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Os reflexos da Emenda Constitucional nº 72 como garantia de novos direitos aos trabalhadores domésticos de Maceió

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Agenda 13/04/2014 às 10:05

2. OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 72/2013

O Direito do Trabalho é fruto dos movimentos observados no século XIX na luta contra a mão de obra explorada dos assalariados por seus empregadores. Nesse mesmo contexto, esses tornaram-se mais ávidos e ricos com a crescente produção nas fábricas e novos mercados. Por sua vez, para Miguel Reale o direito é dinâmico, que se finda de acordo com o desenvolvimento da vida em sociedade:

O surgimento do direito do trabalho deu-se em consequência dos problemas sociais que antecederam a revolução industrial e, de condições que viabilizasse a garantia de dignidade ao trabalhador, assim como, de normas disciplinadoras. Desta feita, o interesse coletivo se sobrepôs ao individual.

(...) a solidariedade humana é, historicamente, um produto do medo resulta da necessidade de defesa contra os inimigos comuns, feras ou homens. Daí vem que, e qualquer sociedade humana, desde que a pressão de um grande perigo social deixe progressivamente de se fazer sentir, as formas objetivas da solidariedade se reduzem, pouco a pouco, e cada vez mais, às expressões redimentares. Paralelamente as formas subjetivas decaem e se vão tornando em simples sentimento de grupo inicial cada vez restrito, tendo a circunscrever-se pequeno ambiente dos sentimentos intrafamiliares (VIANNA, 1987).

Sobreleva notar que, os trabalhadores domésticos em pleno século XXI ainda persistem na luta pela conquista da igualdade de direitos e reconhecimento profissional. O processo de transformação e desenvolvimento social perpassa pela dignidade do indivíduo nas suas relações no grupo em que está inserido no cotidiano.

Nesta perspectiva, abordar os princípios de dignidade e igualdade nas relações de emprego dos empregados domésticos em relação às demais classes de trabalhadores, revela-se a primazia de uma realidade muito diferente do disposto no artigo 5º da Carta Maior, assim como, se sobrepõe aos fundamentos federativos da cidadania, da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, referente à discrepância de direitos previstos para os empregados domésticos até março de 2013 pela Constituição Cidadã e pela legislação específica.

Por seu turno, é mister observar que o Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, no governo de Getúlio Vargas, aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), importante conjunto de disposições trabalhistas e garantias para o trabalhador.

Todavia, a presente consolidação tornou órfã a categoria de homens e mulheres que prestam serviços residenciais no País, ou seja, em seu artigo 7º prevê que os preceitos constantes na citada CLT não se aplica, alínea “a”, aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial.

Por sua vez, para Arraes (2013, p. 23) empregado doméstico “é aquele que presta serviços de natureza rotineira, cujas tarefas não geram lucro para o patrão ou a família dentro da casa deles.” Nesta seara, Martins (2002, p. 12) registra que:

O trabalho doméstico não dispunha de regulamentação específica, aplicando-se certos preceitos do Código Civil, no que diz respeito a locação de serviços, o Decreto nº 16.107, de 30.07.1923, regulou os serviços dos domésticos, especialmente quais seriam esses trabalhadores.

Após 29 anos da edição da CLT, mais precisamente em 11 de dezembro 1972, no regime militar, entrou em vigor a Lei nº 5.859, lei específica, para regular a profissão de empregado doméstico, retirando o caráter informal de mão de obra.

Deveras, a lei supramencionada é composta de apenas oito artigos, conceituando no artigo 1º empregado doméstico, não diferente do texto constitucional, como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, dispondo o legislador como direito a essa categoria profissional apenas o direito a:

Percebe-se a inobservância da Carta Magna sobre os trabalhadores domésticos, diferenciando-os dos demais trabalhadores urbanos e rurais, uma verdadeira contradição na efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e dos objetivos fundamentais da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme previsto no art. 3º, inciso I, da CF/88, ou seja, de igualdade e existência digna sob o prisma da valorização do trabalho humano.

