de Licitações. A adequação da medida é, portanto, claramente percebível, pois se mostra perfeitamente acertada para alcançar o fim proposto que é a expurgação dos riscos decorrentes de vínculos existentes entre as pessoas atuantes no processo licitatório e harmônica com o direito positivado aplicável à espécie.
Partindo dessa premissa jurídica pode-se afirmar que há um evidente erro de foco dos que defendem a impossibilidade de ampliação das hipóteses de impedimento sob o aspecto da forma de interpretação da norma, no caso, restritiva. É que, do ponto de vista hermenêutico, a regra, nesse assunto, é a proteção da coisa pública, de modo que as vedações/impedimentos impostas na lei não podem ser havidas como exceções a serem interpretadas restritivamente. Muito ao contrário, as hipóteses de impedimento legalmente nominadas apenas refletem o sentido axiológico ordinário, o ideário de comportamentos almejados constitucionalmente, os quais reproduzem o interesse coletivo. Aquele rol de impedimentos previsto na Lei Geral das Licitações Públicas, portanto, é apenas exemplificativo, comportando tantos outros impedimentos, quanto haja situações que ponham em risco o ideário de comportamentos compatíveis com os princípios da moralidade e da impessoalidade e demais princípios republicanos aplicáveis à espécie.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se pronunciou a respeito do tema, conferindo ampla integratividade aos princípios republicanos a ponto de reconhecer o parentesco como impedimento objetivo à participação de parentes em licitações públicas, justamente por implicar numa desarmonia com os desideratos constitucionais, como se pode constatar por meio dos trechos da ementa do Recurso Especial 615.432/MG abaixo transcritas.
2. A principiologia do novel art. 37 da Constituição Federal, impõe a todos quantos integram os Poderes da República nas esferas compreendidas na Federação, obediência aos princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e publicidade.
3. O princípio da impessoalidade obsta que critérios subjetivos ou anti-isonômicos influam na escolha dos candidatos exercentes da prestação de serviços públicos, e assume grande relevância no processo licitatório, consoante o disposto no art. 37, XXI, da CF.
5. Consectariamente, a comprovação na instância ordinária do relacionamento afetivo público e notório entre a principal sócia da empresa contratada e o prefeito do município licitante, ao menos em tese, indica quebra da impessoalidade, ocasionando também a violação dos princípios da isonomia e da moralidade administrativa, e ao disposto nos arts. 3º e 9º da Lei de Licitações. Deveras, no campo da probidade administrativa no trata da coisa pública o princípio norteador é o do in dubio pro populo. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 615.432/MG, Primeira Turma, Relator: Luiz Fux. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=615432&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO)> . Acesso em: 20/02/2014.
Igualmente o TCU, sobretudo após os julgados do STF ADC 12 e Sumula Vinculante 13, adotou o entendimento de que o rol do art. 9° é passivo de ampliação por força dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e isonomia, como faz prova o Acórdão 1170/2010, do qual, se extrai as seguintes passagens:
13. A princípio, ressalto que o § 3º transcrito confere ao caput do art. 9º amplitude hermenêutica capaz de englobar inúmeras situações de impedimento decorrentes da relação entre autor do projeto e licitante ou entre aquele e executor do contrato. Nesse sentido, a norma, ao coibir a participação de licitante ou executor do contrato que possua "qualquer vínculo" de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista com o autor do projeto, elasteceu as hipóteses de impedimento, uma vez que não se faz necessária a existência de vinculo jurídico formal, mas, tão somente, uma relação de influência entre licitante ou executor do contrato e autor do projeto.
20. Ademais, verifico que os fatos analisados demonstram, além de ofensa ao art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.666/93, clara afronta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.
21. Cumpre destacar que no ordenamento jurídico pátrio os princípios têm força normativa intrínseca, conforme se depreende do acórdão exarado pelo STF no âmbito do RE 579.951-4. Nessa oportunidade, o STF vedou a prática do nepotismo nos três Poderes da República, conquanto só houvesse norma nesse sentido aplicável ao Poder Judiciário, fundado diretamente nos princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.
22. Assim, qualquer situação que não esteja prevista na lei, mas que viole o dever de probidade imposto a todos os agentes públicos ou pessoa investida desta qualidade, deve ser proibida, por ser incompatível com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. (BRASIL, Tribunal De Contas Da União, Acórdão 1170/2010, Plenário. Relator: Min. Benjamin Zymler, 2010).
O Tribunal de Contas do Estrado do Paraná, inclusive, prestou a consulta n° 228167/10 onde conferiu extensão à Súmula vinculante 13 para alcançar as hipóteses de nepotismo em licitação:
Consulta. Licitação. Participação e contratação de empresa da qual consta como sócio cotista ou dirigente, cônjuge, companheiro, parente em linha reta ou colateral, consanguíneo ou afim de servidor em cargo efetivo ou em comissão na entidade licitante. Impossibilidade. Interpretação da Súmula Vinculante 13 do STF. (PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado. Consulta n° 228167/10, Entidade: Município de Arapongas. Interessados: Luiz Roberto Pugliese e Município de Arapongas. Relator: Caio Marcio Nogueira Soares. AOTC n° 268, em 24/09/2010).
A ampliação, portanto, é adequada porque em consonância com os princípios constitucionais em voga e com as finalidades declaradas na legislação infraconstitucional.
