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Nepotismo em licitação:

o parentesco como impedimento a participação em licitações públicas

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Agenda 10/04/2014 às 14:51

4) O RISCO DE ANTIJURIDICIDADE COMO MÓVEL PRÁTICO DO IMPEDIMENTO.

À guisa de desenvolvimento de um raciocínio prático, é imperativo não dissociar os argumentos jurídicos da realidade vivida em cada comunidade. No que tange ao experimento brasileiro no trato com a coisa pública, as preocupações com o avanço quase desmedido da corrupção constituem um fator que não pode ser escamoteado por deduções formalistas, erigidas sobre uma plataforma positivista, cujos resultados práticos não apresentem as modificações necessárias à diminuição desse mal.

Segundo o Instituto Avante Brasil (2013), de acordo com a ONG Transparência Internacional, responsável pela divulgação anual do Índice de Percepção da Corrupção, o Brasil apresentou, em 2013, uma piora na sua pontuação, caindo da posição 69? para a 72?, numa amostra de 177 países avaliados (IAB, 2013).

Relatório da FIESP publicado em março de 2010 e baseado em dados estatísticos colhidos em 2008, revela o percentual de comprometimento da economia gerado pela corrupção – custo corrupção, e constata um percentual de 2,3% do PIB per capita de custo médio anual da corrupção no Brasil:

Se o controle da corrupção no Brasil for mais rigoroso, reduzem-se os pagamentos de propinas e subornos, o superfaturamento de obras, a necessidade de realizar o trabalho mais de uma vez etc. Ou seja, se o país tivesse o mínimo teórico de corrupção percebida (CPI igual a 10), maior seria o montante de recursos disponíveis, liberados pela inexistência das  práticas corruptas. Na medida em que este montante maior de recursos ainda se destina à corrupção, ele representa um custo para o país (o custo da corrupção). Se o país apresentasse um controle ainda maior da corrupção (CPI igual a 10), o custo médio anual da corrupção para o Brasil é estimado em R$ 69,1 bilhões (preços correntes de 2008), o que corresponde a 2,3% do PIB. (FIESP, 2010, 26).

Em termos de orçamento público, a licitação situa-se na fase executiva do mesmo, representando o início da etapa da despesa pública. Não é à toa que licitação é havida pelos estudiosos do tema como uma das “[...] grandes pilastras da corrupção” (CECCATO, 2012, 10). As atenções e cuidados exigidos pela Constituição e pela própria Lei de Licitações devem ser redobrados, exigindo-se do operador do direito uma visão mais voltada à eficiência do que à simples conformação legalista.

Esse quadro de corrupção em que o instituto da licitação está incrustado revela um cenário de riscos a que está sujeita a coisa pública e é justamente este âmbito que fundamenta não apenas a própria licitação como instrumento de combate à corrupção, mas especialmente o instituto do impedimento previsto no art. 9° da Lei 8.666/93, através do qual o legislador buscou, claramente, afastar, preventivamente, os riscos de lesão ao erário considerando as probabilidades derivadas das situações concretas ali relacionadas.


5) A METODOLOGIA.

O presente trabalho foi feito através de pesquisa explicativa dogmática, por meio da qual, utilizando-se do método dedutivo interpretativo do tipo exegético, buscou-se apresentar os resultados.

Segundo ADEODATO (1997) a pesquisa dogmática é a [...]destinada a sugerir estratégias de Argumentação e decisão diante de conflitos a partir de Normas jurídicas estabelecidas.” (1997, 206). Como o presente trabalho teve por objetivo apresentar uma interpretação do art. 9°, da Lei de Licitações à luz dos princípios republicanos aplicáveis a este instituto jurídico, foi utilizada a pesquisa dogmática e como método o dedutivo interpretativo exegético, o qual, segundo (LIMA, 2004), [...] “visa compreender o verdadeiro sentido e alcance da norma jurídica, real intenção do legislador” (apud BENTO:2004).

O tipo de pesquisa e método utilizado, portanto, se mostraram como mais adequados à abordagem pretendida e aos resultados que se buscaram apresentar.

O levantamento dos dados foi feito por meio de pesquisa bibliográfica em diversas obras de hermenêutica constitucional, para o fim de demonstrar a estrutura e funções dos princípios, compêndios de direito administrativo, com vistas a levantar os conceitos do instituto do impedimento, em sede de licitação e dos princípios aplicáveis à espécie. Também foi feita a coleta de material jurisprudencial, notadamente, de julgados do STF sobre o tema nepotismo, do STJ e do TCU sobre o nepotismo em licitação.

No levantamento bibliográfico, verificou-se grande dificuldade na obtenção de material doutrinário a respeito das correntes que sustentam sugestões contrárias às propostas no trabalho, havendo referências a artigos colhidos na internet e julgados de Tribunais de Contas Estaduais.