Portanto, ainda sob esse entendimento, Silva (2000, p.775) relata que “a busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas”, ou seja, o reconhecimento das potencialidades da mão de obra humana, o respeito e observância a direitos iguais oriundos das relações de trabalho e a garantia de condições do trabalho e dignidade do trabalhador.

Nesta oportunidade, registre-se que a Constituição Federal de 88 em seu artigo 7º, caput, utiliza o termo “trabalhadores urbanos e rurais”, ora, não seriam os trabalhadores domésticos também urbanos e rurais? Afinal, tal categoria presta serviços à família ou pessoa nesses segmentos geográficos, são remunerados e desenvolvem atividades de confiança no seio familiar. Contudo, o parágrafo único do mesmo artigo limitou e diferenciou a garantia dos direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos dos demais aos incisos:

Parágrafo Único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei (ADCT, art. 10, parágrafo primeiro);

XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei (arts. 487 e segs. da CLT);

XXIV – aposentadoria; bem como a sua integração à previdência social.

Observa-se que a regulamentação profissional e a deliberação sobre novos direitos ao trabalhador doméstico configuram-se uma dívida social do Brasil de longos anos e acima de tudo, uma questão de dignidade, desenvolvimento e promoção da realização pessoal através de garantias constitucionais e remuneração justa pelo labor.

Recentemente, em 26 de março de 2013, foi aprovada com 66 votos favoráveis e nenhum contrário, a PEC nº 66/2012 com o objetivo de igualar os direitos entre os trabalhadores que prestam serviços em residências e demais obreiros.

Doravante, com a conversão da PEC da doméstica na Emenda Constitucional nº 72, os empregados domésticos passaram a ter direitos ampliados, mas não igualados aos celetistas, no art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, já assegurado aos empregados urbanos e rurais, a saber:

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento a do normal;

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIV – aposentadoria;

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

E atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III – fundo de garantia do tempo de serviço;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; bem como a sua integração à previdência social.

Oportuna é a transcrição do entendimento de Arraes (2013, p.31):

O papel da empregada doméstica é fundamental para a organização das atividades familiares. Seu trabalho vai muito além da limpeza da casa, da alimentação da família, da educação das crianças, do zelo pela casa onde trabalha. Nos dias de hoje, cabe à empregada domestica, além de todas as suas funções básicas, zelar pela preservação da unidade familiar, com base nos princípios morais que envolvem a ética profissional. Essa categoria é essencial para desenvolvimento do País, onde o governo aprovou a proposta de Emenda Constitucional 66/2012, estendendo a essa classe profissional os direitos já existente para as demais classes de trabalhadores.

Assim, importa dizer que dentre esses novos direitos previstos através do dispositivo constitucional, há os de vigência imediata, ou seja:

Além destes, e, os que ainda estão dependentes de regulamentação específica para sua efetivação, vejamos quais: seguro-desemprego em caso de desemprego involuntário (inciso II), FGTS (inciso III), remuneração de trabalho noturno superior ao trabalho diurno (inciso IX), salário-família aos dependentes, trabalhador de baixa renda (inciso XII), assistência gratuita as filhos e dependentes desde nascimento até 5 anos de idade em creches ou pré-escolas (inciso XXV), seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador (inciso XXVIII).

Para Arraes (2013, p 07.), a Emenda Constitucional nº 72 surge com um papel social importante na garantia de novos direitos a classe doméstica no século XXI:

(...) é um dos mais importantes avanços do Brasil para garantir os direitos de milhões de trabalhadoras e trabalhadores que atuam no cumprimento das tarefas do lar. Além das empregadas que levam, passam, cozinham e cuidam dos filhos de outras pessoas, a nova lei também beneficia motoristas, jardineiros caseiros e todos que trabalham para famílias ou residências.