No que concerne ao argumento de que o princípio da livre iniciativa restaria violado com a ampliação do rol de impedimentos, o que se opõe, de início, é que se trata de um princípio mais relacionado ao interesse privado, que visa garantir direitos dos cidadãos singularmente considerados. No âmbito do direito público, e, sobretudo no bojo das discussões relativas à proteção da coisa pública, o peso desse princípio é consideravelmente mitigado por princípios republicanos ou por conjuntos desses, como faz exemplo, no caso das licitações, a conjugação dos princípios da supremacia do interesse público e da impessoalidade.
Para Meirelles (2011), o interesse público está intimamente ligado ao princípio da finalidade. "A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral” (p. 105). A finalidade almejada através das licitações públicas é a contratação de bens e serviços pelo preço mais vantajoso e com respeito à moralidade pública, que se deve alcançar emprestando-se particular ênfase ao princípio da impessoalidade. Já este princípio, que comumente é abordado pela doutrina especializada ora sob o prisma do princípio da finalidade (MEIRELLES, 2011, p. 93), ora com enfoque no princípio da isonomia (MELLO, 2011, p. 114), pode muito bem ser estratificado na seguinte lição de Carvalho Filho (2006):
"O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória (p, 17)".
Voltando à discussão, o que se tem, à luz do que visto acima, é que não se pode por em risco o bem público em prol de interesses particulares, sobretudo quando estes últimos estão maculados por fortes elementos de suspeição. “[...] nem mesmo se pode imaginar que o contrário possa acontecer, isto é, que o interesse de um ou de um grupo possa vingar sobre o interesse de todos.” (GASPARINI, 2009, P. 20).
Mello (2011) há muito já alerta sobre os perigos das interpretações legais reducionistas, desprovidas de compromisso com a finalidade legal, enfatizando que a importância do princípio da finalidade está na necessidade de se evitar “[...] o risco de exegeses toscas, demasiadamente superficiais ou mesmo ritualísticas que geralmente ocorrem por conveniência e não por descuido do intérprete [...]” (MELLO, 2011, 107).
A medida, como visto, apresenta-se como necessária, sendo, inclusive, menos restritiva do que o controle a posteriori, quando o risco de irregularidades já poderia estar concretizado e a sanção aplicável seria bem mais gravosa que a simples não participação na licitação.
E mais, o acionamento do princípio da dignidade da pessoa humana para garantir essa duvidosa participação, também não passa do crivo desse raciocínio republicano. É que a alegação de impossibilidade de presunção de má fé não encontra respaldo no próprio art. 9° da lei de licitações, que, outra coisa não faz, são estabelecer limites para participação nas licitações, sempre visando a lisura do pleito.
O princípio em questão – dignidade da pessoa humana, inclusive, restaria relativizado, pelo princípio da isonomia, que nos faz concluir que o parente de um Prefeito, por exemplo, não está na mesma condição de um licitante que não guarde parentesco com o referido gestor. A proximidade derivada dos laços familiares expõe todos ao risco de vazamentos de informações, direcionamentos, conchavos entre licitantes e toda sorte de favorecimentos, ferindo o centro de direitos dos demais concorrentes e, portanto, sua dignidade enquanto cidadãos.
Afirmar que um parente, nessas condições é igual a qualquer outro cidadão significa fechar os olhos para uma verdade solar e que, a todo o tempo no ordenamento jurídico é lembrada e controlada, qual seja, a suspeição daqueles que têm vínculos pessoais com agentes públicos. Indubitavelmente, o princípio da isonomia deve ser acionado na querela em questão, porém, em defesa dos cidadãos que não têm o privilégio do parentesco com as autoridades responsáveis pelas licitações, tal como já acontece com as demais hipóteses de impedimento elencadas no art. 9º.
Feita esta análise das teses e antíteses, é possível verificar que a medida de ampliação dos impedimentos do art. 9° também se mostra proporcional no sentido estrito do termo, tendo em vista que promove de forma precisa o escopo da norma em discussão.
Para empreender derradeira abordagem do assunto, resta ainda a discussão em torno da incidência do princípio da partição da competência estatal, o qual, na ótica dos que sustentam a impossibilidade de ampliação do rol de impedimentos aqui tratados, impede, na forma do art. 22, XXVII, da Constituição Federal, que o referido rol seja modificado, senão por lei emanada do Congresso Nacional.
Quanto a esse particular avulta-se oportuna a remissão ao que julgado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 423.560/MG, valendo destacar do voto do Relator o seguinte trecho:
É certo que o referido art. 9º não estabeleceu, expressamente, restrição à contratação com parentes dos administradores, razão por que há doutrinadores que sustentam, com fundamento no princípio da legalidade, que não se pode impedir a participação de parentes nos procedimentos licitatórios, se estiverem presentes os demais pressupostos legais, em particular a existência de vários interessados em disputar o certame [...].
Não obstante, entendo que, em face da ausência de regra geral para este assunto, o que significa dizer que não há vedação ou permissão acerca do impedimento à participação em licitações em decorrência de parentesco, abre-se campo para a liberdade de atuação dos demais entes da federação, a fim de que eles legislem de acordo com suas particularidades locais (no caso dos municípios, com fundamento no art. 30, II, da Constituição Federal), até que sobrevenha norma geral sobre o tema (BRASIL, 2012, fl. 7).
Como se observa, a Corte Suprema reconhece o caráter geral da norma contida no art. 9º, da Lei de Licitações Públicas, passível de complementação pelas demais entidades federativas, conforme critério de discricionariedade atrelado aos princípios republicanos aplicáveis, pelo o que não há o que se discutir mais acerca da possibilidade de ampliação do rol de impedimentos contido no citado dispositivo, sob o prisma da repartição de competências.