6) CONCLUSÃO

À guisa de conclusão é possível, enfim, afirmar que a supressão da aparente omissão ou deficiência da Lei de Licitações em não incluir, expressamente, no rol de impedimentos previsto no art. 9º, parágrafo 3° da Lei 8.666/93, as hipóteses que aqui chamamos de nepotismo em licitação, não só é possível, como exigível, isto mediante o recurso ao conteúdo dos princípios que regem o instituto da licitação, notadamente os da moralidade administrativa, impessoalidade e isonomia, tudo como forma de mitigação dos reais e concretos riscos de desvio de finalidade decorrentes do vínculo pessoal de parentesco.

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Restou demonstrado pela análise dos julgados colacionados e da doutrina especializada, que os princípios regentes da atividade de licitatória são autoaplicáveis, possuindo força normativa suficiente para incluir o parentesco no rol de impedimentos legais à participação em licitações públicas, tendo em vista que este tipo de vínculo pessoal fere o núcleo desses princípios por representar uma relação demasiadamente estreita, incompatível com a moralidade, impessoalidade e isonomia.

E essa ampliação das hipóteses de impedimento não fere o princípio da legalidade, seja porque os princípios republicanos aplicáveis à espécie estão positivados na própria lei de licitações e sua força normativa é autoaplicável, seja porque a finalidade do dispositivo que prevê os impedimentos é afastar os riscos de danos à coisa pública que vínculos pessoais de qualquer natureza possam gerar, estando o parentesco dentro da zona de certeza das hipóteses fáticas que derivam esses riscos.

Não fere o princípio da livre iniciativa, posto que, sendo um princípio mais voltado para o setor privado, seu peso, em matéria de proteção da coisa pública é menor que, por exemplo, o princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade. Igualmente, não macula o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a presunção derivada do impedimento alcança não só parentes, mas todos os demais que possuam vínculos com agentes públicos que exponham a coisa pública a riscos indesejáveis, embora fira diretamente a isonomia real, que indica não estar um parente de um gestor em igualdade de condições com alguém que não detém essa condição particular. Por fim, não agride o princípio da partição das competências, pois, segundo o próprio STF (RE nº 423.560/MG) a matéria está ao alcance do art. 30, II, da Constituição Federal por se tratar de norma de caráter geral que contém uma omissão evidente.

Os testes de confrontação da hipótese com as posições antagônicas conhecidas, apesar das dificuldades de se encontrar trabalhos doutrinários a respeito do tema, foram empreendidos em conjunto com a análise trifásica da proporcionalidade. Restando demonstrado que a inclusão do parentesco como tipo de impedimento mostra-se adequada porque ajustada aos princípios aplicáveis à espécie, os quais, inclusive, estão positivados na própria lei de regência; necessária para o alcançamento do escopo da norma discutida, visto que, ao menos em tese, se mostra como menos gravosa que as sanções repressivas a serem impostas no controle casuístico ou a posterior; e proporcional, posto que as finalidades almejadas pela norma em discussão sugerem a exclusão do risco que o parentesco gera em meio ao processo licitatório.

Da análise empreendida nas decisões dos Tribunais Judiciais e de Contas foi possível constatar o reconhecimento de que os princípios republicanos preponderantes sobre a atividade licitatória justificam, com absoluta adequação, necessidade e proporcionalidade, a inclusão do parentesco como hipótese de impedimento, não havendo necessidade de expressa previsão legal a respeito, dada sua autoaplicabilidade, positivação na lei específica e supremacia do interesse público objeto final do instituto da licitação, a indicar que o rol de impedimentos previsto no art. 9° e parágrafo 3° é meramente exemplificativo, comportando ampliações tantas vezes quanto a finalidade da norma assim o indicar.

Em razão disso, surge-se que os Tribunais Judiciais e, sobretudo, os de Contas e a própria Administração estabeleçam orientações jurisprudenciais ou administrativas aos administrados fixando o impedimento por vínculo de parentesco, por exemplo, através de normativos que exijam, no âmbito dos processos de licitação, a comprovação de inexistência de vínculo de parentesco entre o licitante e os agentes públicos com poderes diretos ou indiretos sobre o destino da licitação, bem como entre aqueles e os parentes destes em linha reta ou colateral até o terceiro grau.


REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO:

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Sobre o autor
Eduardo Sérgio Cabral de Lima

Advogado há 18 anos, com atuação no Direito Público, nos seguimentos Administrativo, Eleitoral e Tributário. Especialista em gestão tributária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Eduardo Sérgio Cabral. Nepotismo em licitação:: o parentesco como impedimento a participação em licitações públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3935, 10 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27341. Acesso em: 23 dez. 2024.

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