Impende destacar que um ponto importante não foi apreciado pelo legislador na oportunidade da avaliação da PEC, a prescrição do inciso XXIX do art. 7º da Carta Maior da República, o que denota a ausência de previsão constitucional e específica, causando inconsistência jurídica, cabendo a análise do judiciário, levando-se em consideração o labor desenvolvido por trabalhador urbano ou rural, ou seja, do doméstico que trabalhe na zona urbana ou zona rural, à luz do princípio da isonomia, da boa-fé, da norma mais favorável, em atenção ao art. 5º da CF que reza sobre a igualdade perante a lei, oportunizando a segurança dos direitos sócias previstos no art. 6º da mesma constituição.

Ao revés, com o advento da Emenda Constitucional (EC) 72, urge a oneração do empregador quanto ao implemento, após a devida regulamentação, do devido pagamento das horas extras excedentes, pagamento e acompanhamento do recolhimento do fundo de garantia, do salário família, da assistência gratuita a filhos até 5 anos, dentre outros, que passarão a fazer parte do rol de contribuições ora não pagas. Um contraponto a receita do empregador doméstico que não detêm a elasticidade financeira paralela para com a atualização do salário mínimo atualizado pelo governo anualmente.

Neste diapasão, necessário é uma política financeira de dedução e incentivo por parte do governo que viabilize o empregador doméstico a efetivação dos direitos trabalhistas sem que haja a substituição do trabalho continuo em trabalho eventual, autônomo, assim como, a oferta de oportunidades de qualificação da mão de obra e, evitar demissões de trabalhadores domésticos.

Desta feita, resta plenamente cabível a ausência da atividade lucrativa do empregador, logo, não é empresas para fins do art. 611, parágrafo primeiro da CLT, ou seja, constituição de sindicatos patronais, dada sua ausência não há que se falar em faculdade de compensação de horários e redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva (inciso XIII, art. 7º, CF/88), conforme previsão trazida pela EC nº 72, se as partes do contrato de trabalho não estiverem providas de representação sindical.

Outro ponto interessante, é a não obrigatoriedade do art. 74, parágrafo segundo da CLT, do controle de jornada aos empregadores que contam com menos de 10 (dez) empregados nos seus estabelecimentos, assim como, caberá ao empregador o ônus de provar a prática da sobrejornada, se o legislador ao prevê todos esses novos direitos ao empregador doméstico o atribuiu de novos deveres, como qualquer estabelecimento, embora desprovido de cunho lucrativo, não há como deixar de acompanhar a jornada diária do seu empregado, se a ele caberá a prova do ônus quanto as horas extras do labor de uma categoria extramente delicada de se gerir devido as suas particularidades domésticas.

Advoga-se a tese de Oliveira (2013, p. 03) sobre as distinções e particularidades que envolvem empregados domésticos:

(...) as relações domésticas, seja no campo ou na cidade, guardam distinções em relação àquelas dos trabalhadores em geral, dado o ambiente familiar, de confiança e informalidade cotidiana que se reveste, ao contrário do ambiente das empresas em que a subordinação e os rituais se estabelecem na cadeia de comando, assim como o diferencial na existência de pessoal por vezes destinado a gerir as próprias folhas de pagamento, algo impensável no ambiente doméstico, em que o patrão deve ter os meios de controlar, por si, todos os pagamentos e recolhimentos a seu cargo, sem maiores burocracias, de modo a não ser desestimulado ao registro de seus empregados domésticos.

Nesta esteira, o Brasil hoje passa por um importante momento social e histórico de transição de uma nova realidade referente a contratação da prestação de serviços domésticos, os contratos de trabalho domésticos precisam ser formalizados, observando cláusulas com direitos e deveres, de reconhecimento da mão de obra doméstica, de empregadores mais exigentes sobre a capacitação dos trabalhadores domésticos e também de desemprego oriundos da oneração constitucional por empregadores que se utilizavam do labor de muitos domésticos sem contrato, pagando valores abaixo do salário mínimo e sem qualquer outro direito e reserva trabalhista.

Os desdobramentos desse novo momento, das novas regras, virão com o decorrer do tempo e com o empenho e observância da justiça do trabalho nas relações de trabalho doméstico no país e, em especial Maceió, capital alagoana.

Sobre o autor
Antonio Tancredo Pinheiro da Silva

Advogado, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário

Informações sobre o texto

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